Portugal tem sido ao longo de quase dois séculos um país de emigrantes:
desde os fenómenos de expansão do próprio império e respectiva
colonização, passando pelo povoamento das Ilhas Atlânticas, e pela
colonização do Brasil. Já em pleno século XIX assume especial
importância a emigração económica para o Brasil, bem como, para outras
regiões das Américas (Estados Unidos, Canadá, Caraíbas, Havai).
A
emigração económica a partir de 1960, essencialmente para os países
desenvolvidos da Europa Ocidental (França, Alemanha, Suíça), a
emigração madeirense para a África do Sul e Venezuela e açoriana para
os Estados Unidos e Canadá, completam um quadro que conduziu à
existência de imensas comunidades portuguesas fora de Portugal. É claro
que, com o passar dos tempos e sobretudo de gerações, aqueles que
inicialmente eram apenas portugueses emigrados deixam de o ser
totalmente, passando a ser também estado-unidenses, brasileiros,
sul-africanos, venezuelanos, franceses, canadianos etc, mas sempre com
uma ligação muito especial a Portugal.
EMIGRAÇÃO HISTÓRICA
Em
todo este processo os números são impressionantes. Entre 1958 e 1974
abandonaram Portugal cerca de 1,5 milhões de indivíduos. Só no ano de
1973 foram cerca de 123 mil e no ano seguinte, apesar de todas as
restrições entretanto criadas na Europa à emigração, saíram do país
mais de 70 mil pessoas, num movimento que mudou a face da sociedade
portuguesa e que inclusivamente levou à criação do EMIGRANTE/MUNDO
PORTUGUÊS um jornal expressamente dedicado ao fenómeno.
Nos anos 60,
em grande parte devido às enormes dificuldades por causa da guerra
colonial, assistiu-se a mais uma grande vaga de emigração e de novo
para a Europa que desta vez abriu as suas fronteiras, porque o
crescimento económico a deixava naturalmente com uma enorme necessidade
de mão de obra.
EMIGRAÇÃO ACTUAL
A crise
internacional e obviamente a sua repercussão em Portugal, levou a que
se registasse actualmente uma nova vaga de emigração nomeadamente para
países como a Suíça, o Reino Unido, Espanha, Angola etc.
Aquilo que
leva os portugueses a emigrar hoje, embora seja diferente
estruturalmente, não o é do ponto de vista conjuntural. Se nos anos 60
se emigrava para mudar de vida, para ganhar o direito a uma vida
melhor, a emigração hoje está a fazer-se exactamente pelas mesmas
razões embora não numa perspectiva de longo prazo. Emigra-se para pagar
uma casa, resolver pontualmente um desemprego inesperado, reequilibrar
um orçamento familiar por causa de uma doença, entrar no mundo do
trabalho etc... Numa sociedade que não tem apetência ou possibilidade de
investir na poupança, emigrar surge assim como um fundo financeiro a
que se recorre quando as coisas ficam piores ou mais descontroladas,
usufruindo de um quadro político especial onde a mobilidade é factor
preponderante e facilitador do próprio movimento de emigração
O VALOR DAS REMESSAS
No
meio de todo este quadro, as remessas dos emigrantes sempre tiveram e
continuam a ter uma importância capital para o equilíbrio das nossas
finanças, independentemente do que se diga. Recorde-se por exemplo que,
até Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro chegou a desvalorizar a
importância deste fluxo de capitais, embevecidos que andávamos com os
Fundos Europeus, e por se achar chegado o momento em que Portugal iria
deixar de ser um país de emigração para se tornar um país de
acolhimento. Nada mais errado. Curiosamente foi também Cavaco Silva o
primeiro a emendar a mão quando percebeu que a emigração portuguesa se
mantinha e nalguns casos crescia até. A este respeito ainda
recentemente afirmou que "quanto menores forem as remessas de
emigrantes para Portugal, e quanto menor for o seu investimento no
país, menos crédito terão os bancos para conceder às pessoas".
Desta
forma o presidente da república e economista Cavaco Silva ligou muito
fortemente as remessas dos emigrantes ao crédito que os bancos terão
para conceder à empresas e aos particulares, mas foi mais longe ao
afirmar para além das remessas, também o "investimento dos emigrantes"
no país. E esta é uma questão primordial na análise da importância dos
portugueses no estrangeiro na nossa economia.
MAIS DO QUE REMESSAS IMPORTA O MERCADO
Volta
e meia discutem-se as remessas que ora baixam, ora sobem e vêem as
inevitáveis análises económicas e sociológicas sobre o facto. Mais
importante do que uma análise estanque ao valor das remessas, importa
analisar o mercado dos portugueses que residem no estrangeiro e na mais
valia que representam nas diversas formas de interagir com o país
independentemente da análise estatística sempre sujeita a regras muito
próprias. Por exemplo quando as remessas "caíram" quase 25 por cento em
2002 isso ficou a dever-se não a menor poupança dos emigrantes e muito
menos que se tenham "zangado" com o país, apenas nesse ano houve uma
reestruturação de contas, por ter entrado em vigor a nova directiva da
poupança que veio alterar significativamente a forma de organizar os
números e de classificação das remessas.
Efectivamente segundo João
Cadete de Matos, director do Departamento de Estatística do Banco de
Portugal "as remessas dos emigrantes são apenas uma das componentes das
transferências", ou seja trata-se da classificação de um determinado
tipo de envio dos emigrantes e que de forma alguma corresponde ao
"valor económico" dessas comunidades para Portugal. Para serem
classificadas de remessas têm de provir de alguém que já esteja pelo
menos há um ano em território estrangeiro e que esteja a enviar
dinheiro para a família, por outro lado tem de ter um valor mínimo de
50.000 euros para merecer essa classificação de remessa.
Ora
actualmente e ainda segundo aquele especialista "os emigrantes
continuam a transferir dinheiro para Portugal, mas numa óptica de
investimento que inclui compra de acções, imóveis, consumo variado etc,
o que não é classificado como remessa embora tenha um indesmentível
valor económico".
Igualmente um emigrante que pretenda retornar a
Portugal e como tal proceda à transferência das suas economias também
não as verá classificadas como remessas porque esses valores são
contabilizados na balança de capitais. Da mesma forma todo o dinheiro
que for aplicado em compras de turismo, desde pacotes de férias,
viagens a Portugal, programas, hotéis, etc, já que os emigrantes são
recebidos como turistas como qualquer estrangeiro ou até mesmo para
pagamento da prestação da casa se estiver emigrado há menos de um ano
ou não esteja registado como emigrante no consulado respectivo.
Por
tudo isto, quando se fala da importância deste mercado dos portugueses
residentes no estrangeiro tem de ser ver mais além do que a simples
análise das remessas que peca claramente por insuficiente,
principalmente se tivermos em linha de conta o fenómeno "offshore" para
onde é possível transferir dinheiro com o objectivo de pagar menos
imposto do que no país de origem. As formas são várias com especial
incidência nos países onde as transferências não são permitidas. Nestes
casos não há, por isso mesmo, qualquer forma de avaliar as "remessas"
vindas desses países que acabam por entrar em Portugal como produtos
bancários estruturados. Veja-se por exemplo o caso de África e da
América Latina onde vive mais de 50 por cento da emigração portuguesa
mais rica e com maior nível de vida, mas permanentemente sujeita a uma
enorme e constante instabilidade financeira, económica e política e que
por isso mesmo enviaram ao longo de décadas milhões de contos
(antigamente) e mais recentemente euros, mas que por via dessas
limitações nunca foram contabilizadas como remessas.
E não é fácil
perceber como esses capitais acabam por entrar em Portugal de diversas
formas ou de alguma forma "entrar" na economia portuguesa, até para os
próprios especialistas não é fácil fazer essa análise. Muitos apontam
para o facto de Portugal estar a exportar cada vez mais serviços para o
estrangeiro, evidenciando aqui o facto de muitos desses serviços
estarem a ser prestados aos portugueses não residentes que cada vez
mais, consomem "português" e em Portugal. Muitas das vezes esses
serviços estão a remunerar auxílio a amigos e famílias que vem dos
emigrantes, desde a Universidade e a formação dos filhos que estudam em
Portugal, um fenómeno cada vez mais comum, até aos lares e casas de
saúde para pais e familiares. Daí que se questionarmos sobre o que
valem efectivamente as remessas dos emigrantes, alguns especialistas da
área apontam para um número sete vezes superior à estatística oficial.
E os números comprovam-no, basta analisar o quadro "Outras
Transferências Correntes Privadas" elaborado pelo Departamento de
Estatística do Banco de Portugal, que inclui pensões de reforma e
outros benefícios sociais recebidos por emigrantes nos seus países de
acolhimento e pagos por instituições desses países. Nesse quadro
verifica-se que em 1997 o valor recebido pouco passava os 300 milhões
de euros, para em 2009 ter ultrapassado os 1.500 milhões.
Francisco
Passadouro é exemplo da importância económica deste mercado muito para
além das remessas. Trata-se de um jovem luso-descendente, (ver foto)
que se dedica em França à construção civil e que esteve recentemente em
Portugal num encontro de jovens tendo declarado ao jornal O
EMIGRANTE/MUNDO PORTUGUÊS que "todos os materiais que preciso para as
minhas construções compro-as em Portugal na região de Leiria, de onde a
minha família é natural e onde tenho os meus amigos". Provavelmente o
Francisco Passadouro nunca fez nenhuma remessa, classificada como tal
pelo Banco de Portugal, mas é inquestionável a importância das suas
transferências para a economia nacional.
A IMPORTÂNCIA DAS CAMPANHAS
É
aqui que, como sustenta Cavaco Silva, a banca pode ter um papel
fundamental e ainda com muito espaço para crescer. Ao longo de décadas
os bancos comportaram-se perante este mercado como "entidades de
serviço público" operando apenas o mercado das remessas, ou seja,
aguardando "pacientemente" que os clientes entrassem pela porta com o
dinheiro na mão para enviar para Portugal.
A banca terá assim de
olhar para este mercado como uma nova oportunidade, até porque o acordo
de «Basileia III» está à porta com as inevitáveis mudanças das regras
de capital em que os bancos terão apenas oito anos para se adaptar às
novas garantias exigidas para poderem continuar a conceder
financiamento no decurso de uma crise. São novas regras que vêem
alterar significativamente o quadro de operações da banca.
Hoje tudo
mudou e nada é mais possível como dantes. Os bancos portugueses para se
financiarem terão de voltar a este mercado com muita agressividade e
mostrar a sua capacidade de sedução aos clientes, que embora
portugueses e sempre ligados ao seu país, são constantemente aliciados
por propostas muito aliciantes e sofisticadas por parte da banca
estrangeira.
Ainda recentemente um banco de direito francês criou
uma campanha especialmente dirigida à comunidade portuguesa. Montou um
plano de comunicação bem apoiado, segundo o qual pagaria a plantação de
uma árvore em Portugal por cada cliente conseguido na campanha. No
final os resultados superaram cerca de cinco vezes os resultados
inicialmente esperados. É o exemplo de um Banco que em vez de esperar
comodamente pela vontade dos clientes, jogou na antecipação, criou um
produto, publicitou-o com o apoio da comunicação social e acabou por
colher os louros bem para além do inicialmente esperado.
Este banco
percebeu a "mensagem" do presidente da república quando diz que:
"quanto menos os emigrantes investirem no país, menos crédito terão os
bancos para conceder". E um banco que não concede crédito não tem
lucros nem gera lucros na economia.
VALOR DAS REMESSAS AUMENTA
Apesar
de tudo as remessas, classificadas como tal, estão a aumentar segundo o
boletim estatístico do Banco de Portugal, publicado em Agosto. No
primeiro semestre deste ano cresceram 5,2 por cento face a igual
período do ano passado. Dito de outra forma até Junho entraram 1080
milhões de euros de remessas de emigrantes, contra 1025 no período
homólogo. Embora se trate de uma subida ligeira, é claramente a
inversão de uma tendência que se vinha observando.
A França continua
a ser o país de onde são enviados os montantes mais elevados, embora
não seja a comunidade maior. Essa reside nos Estados Unidos e que é
apenas a terceira em volume de remessas, atrás respectivamente da
França e da Suíça.
Os portugueses dos Estados Unidos (mais ou menos
1,1 milhões) enviaram para Portugal 68,6 milhões de euros no primeiro
semestre do ano que representa um aumento superior a 6 por cento
relativamente ao ano passado. Mas os campeões das remessas continuam a
ser os 160.000 portugueses da Suíça, que enviaram 268 milhões de euros
neste período representando um crescimento de 20 por cento face ao
mesmo semestre do ano passado.
José Manuel Duarte
jduarte@mundoportugues.org
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