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Os avós levaram malas de cartão. Os netos trazem diplomas
2010-12-17
Amanhã é o Dia Internacional do Migrante. O i foi conhecer luso-descendentes em Portugal

Terminada a Grande Guerra, o avô de Aude de Amorim deixou Viseu e foi viver para França com os filhos. O seu pai, também português, nunca mais quis voltar. Aude não lhe seguiu as pisadas: nasceu em França, mas nunca esqueceu as origens. Depois de licenciada, seguiu a carreira diplomática. Curiosa, aprendeu a língua do avô na faculdade. Passou pelo Brasil, por Washington e novamente por Paris. Mas foi Portugal que escolheu como destino para viver. Hoje Aude é cônsul de França no Porto e não esconde a felicidade com a opção: "Tenho família no Porto, em Viseu e em Lisboa. Sempre quis voltar."

Portugal é um país de emigrantes. E muitos dos que partiram em busca de uma vida melhor, nas décadas de 50, 60 e 70, vingaram lá fora. O avô de Aude de Amorim começou por ser operário. Aprendeu francês sozinho, guiado apenas pelo dicionário, e chegou a chefe de equipa: "Um português pode ir para França e conseguir tudo de melhor para os filhos", admite a cônsul. Mas também por isso faz questão de "mostrar aos franceses que a realidade portuguesa é bem mais rica do que eles imaginam".

Na véspera das comemorações do Dia Internacional do Migrante, o i falou com a presidente do Observatório Luso-Descendente, criado a 10 de Junho, para perceber a realidade das famílias portuguesas que abandonaram o país nas últimas décadas. Muitos partiram de Portugal a medo, alguns munidos de malas de cartão. Hoje, diz o Observatório, regressam os filhos e os netos, altamente qualificados e com conhecimentos que ficam à disposição do país de origem dos pais e dos avós.

A própria presidente do Observatório, Emmanuelle Afonso, é luso-descendente: "Os países de acolhimento deram-lhes oportunidades. A maioria regressa às origens depois de estudar muito: são qualificados e as despesas de educação não ficaram a cargo de Portugal", explica.

A criação do Observatório visa clarificar a integração dos luso-descendentes. A língua, por exemplo, pode ser uma barreira para quem quer trabalhar em Portugal: "O português em França é pouco qualificado. Nós chegamos cá e, ao contrário dos emigrantes, temos de pagar aulas se quisermos aprender mais", lamenta. É neste tipo de questões que considera que os Luso-descendentes "são discriminados".

Emmanuelle Afonso escolheu viver em Portugal no ano em que frequentou o programa Erasmus. Queria conhecer melhor o lugar de nascimento dos pais. Depois desse primeiro contacto, não mais regressou a França. Apesar do sucesso da sua decisão, avisa que ainda há muito trabalho a fazer para facilitar a integração de quem queira seguir-lhe os passos. "Em programas de intercâmbio de estudantes, a papelada é tratada no próprio país. Mas há quem chegue cá e tenha grande dificuldade em ser integrado ou ter equivalência de diplomas", exemplifica. Obstáculos que, ainda assim, diz serem insuficientes para que Portugal deixe de ser um destino para trabalhar. Emmanuelle Afonso conta, aliás, que há muitos descendestes lusitanos a regressar: "Infelizmente ainda não temos números oficiais, mas estamos a criar uma base de dados para isso."

O embaixador de França em Portugal também é oriundo de famílias portuguesas. Pascal Teixeira da Silva tomou posse em Setembro, escolhido pelo chefe de Estado francês: "Fui nomeado com base em critérios específicos. A língua e o conhecimento que tenho do país também devem ter sido levados em conta", calcula. Ser embaixador em Portugal "era algo muito desejável. Há razões afectivas e pessoais", reconhece.

O avô do diplomata deixou Castelo de Paiva, na década de 30, rumo a França. Em 1933, operário em Bordéus, conseguiu levar a família para junto dele: "O meu pai tinha cinco anos na altura. Eu já nasci lá", conta. "Nessa época ainda havia poucos portugueses, por isso não tivemos contacto, nem com a língua, nem com a cultura portuguesa." Mesmo assim, o seu pai não esqueceu as raízes e aos 18 anos decidiu aprender português por correspondência.

Em 1948, com 20 anos, pegou numa bicicleta, convidou três amigos e veio a Portugal: "Trinta anos depois, fiz o mesmo, mas preferi vir de carro!", conta o embaixador. Ficou um mês na casa de um tio- -avô e, seguindo o exemplo do pai, aprendeu a língua portuguesa, mas na faculdade: "Na secundária não havia essa opção."

Pascal Teixeira da Silva acha que são precisas duas gerações para que os níveis socioprofissionais mudem: "Mas já mudaram. Há de tudo. Tenho muitos colegas de ascendência portuguesa em cargos administrativos, na área da cultura, com mandatos nas autarquias ou no Ministério dos Negócios Estrangeiros."

História diferente é a da gestora de projecto do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, Emmanuelle Martins. Em 1925 o avô, lenhador, foi de Barcelos para França. Só quando começou a conviver com os filhos de imigrantes portugueses na escola é que percebeu que tinha nome português. Depois, a mãe explicou-lhe: "Nessa altura esqueciam-se as origens. Quando o meu avô passou na alfândega, mudaram-lhe o nome para francês". O que até ajudou a que fosse integrado na sociedade francesa. "Além disso vivia-se a ditadura e não podiam estabelecer contacto" com o país de origem.

Foi depois de saber de onde o seu avô era natural que desenvolveu curiosidade pela cultura portuguesa. Frequentou aulas e veio a Portugal procurar família: "Acolheram-me muito bem, mas aí vi que somos muito diferentes", revela.

Depois de concluir um MBA em Gestão de Empresas na ESSEC (considerada a sétima melhor instituição de ensino do mundo), chegou a Portugal definitivamente: "Estou cá desde 2005. Afinal, aprendi toda a cultura portuguesa com o meu pai, mas de uma forma diferente. E agora sei de onde vem toda esta minha atitude de querer mais e andar em frente."

Jornal i, aqui.

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