A Fundação
Calouste Gulbenkian vai pedir aos emigrantes ideias para tornar
Portugal um "sítio melhor para viver". O anúncio é feito hoje, durante
o colóquio Migrações, Minorias e Diversidade Cultural, em Lisboa. Neste encontro será também apresentado o primeiro Atlas das Migrações,
um livro onde se traça o retrato das migrações com origem ou destino em
Portugal desde o final do século XIX até aos nossos dias.
Se,
nessa altura, a maioria dos portugueses saíam em direcção ao Brasil,
hoje a maior comunidade imigrante no país é a brasileira. Actualmente
existem 2,3 milhões de portugueses, nascidos em Portugal, a viver no
estrangeiro - é o 22.º país com mais emigração, mas a imigração fica-se
pelos 4,2 por cento, bem longe dos 40 do Luxemburgo e perto da média
europeia, de seis por cento.
A iniciativa FAZ, do verbo
fazer, vai pedir aos emigrantes que "pensem em comunidade, que
estreitem os laços com os que ficaram", explica Luísa Valle, directora
do Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano. A intenção é lançar
um concurso de ideias, em que o melhor projecto de empreendedorismo
social seja concretizado em território português. A Gulbenkian
financia-o, mas, para já, não avança valores. "Lá se pensam, cá se
fazem", resume Luísa Valle, que considera que existe um "potencial
espalhado pelo mundo que não tem sido aproveitado". Por isso, é preciso
motivar "a diáspora" para ser mais pró-activa e contribuir para tornar
Portugal um "sítio melhor para viver".
Luísa Valle espera que
esta iniciativa se transforme num movimento da sociedade civil. No
início de Janeiro, a Gulbenkian vai lançar o regulamento da iniciativa FAZ.
"Importa reforçar e consolidar os laços entre Portugal e os portugueses
espalhados pelo mundo, aproveitar a sua experiência e desafiá-los para
resolvermos em conjunto as questões que são de todos", diz a fundação
em comunicado.
"A História explica muito"
No final
do século XIX, o Brasil era o principal destino da emigração portuguesa
(entre 1886 e 1950, 1,2 milhões de portugueses chegaram ao Brasil).
Hoje, são os brasileiros a maior comunidade imigrante em Portugal (107
mil em 2008), revela o Atlas das Migrações, coordenado pelo
sociólogo Rui Pena Pires, uma encomenda da Gulbenkian e da Comissão
Nacional para as Comemorações do Centenário da República que é hoje
apresentado.
O documento faz uma retrospectiva com informação
cronológica, geográfica e sociológica. "Os portugueses não saíram por
vocação, mas por acidentes da História. A História explica muito", diz
Pena Pires, confessando-se "céptico [em relação] às explicações
culturalistas" sobre a emigração. A saída não se deve a "uma
característica geral comum a todos os portugueses", mas a questões
económicas e ao passado colonial, explica.
Desde 1900 que um terço do crescimento demográfico português foi absorvido pela emigração, revela o?Atlas.
A consequência directa foi um decréscimo acentuado do crescimento
demográfico potencial. O país conseguiu atrasar essa quebra com a
chegada de África dos portugueses residentes nas ex-colónias, a partir
de 1975, recorda Pena Pires. Mas não só. Houve uma "imigração africana
lusófona", entre 1980 e 1990, que se intensificou com o aumento das
obras públicas e da construção civil. O investigador aponta que se
trata de uma imigração pouco qualificada.
Contudo, "Portugal não poderia hoje viver sem o contributo da imigração", diz ainda o Atlas.
Vários sectores de actividade poderiam ficar "semi-paralisados", como a
construção civil, os serviços pessoais e domésticos, a restauração,
hotelaria e comércio. Mas também o emprego altamente qualificado, como
os quadros estrangeiros de empresas multinacionais.
Emigrantes qualificados
No
final do século XIX, os portugueses procuravam os países do outro lado
do Atlântico, com o Brasil à cabeça, e com uma emigração pouco
qualificada. Actualmente há uma nova emigração mais virada para o
espaço europeu, resultado da maior circulação promovida pela entrada na
União Europeia, e mais qualificada. Além dos países europeus, Angola
foi o destino de mais de 74 mil portugueses no início do século XXI.
Um
"fenómeno novo" é que há profissões qualificadas que requerem
mobilidade, explica Pena Pires. Em 2000, 13 por cento dos portugueses
com grau superior (90 mil) emigraram. Na União Europeia, este valor só
era superado pela Eslováquia e pela Irlanda. Os "novos emigrantes" são
mais qualificados e escolhem o destino porque são informados, uma
situação bem diferente da do emigrante dos séculos XIX e XX, que ia
sobretudo atrás de um trabalho ou de familiares. Em comum, a esperança
de "viver melhor", conclui Rui Pena Pires.
Público, aqui.