CONTACTO: Um ano depois de ter chegado ao Luxemburgo, que retrato faz da comunidade portuguesa?
Embaixador de Portugal no Luxemburgo: O retrato é positivo, com algumas nuances. É uma comunidade que tem
duas vagas sucessivas, uma nos anos sessenta, outra mais recente.
Curiosamente, é a vaga mais antiga que me dá mais preocupações. Estive
hoje [N.d.R: a entrevista ao CONTACTO foi na quinta-feira da semana
passada] com o ministro do Emprego e da Imigração, Nicolas Schmit, e
fiquei a saber que 32 por cento do total de desempregados são
portugueses, o que representa 10 % da população activa portuguesa. São
pessoas que ainda não têm idade para a reforma e que estão em situação
precária. São empregados pouco qualificados, e a crise no sector da
construção afectou-os particularmente. O problema é que não dominam o
francês escrito e nem sequer passam nos testes de admissão para poderem
receber formação. A comunidade portuguesa funciona ainda muito em
circuito fechado, e o Português é a língua utilizada no trabalho e na
família. Uma possibilidade que discuti com o ministro Nicolas Schmit
seria fazer testes orais de admissão. A outra é dar formação em
português, com a colaboração do instituto de formação profissional
equivalente em Portugal.
CONTACTO:
É um projecto que foi proposto pelo sindicato OGB-L há mais de um ano.
O que é que falta para pôr esta ideia em prática?
Embaixador: O ministro do Emprego mostrou uma grande abertura para esta
possibilidade. Há que desenvolver os contactos com o IEFP (Instituto de
Emprego e de Formação Profissional). Mas deixe-me dizer-lhe, ainda
sobre a comunidade portuguesa, que é uma comunidade muito trabalhadora
e muito integrada, por quem tenho muito apreço, mas que ainda tem
alguns problemas de integração, sobretudo no ensino, por causa da
barreira da língua.
CONTACTO:
Apesar de o Ministério da Educação luxemburguês defender o ensino
integrado da língua materna, continua a haver problemas para organizar
os cursos de Português. Em Medernach, onde os cursos integrados foram
suprimidos arbitrariamente há alguns anos e substituídos por aulas de
Alemão, ainda este ano a escola propôs que as aulas de Português fossem
dadas na cantina. Não há aqui um abismo entre o discurso oficial e a
prática?
Embaixador: Julgo que não há nenhuma má intenção por parte do Ministério da Educação. Como sabe, as autarquias gozam de grande autonomia no ensino primário em relação ao Ministério da Educação. Penso que há um problema de coordenação entre a administração central e a local. São situações que herdámos e que temos de resolver. Posso garantir-lhe que é uma situação que vamos discutir com a ministra da Educação, com quem temos uma reunião dia 7 de Dezembro.
ESCOLA PORTUGUESA "ASSUSTOU" AUTORIDADES
CONTACTO: Em que fase está a criação de uma escola portuguesa no
Luxemburgo? Foi uma proposta do Grupo Lusófona feita há mais de um ano
que nunca mais teve resposta.
Embaixador: Foi um dos temas abordados [com a ministra da Educação]. Disse-me que
não tinham acolhido essa iniciativa com bons olhos. O próprio
Grão-Duque falou-me nisso quando fui apresentar credenciais, há um ano.
Veja que este assunto chegou ao mais alto nível. Eu penso que [o
projecto não foi bem recebido] devido à própria dimensão da comunidade
portuguesa e do esforço de integração desta comunidade no ensino
oficial, e dou-lhes razão: a via para a integração da comunidade
portuguesa passa pela língua, sem perder as suas raízes ou a sua
cultura.
CONTACTO:
Mas não há aí desde logo discriminação em relação a outras escolas
privadas em língua estrangeira que já existem no Luxemburgo?
Embaixador: Há o Liceu Francês e a Escola Internacional, mas não se esqueça que o Francês é uma das línguas oficiais do país.
CONTACTO: Mas há também uma escola holandesa e até já houve um colégio
japonês, ambos subsidiados pelo Estado luxemburguês. A lei prevê a
criação e o apoio de escolas internacionais privadas, não é ilegal
recusar uma escola portuguesa?
Embaixador: Penso que não houve abertura oficial das autoridades, porque a resposta
foi negativa e porque se assustaram com a dimensão da comunidade
portuguesa. É um problema de que nunca mais se voltou a falar. O
próprio secretário de Estado das Comunidades Portuguesas não voltou a
abordar o assunto, e estou em crer que a própria Lusófona desistiu da
ideia - pelo menos nunca mais abordaram essa questão.
CONTACTO: O CONTACTO soube esta semana que o Ministério da Educação luxemburguês recusa dar equivalência aos estudos secundários efectuados em Portugal. O que é que a Embaixada de Portugal está a fazer para resolver este assunto?
Embaixador: Não é só no ensino secundário, há também problemas de reconhecimento de equivalências no ensino superior. É uma das questões que vai ser discutida com a ministra da Educação luxemburguesa no dia 7 de Dezembro. Posso admitir que haja diferenças entre os sistemas de ensino dos dois países, mas não percebo que haja dificuldades de equivalência. Mas devo dizer que o relacionamento com a ministra da Educação é muito bom. Estou em crer que há aí um problema de interpretação de documentos que temos de ver se esclarecemos.
"O LUXEMBURGO FUNCIONA BEM DEMAIS"
CONTACTO: Portugal e o Luxemburgo dizem sempre ter óptimas relações,
juram amor eterno, mas depois há barreiras enormes à integração dos
imigrantes portugueses.
Embaixador: Amor há, não é é eterno [risos]. O problema no Luxemburgo é que é um
país que funciona muito bem, funciona até bem demais. Há muitas regras:
o Luxemburgo tem uma organização impecável, é extremamente bem
organizado, mas talvez essas regras sejam excessivamente rígidas, e
essa rigidez pode dificultar a resolução dos problemas. Mas a nível
superior encontrei a maior abertura por parte dos responsáveis e dos
ministros. Sobre o problema do desemprego dos portugueses, já falei com
o ministro das Finanças, Luc Frieden, com o ministro Claude Wiseler,
ministro do Ordenamento do Território - que é casado com Isabel
Wiseler, de origem portuguesa -, e hoje com o ministro do Emprego,
Nicolas Schmit, e encontrei sempre a maior abertura.
Evidentemente que é um país com uma mentalidade diferente, porque há
regras e elas têm de ser respeitadas. Mas a comunidade portuguesa
também tem de se ajudar a si própria. Não é normal que uma comunidade
que representa sensivelmente 16 % da população tenha tão poucos
quadros, tão poucos médicos e tão poucos políticos: só há um deputado
luso-descendente, o Félix Braz. A comunidade portuguesa tem de ser mais
ambiciosa, mas é um passo que só pode ser dado pela segunda geração,
que já fala as línguas do país.
CONTACTO: Um ano depois de ter chegado ao Luxemburgo, uma das críticas que lhe fazem é a falta de visibilidade. Não o vemos.
Embaixador: Acho que as pessoas fazem confusão com as funções de um embaixador.
Que me perdoem se não vou aos bailaricos, mas a função do embaixador é
zelar pelos interesses da comunidade junto das autoridades, e
representar as autoridades portuguesas no Luxemburgo. Posso
assegurar-lhe que estou a trabalhar.
CONTACTO:
Os imigrantes portugueses sentem-se o parente pobre em Portugal e no
estrangeiro: há vários problemas que nunca chegam a ser resolvidos.
Embaixador: As
várias comunidades têm sempre a ideia de que são um parente pobre. Já
em Toronto, onde fui cônsul, e onde há uma comunidade portuguesa muito
maior, queixavam-se do mesmo. Mas posso garantir-lhe que as autoridades
portuguesas acompanham os problemas da comunidade portuguesa no
Luxemburgo e que Lisboa está ao corrente de tudo o que se passa. A
comunidade portuguesa no Luxemburgo é uma das comunidades de eleição do
secretário de Estado das Comunidades. No 10 de Junho, na
impossibilidade de vir cá o secretário de Estado do Comércio, o
secretário de Estado das Comunidades decidiu vir ele próprio pelo
apreço que tem pela comunidade. E considero até que a comunidade
portuguesa no Luxemburgo está beneficiada: tem um Serviço de Ensino, um
Centro Cultural, uma Embaixada, um Consulado.
CONTACTO: Que está sem cônsul desde Agosto e que tem problemas de pessoal.
Embaixador: O novo cônsul chega na sexta-feira e está a decorrer um concurso para
recrutamento de pessoal. O Consulado Geral foi muito bem montado pela
Dra. Cristina Almeida, mas não é fácil atender 200 pessoas por dia.
NOVAS INSTALAÇÕES DO INSTITUTO CAMÕES À ESPERA DE DINHEIRO
CONTACTO: Uma das críticas feitas ao Instituto Camões é a falta de visibilidade. Há um ano, foi anunciado que o Estado português pensava
arrendar o espaço no rés-do-chão do prédio onde está. O contrato já foi
assinado?
Embaixador: O problema são as dificuldades financeiras e orçamentais. O ministro
dos Negócios Estrangeiros está muito interessado nisso, mas estamos
dependentes do orçamento do próprio Instituto Camões, e como sabe,
Portugal debate-se com alguns problemas orçamentais. Mas de acordo com
as intenções do Ministério dos Negócios Estrangeiros, queremos reforçar
a presença cultural de Portugal no Luxemburgo, e dar também um salto
qualitativo no sentido de se fazerem menos iniciativas mas com mais
impacto, mais visibilidade. Já tenho luz verde para organizar um
festival de cinema português, em princípio em Março do próximo ano, no
cinema Utopia. Já há festivais de cinema espanhol, italiano, não
percebo porque é que nunca se fez um festival português.
CONTACTO: Disse na segunda-feira passada, durante uma visita à associação Amizade Portugal-Luxemburgo, que a comunidade portuguesa está
numa encruzilhada. O que é que falta para conseguir a integração plena
desta comunidade?
Embaixador: Falta
formação escolar, ousadia e ambição. Os portugueses que cá estão têm de
acreditar neles próprios, acreditar que podem ocupar mais cargos
importantes, tanto profissionais como políticos. E isso passa por uma
maior integração, sem perder as raízes. Uma forma de o alcançar é a
dupla nacionalidade. É de todo o interesse dos portugueses adquirirem a
dupla nacionalidade, porque lhes dá acesso desde logo à Função Pública.
Paula Telo Alves
Jornal Contacto, aqui.