" Uma língua inventada pela emigração portuguesa em França e é preciso saber as duas línguas para a conseguir entender", explicou a autora à Agência Lusa em Paris. "Nem sempre é fácil perceber, tirando aquelas mais fáceis, como ir emvacanças (‘vacances', férias) a Portugal ou montar as escalieras (‘monter les escaliers', subir as escadas), exemplifica Maria João Lehning.
O champanhe com tremoços servido pelo português Abílio em
"D'Acordo", no último romance de Maria João Lehning, é o resumo e
metáfora desta língua nova. "Aprendi muito com a Albertina, uma
empregada portuguesa que eu tiveaqui em Paris", diz Maria João
Lehning. Formulações como "você foi lá-bá (‘lá-bas', lá, além)", tanto
como a interjeição "ah-bom?", que repete uma exclamação recorrente dos
franceses, agarram-se desde o início aos portugueses que chegam a
França", esclarece. Muitas vezes, a apropriação de uma palavra resulta
num sentido exatamente oposto ao do original francês. "Dizem-lhe, por
exemplo, ‘O meu filho está lá em baixo a treinar, a treinar, a treinar
(‘traîner', arrastar-se, não fazer nada). Pensa-se que o filho está
ativo, mas é o contrário", explica Maria João Lehning. " Inacreditável
e, por vezes, resulta num ridículo impossível". No entanto, a autora
reconhece que esta língua "porto-francesa" "reflete imenso uma crise de
identidade".
"A invenção de uma língua deriva de um choque entre identidade e
alteridade.O português gostava de ser o ‘outro' - de ser francês. A
vontade de não ser português vem de terem vergonha, como basicamente se
sente ainda na nossa emigração mais antiga. A nova é mais rica
culturalmente, porque hoje há quadros que fogem de Portugal", diz a
autora. "Nesse sentido, falar francês, mesmo inventado, é uma forma
de promoção social. Os emigrantes portugueses estão sempre a dizer mal
dos franceses mas gostavam de ser como eles", acrescenta. A autora de
"Travessa de Memória" e "D'Acordo", e de um inédito ainda por publicar,
acusa, entretanto, a "atitude de 'snobeira' e desprezo" dos portugueses
em Portugal e o "chauvinismo da maioria dos franceses" em relação aos
emigrantes portugueses em França.
"Tudo o que cheira a emigração, cheira a pobreza. Cheira a ridículo.como se Portugal quisesse esconder as suas traseiras, as traseiras do prédio. A emigração é o retrato da pobreza do país e do seu analfabetismo", conclui. Afinal, o português de emigrante é um local de encontro, quase tão físico como a "curra da Rosa" do romance de Maria João Lehning. A "curra" é o pátio, "la cour". O sítio comum onde emigrantes e nacionais podem mutuamente "deitar-se um cu de olho", perdão, uma olhada ("coup d'oeuil").
Pedro Rosa Mendes, Lusa, aqui.