Não surpreende que a maioria dos pedidos de
naturalização venham de portugueses. A lei foi feita para eles, dizia-se ao
tempo em que ela foi discutida, criticada, protelada, aprovada. Foi feita para
resolver um problema de exclusão: o dos milhares que nasceram aqui mas que não
são luxemburgueses porque o solo é ingrato. Foi feita para resolver o problema
do défice democrático deste pequeno país que tão bem nos acolhe, onde 43 % dos
que pagam impostos não podem votar nas eleições legislativas por serem
estrangeiros. Nem ser eleitos burgomestres, mesmo que tenham a maioria dos
votos. Nem servir na Função Pública.
Tornou-se célebre a frase de Kennedy "não
perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta antes o que podes fazer
pelo teu país". É uma bela frase, mas como todas as frases repetidas
muitas vezes tem o defeito de ser mal interpretada, como se exigisse apenas
sacrifícios dos cidadãos - lutar pela pátria e morrer pela bandeira. Porque o
que os cidadãos podem fazer pelo Estado - essa abstracção que em caso algum
pode valer mais que os indivíduos que o compõe - é muito mais do que esses
gestos vagamente masoquistas que ninguém lhes reclama em tempo de paz: é
trabalhar e criar riqueza; é ter sentido crítico e exercê-lo; é pôr as suas
qualidades profissionais ao serviço do desenvolvimento do país; é querer que um
país seja melhor e eleger os melhores para o governarem. São estes os
interesses do Estado, e ficam bem servidos sempre que alguém diz, movido pela
boa-vontade: "este país é a minha casa e eu quero ser cidadão deste
país". E foi no interesse deste pequeno país que a dupla nacionalidade
foi aprovada, não como concessão generosa a um punhado de imigrantes, mas como
requisito para ter mais braços e cidadãos do seu lado. Ou deveria ter sido.
Porque apesar de ser um avanço em relação à lei anterior (que exigia a renúncia
absurda à nacionalidade anterior - como se alguém
pudesse, por mero efeito da vontade, deixar de ser quem é), esta lei filtra a
maioria dos que não preenchem o molde imaginário do bom cidadão luxemburguês.
Passam aqueles que já deviam ter a nacionalidade luxemburguesa por mero efeito
do nascimento, se a lei luxemburguesa acolhesse o mais elementar facto de
aquisição da nacionalidade, o direito do solo. Passam os que estão cá há tanto
tempo que já fazem parte da paisagem, essa curiosa paisagem multi-étnica que
faz realmente a riqueza do Luxemburgo. Não passa quem cá chegou há sete anos, o
primeiro requisito da lei - nem, em muitos casos, há 10 ou mesmo 20, porque a
exigência do Luxemburguês os deixa de fora apesar de falarem as outras línguas
do país.
Quando a lei foi aprovada, o deputado Féliz Braz, que
era contra a exigência do Luxemburguês, apelou à generosidade do Estado,
propondo que o lema do país, "Mir wëlle bleiwe wat mir sinn"
(Queremos continuar a ser o que somos) fosse substituído por "Mir wëlle
ginn wat mir sinn" [Queremos partilhar/dar aquilo que somos)". O
Estado luxemburguês preferiu o moto original.
Paula Telo Alves
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