O debate sobre os fluxos migratórios é muito interessante e importante, mas precisa de ser analisado de forma séria e objectiva, sem a miopia limitadora de quem o vê apenas para tirar dividendos partidários, o que inevitavelmente o arrasta para considerações superficiais que não ajudam a compreender esta realidade tão complexa e com características totalmente distintas dos anos 60 e 70.
Querer reduzir os actuais fluxos migratórios à incapacidade para gerar empregos em Portugal e dar uma imagem de que o país se está a esvaziar, como faz o PSD e o PCP,
não só é um disparate que as próprias evidências se encarregam de desmentir, como é uma visão muito limitada das aspirações individuais dos Portugueses, da sua liberdade
de movimentos e disponibilidade financeira, da protecção social e das condições de trabalho no espaço da União Europeia, entre outros factores.
Os Portugueses já foram por tempo demais e de forma injusta marcados com o rótulo do emigrante pobre e sem estudos; não é preciso continuar a martelar esta tecla, até porque objectivamente não há razões para isso.
Mas talvez a questão de fundo e a mais preocupante é a que se refere ao facto de grande parte dos Portugueses que entram nos fluxos migratórios terem baixas qualificações escolares e profissionais, o que os torna sempre mais vulneráveis no mercado de trabalho. E isto não obstante os esforços que têm sido feitos nos últimos anos para aumentar os níveis de qualificação e para combater o abandono escolar.
A verdade é que actualmente o número de estudantes no ensino superior é quase o dobro em comparação com os que existiam há dez anos, o abandono escolar diminuiu
bastante e há infinitamente mais jovens a frequentar o ensino profissional.
Certamente que há Portugueses a sair do país, e isso deve sempre ser objecto de preocupação. Mas hoje já existe um Observatório da Emigração, criado pelo Governo no final da anterior legislatura, que tem precisamente como missão fornecer informação objectiva sobre os fluxos migratórios. Só é pena que o PSD esteja tão empenhado em
desacreditar um organismo tão importante, apenas porque não transmite os dados que mais lhe convinha para usar politicamente.
Mas vale a pena recordar o que disse recentemente o Coordenador do Observatório da Emigração na Comissão dos Negócios Estrangeiros: que os fluxos migratórios não são muito diferentes do que sempre foram, que há hoje uma enorme e fácil circulação de trabalhadores e que duvidava muito que em 2009 tivesse havido um grande aumento da emigração. E compreende-se: é que a migração de desempregados para países onde o
desemprego também aumentou muito, e sempre em maior proporção entre as comunidades estrangeiras, está longe de ser garantia de emprego imediato. É o que acontece, por exemplo, em países como a Suíça, França, Luxemburgo e outros.
No meio desta discussão, até parece que alguns se esquecem que fazemos parte da União Europeia, que incentiva à mobilidade profissional e garante a igualdade de
direitos a quem se queira instalar noutro Estado-membro, o que contribui também grandemente para que muitos portugueses saiam por curiosidade ou por aventura, porque sabem que podem regressar com facilidade se algo correr mal.Tal como há muitos empresários que naturalmente procuram novos mercados, estudantes e académicos que vão para universidades estrangeiras e quadros profissionais que dinamizam projectos de cooperação em diversos países de expressão portuguesa.
Resumindo. O mundo mudou, Portugal e a Europa mudaram e os Portugueses também. A emigração não é o drama que foi nos anos 60 e 70. Querer reduzi-la a esses tempos
sem tentar compreender o que hoje se está a passar, não é sério e ainda por cima continua a dar dos Portugueses e de Portugal uma imagem negativa que ninguém merece nem gosta. E isso não é aceitável.
Nada justifica este tipo de ataques permanentes ao nosso orgulho colectivo.
Lusojornal nº 251, página 2, aqui.