por CÉU NEVES
Primeiro estudo sobre o fenómeno diz que este desporto fez mais pelas comunidades portuguesas no estrangeiro do que as associações, a tradição ou a língua
O futebol tornou-se no elemento mais importante de integração dos emigrantes. Aproxima as comunidades de origem e de acolhimento, os operários dos licenciados; os lusodescendentes da geração dos pais. Fez o que as associações, a língua e tradição não conseguiram, concluem os cientistas no primeiro estudo comparativo sobre o tema: "Diasbola." Porque "o futebol tem uma linguagem moderna e universal", cujos resultados iniciais foram ontem apresentados no Instituto de Ciências Sociais (ICS), em Lisboa.
É difícil dissociar a população portuguesa do futebol, viva ela em Portugal ou no estrangeiro. Oitenta por cento dos emigrantes apoiam um clube da liga portuguesa, com o Benfica na liderança das preferências, seguido do Porto e do Sporting. Portugueses que, nos Euro 2004 e 2008 e no Mundial 2006, acreditavam que Portugal iria à final.
O que aqui há de relevante é o "assumir" dessa importância, para a qual contribuíram bastante as competições futebolísticas do século e as prestações da equipa das quinas.
O futebol tornou-se num factor de orgulho para quem saiu do País por falta de condições financeiras. Mas o fenómeno é transversal e, também, visível entre a nova vaga de emigrantes, os licenciados. E, neste contexto, surge um terceiro grupo: os lusodescendentes que não se revêem nos bailaricos e excursões das associações, nos ranchos folclóricos do século passado, no bacalhau, café ou cerveja, a que não estão habituados.
Aquele cenário é traçado por Nina Clara Tiesler, uma alemã casada com um português e que vive em Portugal há nove anos. A paixão dos portugueses pelo futebol foi algo que sempre a intrigou, daí que tenha decidido estudar as ramificações do fenómeno além-fronteiras.
Tiesler é investigadora do ICS nas áreas de antropologia e sociologia, e coordenadora do projecto "Diasbola", que pretende estudar o papel do futebol nacional nas comunidades emigrantes.
"O futebol está omnipresente da sociedade portuguesa e o país é conhecido lá fora pelo futebol. Se os emigrantes levam na bagagem o bacalhau, a cerveja, o café, os ranchos, como é que podiam deixar o futebol?", questiona a investigadora.
Mas, sublinha, este desporto "tem uma linguagem moderna e universal, enquanto os outros elementos reproduzem culturas do século passado".
Uma imagem levada pela primeira geração de emigrantes que nada diz aos filhos e netos, até porque "as migrações fornecem sempre uma boa dose de mobilidade social entre gerações. No estrangeiro, é normal uma família de operários ter um filho na faculdade". O futebol contribui para reduzir o fosso, não só cultural como educativo, entre as gerações, diz Nina Tiesler. Com a vantagem de, agora, o recurso às novas tecnologias permitir uma informação em cima da hora dos jogos e clubes preferidos.
"As novas gerações pouco falam da língua portuguesa, não frequentam as associações, a participação nas eleições portuguesas fica-se pelos 5% a 8%, os consulados estão distantes das populações, o fado pouco lhes diz", refere Nina Tiesler. Salienta, no entanto, que os novos fadistas estão a contribuir para mudar esse sentimento, mas, por exemplo, os fãs que os Madredeus têm entre os emigrantes devem-se mais aos filmes de Wim Wenders do que ao que à acção das entidades portuguesas no estrangeiro.
No entanto, a forma como as diferentes comunidades de emigrantes vivem o espectáculo futebolístico depende do contexto social do país de acolhimento. E, muitas vezes, os emigrantes ajudam a mudar a apreciação que essas sociedades têm do futebol.
Em suma, "o futebol tem várias funções na diáspora e tem uma função mais relevante na diáspora que no próprio País. A sua linguagem universal permite uma maior integração junto da sociedade de acolhimento. E tem, também, efeito unificador das comunidades", conclui a investigadora.
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