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Comunidades: "Vamos mudar isto"
2012-03-04
Intervenção final de José Cesário no I Encontro de Gerações na África do Sul

O secretário de Estado das Comunidades queixou-se, no encerramento do I Encontro de Gerações, que decorreu este sábado em Sandton, na África do Sul, de uma série de entraves que não permitiram a resolução de problemas que o governante já tem identificados há vários anos. "Com determinação e muita paciência vamos mudar isto", prometeu, assegurando que o actual Governo da República já está a tratar dos emigrantes com mais dignidade.

Coube a José Cesário, governante com a tutela das Comunidades, representar o ministro dos Negócios Estrangeiros e a fazer a intervenção que encerrou o primeiro Encontro de Gerações em terras sul-africanas. "Foi uma sessão fantástica", começou por resumir, felicitando depois a expontaneidade e o sentido crítico dos participantes. 
O secretário de Estado retomou aquele que começa a ser o seu slogan: "Os portugueses não são 10 milhões, Portugal é 15 milhões". Para José Cesário, é preciso que se perceba em Portugal que há 5 milhões de portugueses que estão fora do país.

Parece ser uma luta com alguma glória, pois conforme confessou, já há sinais de alguma mudança de mentalidades. "Com determinação e muita paciência vamos mudar isto", promete, levantando uma ponta do véu: "Consegui que o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros  assumisse o mesmo propósito; depois passará para o resto da administração."

Evocando pontualmente as questões que foram colocadas pelos oradores convidados, e até mesmo na sessão de perguntas/debate, José Cesário chegou mesmo a alertar a plateia que sabe dos problemas "com as equivalências, com as câmaras municipais e com os processos que se arrastam, sei dos problemas nas repartições de finanças." Advertiu que, enquanto o resto das instituições em Portugal não mudam de atitude, "vamos insistindo para ter uma cultura difrente."

"Há colegas no governo que não compreendem esta realidade", denunciou, referindo-se em concreto a situações que se passam no funcionamento dos consulados espalhados pelo mundo.

José Cesário apontou depois o problema do ensino no estrangeiro, para lamentar que "andamos a atirar dinheiro para cima deste problema." No seu entender, há também culpas das famílias, pois muitas "não ligam ao português", mas o Estado tem lavado as mãos como Pilatos. "Atiramos dinheiro. Temos 40 professores de Português que custam mais de um milhão de euros por ano a Portugal. É dinheiro mal gasto, porque há um sistema desigual: há comunidades enormes onde não gastamos um cêntimo e outras onde gastamos dezenas de milhões. Vamos mudar isto!" Há outro paradoxo apontado pelo próprio secretário de Estado: "O Estado não reconhece o ensino que ministra."

Situações graves e lesivas dos interesses das Comunidades, mas que já estão a mudar. Por exemplo, a a partir do próximo ano Portugal vai implementar a certificação do Ensino no estrangeiro. "Vamos iniciar a eliminação das desigualdades nas verbas gastas nas diferentes comunidades, vamos estabelecer parcerias com instituições locais e integrá-las num rede", revelou, anunciando também que está na fase terminal o concurso para admissão de 17 professores para a África do Sul e que no próximo ano serão privilegiadas as escolas com mais alunos luso-descendentes, num processo em que serão solicitadas as contribuições dos pais. No campo da Educação, fez ainda mais uma revelação: "Os nossos diplomatas vão ter acção no terreno. Há uma política definida nesse sentido."

Outra questão evocada foi a fraca participação cívica dos emigrantes, quer nos países de acolhimento, quer em Portugal. "A questão é saber se somos ou não capazes de fazer lobby", resume José Cesário. "É assim que os espanhóis, os italianos ou os indianos resolvem os seus problemas."

O secretário de Estado das Comunidades aproveitou ainda a sessão de encerramento do Encontro de Gerações para revelar uma conquista importante: "Há oito anos lancei em Portugal uma reforma para a relação das autarquias locais com as Comunidades: criar gabinetes que tratassem das questões dos emigrantes. Depois da recusa inicial, agora já existem 90 câmaras com essas gabinetes."

Em matéria de associativismo, as coisas também não estão famosas. José Cesário disse que, apesar das 2.700 associações portuguesas em todo mundo, a "maior parte está a morrer", por isso "queremos cooperar para ganhar novas dinâmicas." Nesse sentido, estão a ser dinamizados encontros periódicos entre luso-descendentes em diferentes áreas do globo. "É preciso que se Portugal é um país moderno e que mudou muito. Temos maus exemplos do passado, mas temos excelentes de desenvolvimento."
Cesário exortou as mulheres a serem mais participativas e, no campo da comunicação social, incitou à criação de uma associação mundial para intercâmbios directos e depois com os órgãos de Portugal.

Na área económica e empresarial, o secretário de Estado lamenta que a relação entre as associações empresariais e os serviços do Estado (AICEP e outros) não seja a melhor. "Vamos inverter a situação."

Sobre Portugal e a actual governação, Cesário disse apenas que "não pensamos em ganhar eleições e por isso vamos resolver os problemas."

Comissão Organizadora 
A Comissão Organizadora do Encontro de Gerações - BANIF, DIÁRIO e SÉCULO - comprometeu-se a continuar o projecto nascido na Venezuela e que agora chegou à África do Sul. O evento decorreu em Sandton, cidade-satélite de Joanesburgo e englobou seis intervenções de representantes locais e teve ainda um depoimento emotivo de Teresa Roque, evocando os tempos em que viveu na África do Sul.

O director do Século de Joanesburgo, Varela Afonso, fez o papel de anfitrião e em nome da organização falou José Bettencourt Câmara, gerente executivo do DIÁRIO e administrador do Grupo Blandy, que recordou o lema e o compromisso do Encontro de Gerações assumido desde a primeira hora: saber ouvir. Elogiou o leque de oradores convidados deste I Encontro na África do Sul, bem como os das dez edições já realizadas na Venezuela.

José Câmara teve ainda palavras de agradecimento a duas pessoas relacionadas com o DIÁRIO de Notícias da Madeira: Aleixo Vieira, director do CORREIO da Venezuela, um dos grandes responsáveis pela concretização do projecto 'Encontro de Gerações', e José Luís Silva, correspondente há décadas na África do Sul. "É e será sempre o embaixador do DN-Madeira neste grande país".

Por fim, o administrador Machado Andrade relembrou  que "a nossa participação na organização e dinamização deste Encontro de Gerações é também a forma pela qual podemos estar mais perto e podermos agradecer de viva voz toda a vossa confiança no nosso banco que tendes ajudado a crescer".

Mensagem... de Jardim
Tal como o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, que enviou uma mensagem gravada em vídeo em que lamentava não poder ter estado presente, também o presidente do Governo Regional enviou uma saudação especial à comunidade. José Cesário fez esta revelação durante a sua intervenção no Encontro de Gerações. Após transmitir as saudações e anunciar uma "visita para breve" do ministro do CDS-PP, o governante com a tutela das Comunidades referiu que também era portador de "um cumprimento especial" do líder do PSD-Madeira e chefe do governo madeirense.

Nota final para a presença dos presidentes das Câmaras de Ribeira Brava, Calheta e Câmara de Lobos, que também participaram no I Encontro de Gerações realizado na África do Sul e que hoje têm mais contactos com a comunidade madeirense em Joanesburgo.

Aprender Português
João Branco da Fonseca, cirurgião pediátrico com uma vastíssima experiência em África, fez uma interessante dissertação sobre a crise internacional, relacionando-a com factores como a ira, a corrupção e o endividamento. 
Na parte relacionada directamente com o tema do Encontro de Gerações - Olhares Sobre Portugal - o médico falou da língua e da cultura portuguesas e foi bastante oportuno ao aludir à importância das remessas noutras épocas: "As taxas de juro bonificado para emigrantes são coisas do passado".
João Branco da Fonseca discordou do secretário de Estado e do facto de os portugueses serem "15 milhões e todos iguais". O médico disse alto e em bom som: "Não somos!". Porque não podem participar nas escolhas eleitorais mais importantes em Portugal. 
"A nova estratégia, o novo paradigma a desenvolver é o do investimento maciço no ensino da Língua Portuguesa na África do Sul. Portugal tem de investir na fundação de escolas de prestígio e na contratação de professores de Português e de História".

Sonho luso-africano
John da Silva é empresário, CEO do grupo empresarial COSIRA, o maior da construção privada na África do Sul especializado em aço. Nasceu na África do Sul e tem uma história igual a tantos outros emigrantes. "A sede de descobrir novos territórios e oportunidades está historicamente nos nossos genes desde há seis séculos", considerou o empresário, que pediu desculpa por expressar-se em inglês. No seu raciocínio, África sempre teve uma atracção e consequentes laços culturais para os portugueses, cujas segundas e terceiras gerações já se afastaram da ideia original dos seus pais, que era "voltar um dia à terra de origem." Hoje, as novas gerações são orgulhosamente sul-africanas e totalmente integradas na cultura e estruturas locais.
John da Silva considera que há muitas empresas e empresários de descendentes de portugueses que são "um modelo para os cidadãos e líderes industriais." Por isso, acredita que eventos como o Encontro de Gerações, ou organizações como o AICEP, podem "actuar como catalisadores na manutenção dos laços culturais, de identidades, mas também facilitar a comunicação, a interacção para o desenvolvimento de oportunidades entre Portugal e a África do Sul".

Portugal enclausura-se
A jovem médica Monique Camacho fez no Encontro de Gerações uma resenha do que têm sido os percursos históricos da maioria dos portugueses em Joanesburgo, desde as dificuldades iniciais à criação de pequenos negócios, bem como pelo fomento dos clubes sociais onde "a comida, o vinho e a música" se encontram. Hoje, com a ajuda do Banif, do DN-Madeira e do Século, estamos numa "reunião mais formal", que permite discutir Portugal. 
Falando pela juventude em que se integra, Monique Camacho reconhece que "fomos abençoados com oportunidades que os nossos antecessores não tiveram", mas também alerta para o facto de as segunda e terceiras gerações terem necessidades diferentes dos pais e avós. "Talvez o nosso maior desafio seja o domínio da bela mas difícil Língua Portuguesa", confessou.
As autoridades portuguesas devem aperceber-se que os emigrantes não vêem Portugal apenas como um 'plano B' no caso de as condições na África do Sul se deteriorarem. "Muitos de nós olhamos para Portugal como um atraente local para trabalhar e estudar, mas isso pode ser dificultado pela burocracia em que Portugal se enclausura", reclama a jovem médica.

Ponto de partida
O criativo Gabriel de Abreu, fundador da empresa de design 'Switch' e descendente de madeirenses, também optou por dirigir-se em inglês à plateia que acorreu ao Convention Center, em Sandton, para o I Encontro de Gerações.
Na sua alocução, animada com a projecção de fotos antigas de familiares directos, Gabriel de Abreu serviu-se de experiências pessoais para exortar toda a gente a sonhar e a acreditar em si próprio. Foi assim, também, que ficou bastante conhecido por ter criado o logótipo oficial escolhido pela FIFA para o Mundial de Futebol na África do Sul. Colocar empenho e paixão naquilo que faz é também uma razão para o seu sucesso artístico e empresarial. Por isso tem ajudado alguns jovens que pretendem lançar-se na área do 'design'.
Sobre o Encontro de Gerações e o debate de tantas ideias, Gabriel de Abreu confia que possa ser o início de um novo hábito na comunidade portuguesa: o de pensar colectivamente, o de unir vontades e objectivos para melhor alcançá-los. Um ponto de partida para uma comunidade mais unida, mais forte e mais consciente do que quer.

Os 'elefantes brancos'
O deputado Manny de Freitas começou por antever que este sábado possa ter sido um dia histórico para a comunidade luso-sul-africana. Porque o Encontro de Gerações se propôs tocar num vasto leque de assuntos, alguns deles bastante 'politicamente incorrectos'.
Numa intervenção que gerou diversos aplausos da plateia, o deputado da oposição - e 'ministro sombra' na área dos Assuntos Internos - demonstrou estar atento às diversas questões que preocupam a comunidade portuguesa na África do Sul. Falou dos laços históricos e da evolução que se tem registado ao nível das novas gerações de luso-descendentes. "Há uma dinâmica nova, totalmente diferente", constatou, elogiando o papel desenvolvido por alguns clubes e associações portuguesas. No entanto, essas mesmas instituições correm o risco de se tornarem "elefantes brancos", por não contrariarem a tendência para não assumirem a influência que os portugueses deveriam ter neste país.

Novo Portugal
Gilberto Martins, conselheiro do ministro sul-africano dos Transportes, encerrou o leque de intervenções dos oradores convidados. O seu à-vontade e a forma directa e incisiva como transmitiu as suas ideias marcaram o tempo em que esteve no púlpito, tendo sido várias vezes ovacionado.
O arquitecto fez uma extensa explanação daquilo que considera serem as principais lacunas da comunidade lusa na África do Sul, demonstrando optar sempre pela partilha de ideias e projectos, revelando sempre uma grande disponibilidade para acatar outras opiniões. "Não tenho dúvidas que já houve muitas intervenções entre os governos de Portugal e da África do Sul, algumas com bons resultados, outras nem por isso", revelou Gilberto Martins. Antes, havia manifestado esperança que o "novo Portugal moderno, mesmo nesta conjuntura de tempos difíceis, seja capaz de voltar a ser descobridor, desta vez não de novas terras, mas de novas ideias que sirvam não só quem vive em Portugal, mas também nos países de acolhimento" da emigração lusa.

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