Por Alexander Thoele, swissinfo.ch
Agora Portugal quer aproveitar mais a potencialidade das comunidades lusófonas espalhadas no mundo. swissinfo.ch entrevistou o Secretário de Estado responsável por elas.
António Fernandes da Silva Braga é um dos
quatros membros da equipe governamental que dirige o Ministério dos
Negócios Estrangeiros. O filósofo de formação e político é Secretário
de Estado das Comunidades Portuguesas e, portanto, responsável por mais
de quatro milhões de portugueses e luso-descendentes espalhados por
todos os continentes do globo.
Em
seu escritório no imponente Palácio das Necessidades em Lisboa, Braga
dá uma entrevista exclusiva à swissinfo.ch para falar de questões como
a integração dos migrantes portugueses, programas de apoio para os
migrantes que retornam, incluindo necessitados e os altamente
qualificados, mas também de reforço dos contatos econômicos com a
diáspora, incentivando investimentos em Portugal.
swissinfo.ch: Cerca de 200 mil portugueses vivem hoje na Suíça. Na visão do governo português qual é o perfil desses imigrantes?
António
Braga: Essa é uma questão relevante e que tentamos responder através de
apoio científico. Por isso criamos o Observatório para Imigração em
parceria com uma universidade em Lisboa: o Instituto Superior de
Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). Ele não apenas irá
caracterizar essas pessoas que emigram, no caso concreto à Suíça, mas
também o conjunto de outros itens como suas ambições ou que as mobiliza
a ir ao estrangeiro.
No caso da Suíça, os números estão
corretos e ficam na casa das 200 mil pessoas. Mas há uma característica
que também é muito acentuada: a Suíça é provavelmente dos países,
aquele onde a permanência dos portugueses é das mais flutuantes. Ida e
volta em épocas para o trabalho sazonal, por um lado, e por outro, com
uma integração relativamente mais fácil na zona francófona do que na
zona germânica.
As características são, no essencial,
relacionadas às atividades na área de hotelaria, comércio, em si, do
emprego menos qualificado. Mas felizmente, na segunda geração, já
começamos a encontrar pessoas com origem na comunidade portuguesa que
desempenham funções mais qualificadas. E também já existe, com um peso
significativo, aqueles que têm atividade por conta própria no comércio,
na indústria alimentar, hoteleira e de restauração, o que dá nota de
uma integração gradual, mas sustentada, e de desenvolvimento na própria
pirâmide social.
swissinfo.ch: Em julho de 2010, o
Depto. Federal de Migração da Suíça publicou um amplo estudo sobre
portugueses no país. Nela fica caracterizada o problema do rendimento
escolar dessa comunidade em relação a outras. Por quê?
A.B.:
Isso já não é tanto assim, porque do nosso ponto de vista era mais uma
razão administrativa do que uma razão substantiva. Eu tive ocasião de
trabalhar com a senhora Isabelle Chassot (n.r.: presidente da
Conferência Suíça de Responsáveis Cantonais de Educação), que mostrou
sempre muita disponibilidade enquanto coordenadora da educação no país.
Assim ficou demonstrado que o problema associado a esse desempenho no
sistema educativo não eram as capacidades habilitantes para a
aprendizagem mas, pelo contrário, as dificuldades no domínio da língua,
nomeadamente a língua alemã e obviamente também a língua francesa.
Como
caracterizamos, o grupo mais representativo da imigração portuguesa
para a Suíça é aquele ocupado no trabalho sazonal. Isso significa que
as crianças ficam ausentes do sistema educativo, porque regressam ou
porque vão já um pouco tarde, com nove ou 10 anos de idade. E isso
aumenta a dificuldade na dominação da língua do país para que elas
possam progredir no sistema educativo. A dificuldade no domínio da
língua - que é o instrumento com o qual se aprende toda a base
curricular - é uma dificuldade acrescida e que tem de ser resolvida de
outra forma, que não remetendo esses alunos que dominam menos a língua
para uma espécie de ensino especial.
Foi esse fator é que deu
uma entorse negativa na amostragem, mas que foi corrigida através de
instruções remetidas às escolas já no ano passado. Elas determinam que
os alunos que têm dificuldades na aprendizagem por causa do domínio da
língua não sejam considerados, para efeitos informativos estatísticos,
como de baixo sucesso educacional.
swissinfo.ch: Mas o
estudo indica que a maior parte dos portugueses na Suíça mantém o plano
de retornar. Isso não tira o incentivo dos pais de se esforçar mais
para seu sucesso escolar e, finalmente, pela integração dos seus filhos
no país?
A.B.: É verdade para os pais, que emigram no
sentido de poder melhorar sua condição econômica ou realizar
experiências de trabalho e que, depois, querem regressar o mais
rapidamente possível. Mas isso já não é verdade para os filhos.
Reconhecidamente sabe-se que seus pais querem para eles o melhor futuro.
Hoje
é preciso ler essa circunstância à luz do que se passa em Portugal.
Hoje nosso país oferece a quase 100% da população a pré-escola. O
ensino é obrigatório até uma faixa muito elevada da aprendizagem.
Portanto, há uma visão de cultura e de importância das aprendizagens
que o sistema educativo permite, quer para o desempenho de uma
profissão no futuro, quer de realização pessoal, num sentido mais
completo.
Por isso sublinho que essa lógica, que é remetida à
família, não é repetível às crianças. Por quê? Pois nota-se um grande
esforço para que os alunos freqüentem as escolas. Repara que Portugal
dá um grande tributo, uma vez que coloca lá professores juntos dessas
comunidades, para garantir que eles não percam os vínculos de ligação à
cultura e língua portuguesa. Isso significa que, ao mesmo tempo em que
freqüentam o sistema educativo suíço, as crianças se0 beneficiam dessas
outras aprendizagens.
swissinfo.ch: Segundo o estudo
do Depto. Federal de Migração, a migração portuguesa à Suíça é
negativa, ou seja, mais pessoas retornam do que vêem ao país. A crise
financeira atual em Portugal poderá reverter esses números?
A.B.:
Embora a Suíça não pertença à União Européia, há acordos que facilitam
a circulação dos portugueses para a Suíça. E nessa matéria, nós
caracterizamos mais esses movimentos como sendo uma mobilidade no
contexto do emprego na Europa do que propriamente a tradicional
imigração, que se passava quando havia todo um conjunto de dificuldades
transfronteiriças e outras barreiras. Hoje, como se sabe, é muito fácil
se deslocar para a Suíça e vice-versa. Portanto, assistimos mais um
caráter de mobilidade.
Por outro lado, é evidente que a crise
atravessada pela Europa provoque cortes de empregos. Infelizmente essa
situação é bastante marcante em Portugal. Assim é natural que esse
movimento possa aumentar na procura de outras condições, ou seja, na
procura de emprego. Não temos ainda dados que possam nos sustentar no
rigor que isso esteja a acontecer, mas em uma abordagem à situação na
União Européia e Europa, o que assistimos é um movimento acelerado
dessa mobilidade.
Mas também existe a mobilidade negativa. No
caso da vizinha Espanha, os dados mostram que houve um regresso muito
superior à saída de trabalhadores portugueses em direção ao país. Antes
da crise mais de 120 mil trabalhadores portugueses trabalhavam de forma
regular na Espanha. Hoje a crise e o desemprego fizeram com que muitas
dessas pessoas retornassem à Portugal.
swissinfo.ch:
Porém sabe-se que países em crise como Itália, Grécia, Espanha e
Portugal vivem um problema sério de evasão de cérebros, jovens
acadêmicos que vão procurar sua sorte no exterior.
A.B.:
Isso é verdade. Hoje há uma saída de jovens muito qualificados. A
Inglaterra tem sido, aliás, um caso recorrentemente citado, onde temos
desde jovens quadros formados em universidades portuguesas até outros
com experiência de trabalho, e que deslocam à procura de oportunidades
de trabalho. Temos até professores portugueses trabalhando no sistema
educativo inglês.
Evidentemente isso é uma preocupação, mas
também um enriquecimento. Há um período na vida desses jovens em que
eles vão conhecer outras realidades e sociedades e, provavelmente,
enriquecer seus currículos com essas oportunidades. Com isso, no
regresso que se prevê a prazo, o país também pode se beneficiar.
Quando
esse fenômeno ocorre, há sempre uma parte que é perda, pois são quadros
qualificados. Mas no contexto da Europa isso não é novidade, pois as
fronteiras foram abolidas e criadas condições à livre-circulação de
pessoas e bens, acreditando que isso seria benéfico para o conjunto.
swissinfo.ch:
Há pouco, um grupo de migrantes criou o Observatório dos
Luso-descendentes. Seu objetivo é associar portugueses no mundo
inteiro. A seu ver, o que significam essas iniciativas?
A.B.:
Essa é, sobretudo, a iniciativa de uma associação de jovens que
regressaram a Portugal. Com esse instrumento, esse regresso poderá ser
monitorizado, sobretudo num componente muito relevante: eles querem
saber até que ponto seu regresso significou uma integração de novo na
sociedade que um dia viu partir seus pais ou avós. O observatório
também quer acompanhar um pouco, do ponto de vista informativo, como o
enriquecimento dessa cultura tem a ver com o retorno da diáspora, o que
isso pode significar.
Por um lado, sabemos através de estudos
já realizados anteriormente, que quando regressam as famílias da
diáspora, cerca de 90% o fazem-no para o lugar de onde partiram, seja
no conselho ou até para freguesia. Isso fez com que o Ministério dos
Negócios Estrangeiros lançasse um programa de parceria com as
autarquias locais em Portugal, no sentido de criar gabinetes de apoio
nessas circunstâncias. Esses gabinetes também se potenciam a servir
como portas facilitadoras no do investimento nesses conselhos por parte
daqueles que um dia partiram.
Portanto, considero o
Observatório dos Luso-descendentes um trabalho muito relevante para
melhor identificar essa transumância, que é realizada também por via
dos jovens, e não apenas dos que decidiram regressar à Portugal para
procurar uma oportunidade de emprego ou realizar algo nas suas vidas.
Mas
deixe-me sublinhar outro aspecto importante: nesse regresso - estamos
falando também em uma terceira e quarta geração - o fenômeno que é
muito interessante de poder acompanhar, é que nunca foram quebrados os
vínculos de pertença cultural e lingüística com Portugal. Isso se
traduz como uma marca distintiva dos portugueses que vivem e exercem
suas ações enquanto profissionais, com essa permanente ligação à
cidadania e cultura portuguesa.
swissinfo.ch: Qual a
importância econômica e política da comunidade portuguesa no exterior?
Quantos portugueses e descendentes vivem hoje no exterior?
A.B.:
Hoje falamos não apenas daqueles que mantém a cidadania portuguesa, mas
também dos luso-descendentes. Se abordarmos o Brasil, por exemplo,
relacionando sua história passada até o presente, poderíamos dizer que
o grosso da população é de origem portuguesa - apesar de no país
coexistirem comunidades de origem alemã, italiana, espanhola e outras.
Assim, teríamos provavelmente 200 milhões de luso-descendentes. Isso
nos levaria para uma especulação que foge bastante do rigor científico.
Quanto
à estimativa populacional, na comparação com os indicadores oficiais de
cada país, o número rondaria a marca de quatro milhões e meio de
pessoas que, de um modo ou de outro, mantém a cidadania portuguesa e os
que são diretamente descendentes em até terceira, quarta ou até quinta
geração de portugueses.
Mas tudo depende de como cada país
trabalha esses dados populacionais. Os Estados Unidos, por exemplo,
fazem depender seus censos de uma informação em que a pessoa diz se
considera descendente de. Se a pessoa no inquérito diz que é
descendente de portugueses, então já temos um milhão e 300 mil
identificados. Na Austrália já é completamente diferente: a pessoa de
origem portuguesa sai das referências estatísticas, pois não se
questiona sua vinculação cultural anterior. Nossas indicações mostram
que no país vivem 50 mil portugueses e luso-descendentes, mas os censos
australianos só contam 14 mil. Portanto há aqui uma abordagem muito
díspar desses números.
swissinfo.ch: Qual a relevância do fator econômico das comunidades portuguesas no exterior para Portugal?
A.B.:
O que pudemos apurar do ponto de vista estatístico, são as remessas
feitas pelos portugueses para Portugal. Até junho de 2010 esse valor
seria de um bilhão de euros. Isso significa 0,65% do PIB. Já foi mais
no passado, quando esse valor rondou o 1,5% do PIB, o que é muito
relevante. Estamos falando aqui de remessas líquidas. Mas temos de
levar em conta outros tipos de regressos em valores que não são
contabilizados em dinheiros. São negócios, parcerias na área de
internacionalização da própria economia, acordos e parcerias com
empresas nacionais, importação ou exportação, etc. O seu peso é sempre
muito positivo, mas achamos que poderia ser muito mais.
De
fato, essa diáspora tem uma dimensão e, sobretudo, uma diversificação
planetária - ou seja, ela está presente em todas as partes do mundo.
Por exemplo: identificamos 120 mil empresas no estrangeiro que são de
propriedade, ou maioria de propriedade e capital de portugueses que
estão no estrangeiro; delas, 20 mil são muito grandes empresas. Esse é
um potencial que Portugal nunca explorou - talvez por preconceito
interno frente ao afastamento dos portugueses que estão lá fora - e
que, em minha opinião, está sendo muito mal aproveitado. Esse potencial
da comunidade portuguesa no exterior pode e deve ajudar mais economia
nacional.
Se essas pessoas insistem em continuar a crescer
portugueses, elas estarão disponíveis - com programas apropriados - a
poderem investir em Portugal. Isso não significa desinvestir dos
projetos que têm lá fora, mas sim incluir Portugal na rota desses
investimentos e dessas oportunidades para facilitar a
internacionalização da própria economia e das empresas portuguesas.
Por
esse preconceito ser real, nunca houve uma política pública dirigida
para esse setor. Este governo criou um programa chamado Netinvest, que
procura responder as questões que levantei agora. Com isso criamos uma
espécie de via verde para favorecer o investimento em Portugal,
informando sobre as facilidades, oportunidades e estímulos para ele.
Criamos também condições para que empresas portuguesas possam conhecer
as empresas desses outros portugueses que estão lá fora, e com isso,
eventualmente, beneficiar-se de uma plataforma para chegar melhor a
este ou aquele continente já tendo um interlocutor que fale a sua
língua.
swissinfo.ch: Muitos portugueses chegam à
terceira idade quando estão como imigrantes em outros países. Encontrei
em Trás-os-Montes até um asilo para ex-migrantes em Luxemburgo. E como
ficam os que se encontram em dificuldade?
A.B.: Temos
programas para ajudar portugueses que estão no estrangeiro e que, por
qualquer razão, tenham sido abandonados ou estão em dificuldades de
sobrevivência a partir dos 65 anos. Há países onde o sistema de
segurança social, e até de saúde, são muito débeis ou inexistentes -
alguns países na África e na América Latina, mas não é o caso da
Europa. Também há casos em que não há reciprocidade entre Portugal e
esses sistemas, pois não havendo sistemas, não é possível oferecer
reciprocidade. Temos um programa, em que apoiamos diretamente essas
pessoas, onde gastamos cerca de seis milhões de euros por ano. É um
apoio para pessoas que não têm mais nada para sobreviver.
Essas
experiências de regresso, sobretudo com os sistemas muito garantistas
(sic) na área da segurança social como é o caso de Luxemburgo, são
experiências novas. Nós iremos acompanhá-las para acompanhar o impacto
que isso pode trazer. Numa primeira leitura isso parece bom, pois os
antigos migrantes portugueses ficam mais próximos das suas famílias e
estão de regresso ao país que lhes viu nascer, mas isso não pode
significar um alijar das responsabilidades dos sistemas dos países onde
essas pessoas trabalharam, seja qual for as circunstâncias. Portanto
esse acompanhamento precisa ser monitorizado para perceber até que
ponto isso pode ou não corresponder ao alijamento dessas
responsabilidades. Porque os direitos no contexto da União Européia
estão garantidos, sobretudo na questão da reforma.
Alexander Thoele, swissinfo.ch, aqui.
Lisboa