Por Ana Cristina Pereira, em Madrid
Tiago e Ana querem saborear mais um pouco a vida em Madrid.
Dario e Rita não tardam a empacotar os livros que no Verão levarão para
Portugal. Nicolau e Susana já arrumaram os deles nas estantes da casa que
compraram em Lisboa - estão a (re)aprender Portugal. Não estão a fugir à crise.
Com o desemprego a atingir os 18,83 por cento em Janeiro de 2010, Espanha
enxota calejados trabalhadores para fora das suas fronteiras. O êxodo, porém,
não se nota entre os quadros superiores portugueses que entraram no circuito
internacional.
Há muito mundo na voz de Nicolau. Estudou fora - viveu em Itália, Inglaterra,
em Singapura, em França. Vivia em França quando lhe apareceu uma oportunidade
de se fixar em Madrid. Ele veio em Janeiro de 2007 e a namorada em Junho.
Agora, a engenheira civil teve uma oferta de trabalho em Portugal e o gestor de
produto mudou-se por ela. Ela regressou a Lisboa há seis meses e ele entregou a
casa de Madrid no final de Janeiro.
Mantém a função - respondia pelo mercado português numa multinacional
farmacêutica e continua a responder, só que paga impostos em Portugal. "Sou
apologista da nossa integração com Espanha." Que ninguém o crucifique. Não
fala de perda de independência, de identidade. Fala de negócios, de mercado.
"As multinacionais tendem a funcionar numa lógica ibérica - a partir de
Madrid. Para muitas, Portugal é uma espécie de província espanhola."
O gestor de 35 anos corresponde a um padrão de portugueses qualificados que
vivem em Madrid. Ora, as empresas são portuguesas e querem entrar em Espanha.
Ora, as empresas são espanholas e querem entrar em Portugal. Ora, as empresas
são multinacionais à cata da Península Ibérica. A partir de um certo patamar,
já nem será correcto falar em emigração, já se impõe falar em
internacionalização, considera o sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues.
O caso de Rita é paradigmático. O primeiro empregador dela em Espanha foi
oferecido por um português residente em França que ali tentava vingar. "No
dia em que me disse que ia fechar o escritório aqui e me perguntou se eu queria
ir para França, ligaram-me da Shell." Já nem se lembrava que se tinha
candidatado - tinha mandado tantos currículos quando procurara emprego.
Agora, ela está com 33 anos e ele com 34. Agora, o relógio biológico está a
tocar. Agora, querem ter filhos e é em Lisboa que está a sua retaguarda
familiar. Os pais dele, os pais dela - sobretudo os pais dela. E a empresa que
a emprega no sector financeiro da aviação nem pestanejou. "Só preciso de
um computador e de um telefone. É indiferente onde estou. Começo o dia a falar
com colegas da Ásia e acabo o dia a falar com colegas da América do Sul."
Dario veio no período de euforia. Há dez anos tudo parecia possível a Portugal.
Uma empresa de turismo mandou-o desbravar caminho. O engenheiro informático
animou-se com a ideia de viver fora, dispôs-se a abrir a sucursal. Conheceu a gestora
de produto numa feira: Rita trabalhava na mesma empresa, fartou-se de esperar
pela transferência, demitiu-se, mudou-se para Madrid.
Quando o empregador de Dario recuou, ele recusou voltar a Portugal. Chamaram-no
para criar o departamento de Portugal numa empresa de novas tecnologias
espanhola que ambicionava expandir-se. Ainda lá está: "Já facturamos meio
milhão de euros por ano em
Portugal! A minha empresa já tem um volume de negócios que
justifica a minha permanência lá."
Nunca se desligaram de Portugal - agora, agora mesmo, estão a regressar de um
fim-de-semana. Dedicam-lhe muitos fins-de-semana. No Inverno, nada lhes sabe
tão bem como uma lareira acesa e uma garrafa de vinho tinto na casa de férias
da família em
Castelo Branco. No Verão, preferem a brisa da costa. E que
falta lhes faz o mar. A Dario mais de que à companheira: "Sou de uma ilha.
Nasci na Madeira. E fazemos mergulho."
Adoram Lisboa. Se Dario não fosse português, elegeria Lisboa como melhor cidade
para viver: "Combina clima, bom gosto, qualidade de vida. Só é pena que
não haja tanto poder de compra." Será um salto qualitativo. "Como
vamos transladar a nossa situação profissional, temos as mesmas condições,
sabendo que Portugal é 20 por cento mais barato."
Conseguirão readaptar-se? Nicolau só mudou de casa, continua a ter reuniões por
aí - Porto, Barcelona, Valença, Madrid. Mas está a ressacar. Fala-se com ele e
sente-se que ele está a ressacar. Embora vá à capital espanhola todas as
semanas. "Não vivia em Lisboa há cinco anos. Adorei viver em Madrid -
tinha a minha empregada, o meu porteiro, os meus vizinhos, o meu dentista. É
estranho regressar e ficar num hotel. Ainda mantenho o ginásio!"
Há qualquer coisa numa cidade com o pulsar de Madrid a fazer com que haja
sempre gente a chegar, a ficar. Por agora, Tiago e Ana apreciam cada instante.
Apesar das buzinadelas que ele ouve quando sai de casa de bicicleta e vai, pela
Gran Via, para o emprego.
O casal de consultores abre a porta de casa. O rapaz, de 27 anos, parece
decidido: "Para já, gostaríamos de ficar mais algum tempo. Depois,
queremos viver noutro país. Temos essa expectativa. Achamos que nos
valoriza." A rapariga, de 35, anui, enquanto se senta no sofá da sala.
"Seria na zona do Benelux ou na Alemanha - mercados muito dinâmicos."
Não sentem saudades - não dá tempo. Esmiúçam as ofertas das companhias aéreas
em busca dos melhores preços, acumulam pontos. As possibilidades alargaram-se
nestes três anos. Agora, há cinco companhias aéreas a fazer Madrid-Lisboa. Com
20 ou 30 euros vão e voltam. Já compraram o que Tiago chama os "o plano de
férias do emigrante": "Vamos na Páscoa, em Agosto, em Dezembro".
A maternidade terá de encaixar-se nestas andanças. Já começaram a treinar com a
gata que ele lhe ofereceu no Natal. A ausência de retaguarda familiar não
assusta. "É como um casal do Porto que vai morar para Lisboa", julga
Tiago. "Se for em Madrid, temos muitos "tios"", sorri Ana.
Se os ouvissem, Rita e Dario estariam a abanar a cabeça em sinal de desacordo.
Aqui não lhes dá tanto jeito perseguir o sonho casa-carro-bebé. Contribuirão
para aumentar a taxa de natalidade de Portugal - uma das mais baixas do mundo.
Conhecem o debate nacional sobre envelhecimento - conhecem os debates que se
travam no país. Interessa-lhes as políticas - vão votar: Tiago e Ana ainda não
falharam uma eleição desde que se mudaram para Madrid. Não sabem o que se passa
por conhecerem sítio onde possam comprar jornais portugueses em Madrid -
lêem-nos na Internet. Mas a vinda de Cavaco Silva a Espanha não os mobiliza.
Cavaco nunca esteve longe. Aqui, nada do que é português parece estar longe. Só
as oportunidades.
Público, aqui.