Eram outros tempos. Quando Mili Tasch-Fernandes cá chegou, em 1967, o número de portugueses no Luxemburgo não chegava aos 5 mil. Para estes pioneiros, encontrar produtos nacionais era uma aventura e um desafio aos hábitos alimentares luxemburgueses.
"A primeira vez que comprei grelos, a minha sogra [luxemburguesa] disse: 'Ai tu compras isso? Mas isso aqui é alimentação para os porcos'", recorda.
"Não havia quase nada. Houve uma época em que os produtos portugueses se encontravam unicamente nas pequenas mercearias ou no supermercado Primavera. Eu lembro-me de ir ao Primavera aos domingos de manhã para comprar mercearias e legumes portugueses. Hoje já não é preciso: as grandes superfícies vendem praticamente tudo".
Quarenta anos depois da chegada dos primeiros portugueses ao Grão-Ducado, as marcas da imigração estão por todo o lado: nos cafés e restaurantes, nas mercearias de bairro, nas prateleiras das grandes superfícies, a abarrotar de óleos Fula e conservas Bom Petisco.
O Cactus, a maior cadeia de supermercados no país, iniciou a ofensiva em 1990. Hoje comercializa 450 artigos portugueses nos seus 26 supermercados , garante Claude Ries, responsável pelas compras no mercado português. E os produtos portugueses são um sucesso, "com um crescimento em volume de negócios superior à média dos outros produtos", diz. Para o gigante luxemburguês da distribuição alimentar, a necessidade de seduzir os consumidores portugueses é uma evidência.
"Basta olhar para as estatísticas demográficas. Há 80 mil portugueses no Luxemburgo, que representam entre 15 % e 20 % da população do país, e claro que querem encontrar as marcas que lhes são caras".
Os campeões de vendas são "os vinhos e bebidas alcoólicas, as conservas de peixe (o atum Bom Petisco é dos mais fortes, temos vendas enormes), o arroz Caçarola, o óleo Fula, o azeite Galo, são tudo produtos com grande saída".
Na padaria, encontra-se "pain portugais" made in Luxembourg e pastéis de nata importados de Portugal. "Vendemos 400 mil unidades por ano", diz o responsável de compras do Cactus. "É a receita autêntica de Lisboa, importamo-los congelados de Rio Maior".
E os campeões de vendas na doçaria portuguesa, "les natas", como lhes chamam os luxemburgueses, já têm companhia.
"No ano passado, começámos a vender também bolos de arroz. Funcionou tão bem que vamos continuar, vendemos 100 mil num ano".
O Auchan também importa pastéis de nata de Portugal. Vêm congelados da Auchan Portugal. Mas a popularidade deste ícone da doçaria lusitana é tão grande que já há quem os produza no Luxemburgo. Adeus pastéis de Belém, olá pastéis de Roodt-sur-Syre.
O SEGREDO DOS PASTÉIS DE NATA DE ROODT-SUR-SYRE
"Há o segredo da receita de Belém, nós temos a nossa receita própria", revela Vítor Bento, responsável de Marketing da Panelux, proprietária da cadeia luxemburguesa de pastelarias Fischer e Bakes. A empresa panificadora criada em 1913 fabrica os pastéis de nata em Roodt-sur-Syre, perto de Betzdorf, e eles vendem-se nas 62 lojas da cadeia, ao lado dos Bretzel e dos bolos luxemburgueses.
"Os turistas perguntam o que é, e nós explicamos que é uma especialidade portuguesa. Aí pedem para provar", conta Sónia da Costa, empregada na Fischer da Gare de Esch-sur-Alzette, que garante que "as natas" são tão populares junto dos portugueses como dos luxemburgueses.
"Temos os pastéis de nata há mais de 10 anos, e vendemos entre cinco a seis mil unidades por mês", diz Vítor Bento.
As vendas não impressionam tanto como as do Cactus, o campeão de vendas dos pastéis de nata, mas simbolizam a vontade da empresa luxemburguesa em adoçar a boca ao consumidor português.
"Temos também um pão de tipo português, chamado 'pain soleil', que tem muito sucesso também entre os luxemburgueses. E na altura das festas, adaptamos a nossa oferta aos portugueses. Na Páscoa temos o pão de Ló e no Natal o tronco de Natal", diz o responsável da comunicação da Fischer.
No Auchan, a oferta de produtos portugueses não se fica pela doçaria: as marcas portuguesas invadiram todas as secções. Nos congelados, há Bacalhau à Braz, Bacalhau Conventual e outras receitas tradicionais portuguesas pré-cozinhadas; nos lacticínios há queijo de Niza, dos Açores, de Serpa e Castelo Branco. Das charcutarias às conservas, passando pelas massas e arroz, há rótulos em português ao lado das marcas estrangeiras. Vem tudo do Auchan Portugal, com raras excepções: o "pain Saloio" vendido na padaria é feito no Luxemburgo, e o queijo fresco "Bola de Neige" - assim mesmo, com nome luso-luxemburguês -, é fabricado pela Fromagerie du Luxembourg e vendido igualmente noutros supermercados.
"A clientela portuguesa é a nossa segunda melhor clientela em número de clientes, a seguir aos luxemburgueses", diz Sophie Morlé, responsável de comunicação do Auchan no Luxemburgo. "A parceria com o Auchan Portugal permite-nos ter aqui as marcas portuguesas que não encontramos [nos supermercados do grupo] em França".
Anualmente, o Auchan Portugal exporta para o Luxemburgo um milhão e 200 mil euros em produtos portugueses, e o grupo português quer duplicar esse valor já este ano, disse ao CONTACTO Aníbal Graça, responsável pelas exportações.
As remessas de produtos para o Luxemburgo representam cerca de 4 % do volume de exportações do Auchan Portugal para a Europa, que rondam os 29 milhões de euros por ano, mas Aníbal Graça considera o mercado luxemburguês estratégico.
"Sabemos que a nossa comunidade dá muita importância aos produtos portugueses, não só a comunidade no Luxemburgo como as comunidades que vivem nos países limítrofes, como a Alemanha e a França, e que procuram também as nossas lojas no Luxemburgo para adquirir produtos de Portugal".
QUANTO VALE O "COMÉRCIO DA SAUDADE"?
O "comércio da saudade" movimenta fortunas, mas ninguém sabe ao certo o seu valor. Em 2009, as importações directas de Portugal no Luxemburgo rondavam os 40 milhões de euros, segundo o Statec. Mas para a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Luxemburguesa (CCILL), os números do gabinete de estatísticas luxemburguês ficam muito aquém da realidade.
"As estatísticas não têm em conta a importação indirecta nem dão conta da importância do Luxemburgo no comércio externo luxemburguês", diz Francisco Silva, da direcção da CCILL, que calcula em 2.500 as marcas importadas de Portugal. O dirigente da Câmara de Luso-Luxemburguesa lamenta que não haja "estudos sobre a verdadeira e real contribuição dos portugueses na riqueza deste país e no seu crescimento económico".
"É um trabalho que nunca foi feito e que demoraria meses, pela falta de estatísticas agregadas. Teríamos de ver o volume de negócios de todas as empresas que trabalham com Portugal. Só assim poderíamos apurar a importância real da economia de origem portuguesa no Luxemburgo".
O "FIEL CONSUMIDOR"
Certo é que os consumidores portugueses são cada vez mais o alvo das campanhas das empresas luxemburguesas. Em 2007, um estudo da Confederação Luxemburguesa do Comércio considerava-os "os consumidores mais fiéis do Grão-Ducado": os preços mais baixos do outro lado das fronteiras tentam menos os portugueses que outras nacionalidades.
"É verdade que constámos que os residentes portugueses eram os consumidores mais fiéis ao comércio luxemburguês", diz Tanja Bollendorf, da CLC. "E no ramo alimentar é evidente que os supermercados luxemburgueses se adaptaram [à clientela portuguesa]. Essa é aliás uma das razões pela qual eles continuam a ser os clientes mais fiéis".
O estudo foi distribuído pelos associados da Confederação Luxemburguesa de Comércio há dois anos, e Francisco Silva garante que veio reforçar a aposta no cliente português.
"A partir daí notou-se uma grande modificação nas grandes cadeias de distribuição. Começaram a fazer semanas portuguesas com mais frequência e a ter uma oferta mais abrangente de produtos".
Os portugueses são os consumidores mais fiéis ao comércio luxemburguês. As grandes superfícies retribuem em géneros... portugueses.
Paula Telo Alves
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