A emigração é uma realidade que "não deverá abrandar", a manter-se o aumento da taxa de desemprego, alertou Eugénio Fonseca, durante o encontro promovido pela Obra Católica Portuguesa das Migrações e a Cáritas Portuguesa, com o apoio da Secretaria de Estado das Comunidades, que reuniu em Lisboa, a 18 e 19 deste mês, membros da Cáritas e sacerdotes das Missões Católicas portuguesas da Suíça, França, Luxemburgo, Reino Unido, Holanda e Alemanha. O objetivo foi definir estratégias para lidar com a nova vaga de emigração portuguesa para a Europa, que está a criar situações problemáticas na maioria destes países.
O presidente da Cáritas de Portugal defende uma cooperação maior entre a organização que preside, as Missões da Igreja no terreno e o Governo português, porque, lembra, "a missão é a mesma: dar mais dignidade às pessoas". "Estamos a falar da luta pela sobrevivência e o ser humano faz tudo para sobreviver, por vezes não olha a meios", disse Eugénio Fonseca, defendendo ser fundamental a aposta na informação para que os portugueses não emigrem "às cegas".
Consulados mais «pró-ativos»
A mesma cooperação é defendida pelo secretário de Estado das Comunidades. José Cesário também diz que é "o progressivo aumento do desemprego em Portugal" a causa maior da atual saída de portugueses para vários países e acredita que é preciso dar "uma resposta de forma articulada" aos problemas que estão a surgir. "Nem o Estado, nem as instituições, nem as comunidades podem fazê-lo sozinhos", afirmou o governante que participou no primeiro dia do encontro.
Sobre os problemas sociais que estão a surgir, José Cesário destacou os casos de portugueses que emigraram nos anos 60 e 70 passados, tendo atingido agora uma "idade delicada em termos de trabalho" e estão desempregados ou não fizeram descontos para a segurança social. A estes, acrescentou, juntam-se os casos de novos emigrantes. "Jovens com problemas ligados ao trabalho temporário, recrutados em Portugal, muitos deles para a construção civil", revelou, e ainda pessoas "de 40 e 50 anos que deixaram de ter uma remuneração que lhe permita pagar as dívidas e os compromissos e que ao emigrar, levam as famílias.
Quanto ao trabalho das estruturas oficiais do Estado, o secretário de Estado das Comunidades afirmou que terá que ser mais «pró-ativa». "A rede consular tem que ser atuante e espero que os chefes de posto percebam a necessidade de ter essa dinâmica, de ir falar com as pessoas, ir às festas das associações", admitiu aos participantes no encontro.
José Cesário falou na pouca sensibilidade nos consulados portugueses para as dificuldades dos emigrantes e defendeu que os funcionários têm que "sair para o terreno". "Tenho consciência de que por vezes não há essa pró-atividade, e às vezes, basta um jurista sair do consulado e ir atender as pessoas a uma associação ou a outros locais", defendeu o governante, acrescentando que esse é o "espírito" que pretende incutir. Nesse sentido, afirma que o programa de permanências consulares que a Secretaria de Estado vai iniciar, deverá ter também "uma componente social".
Realidade nos países
Foram vários os casos de portugueses em carência extrema na Europa, principalmente no Luxemburgo e na Suíça, revelados pelos padres e funcionários da Cáritas durante o encontro. A nova vaga de emigrantes portugueses, que o Governo estima se cifre em 120 mil a 150 mil saídas por ano, está a gerar as mais variadas situações de carência, desde o desemprego, à falta de habitação e de alimentos.
"Há famílias a dormir em carros e homens que dormem nos estaleiros das obras", denunciou Amílcar Monteiro, da Cáritas do Luxemburgo, a quem já chegaram relatos de portugueses que emigraram para aquele país "chamados" por familiares, mas que não encontraram emprego. "Em alguns casos os familiares que os acolherem, passado algum tempo pedem-lhes para sair", revelou. "Já houve pessoas que vieram ter comigo a pedir um bilhete de autocarro ou de avião para regressarem a Portugal, porque já gastaram todas as suas economias", contou ainda. Amílcar Monteiro diz que o grande problema está no facto das pessoas emigrarem sem conhecer as especificidades do país. "No Luxemburgo, há 16 mil pessoas desempregadas, seis por cento da população. E 80 por cento dos portugueses trabalha no setor da construção civil, o mais atingido pelo desemprego", explicou, acrescentando que há "107 mil portugueses inscritos no posto consular". "O país recebia mil a dois mis emigrantes portugueses por ano e agora estão a chegar cinco e seis mil. As estruturas de apoio do país não estão preparadas para estes números", alerta.
Padre Remildo Bordori, coordenador da Missão Católica Portuguesa no Luxemburgo explica que os portugueses concentram-se maioritariamente no centro (mais comercial) e sul (construção civil) do país, e confirma que a comunidade está a crescer de uma forma visível. "Aumentou o número de pessoas que ouço a falar português nas ruas, que deambulam pela cidade à procura de informações", disse, acrescentando que muitas pessoas "refugiam-se nas igrejas". "Na sexta à noite, no sábado e no domingo, há mais pessoas no Centro Social e Paroquial de Eche (sur Alzette), vão lá para estar com outros portugueses", revelou.
Na Suíça, para onde terão emigrado cerca de 11 mil portugueses só no ano passado, "há pessoas a viver na rua e em abrigos em Genebra, Lausana e Lucerna", denunciou o padre Aloízio Araújo. "O problema é que o mercado está saturado", disse o coordenador da Pastoral das Missões Católicas naquele país, acrescentando que muitos estão a trabalhar, mas que há portugueses a viver na rua e outros "a bater à porta da Igreja a pedir trabalho ou ajuda para as necessidades básicas, como alimentação".
A falta de emprego é o grande problema dos estrangeiros que estão a chegar ao país, como destacou Bruno Tscholl, da Cáritas suíça. "Em 2011, chegaram 65 mil imigrantes ao país e a maioria tem um nível de educação muito baixo, por isso encontra dificuldades em arranjar empregos bem remunerados", explicou, revelando que a partir de 2014, os estrangeiros serão obrigado s "frequentar cursos de integração, sobre o país".
Rede familiar em França
Em França, a realidade não é tão dramática, afirmou o coordenador da Missão Católica Portuguesa naquele país. Mas se não há referência a casos graves, muito se deve à atuação da Igreja e de uma rede de apoio «gerida» por familiares e amigos dos portugueses que chegam. "É uma rede de solidariedade informal que faz com as pessoas cheguem mais tranquilas, porque já têm um lugar para ficar", explica o padre Geraldo Finatto, lembrando que em França, "são precisos três meses de trabalho comprovado para se arranjar uma casa".
O alojamento é, na sua opinião, a maior dificuldade dos portugueses chegam a França, porque "quando tem que ficar muito tempo nas casas dos familiares, geram-se por vezes conflitos", explica. "Infelizmente, há quem tenha memória curta, já não se lembre das dificuldades que passou há 20, 30 anos, quando cá chegou e não apoie quem chega aguar", lamenta. Mas, no geral, o sacerdote não tem dúvidas de que é a rede de apoio familiar que impede que haja casos de necessidade a chegar às igrejas, apesar de ser bem percetível que há muitos portugueses a chegar ao país. "Há caras novas nas igrejas, que vão inscrever as crianças na catequese. Mas geralmente são os homens que chegam antes e só após os tais três meses de trabalho comprovado, e já com casa alugada, é que chegam as famílias", revela padre Geraldo Finatto, que diz ainda ter visto mais "casais em torno de 40 anos, do que jovens".
Também na Alemanha, "não há a avalanche que se vê para a Suíça, Luxemburgo e Holanda". Quem o diz é o padre Manuel Janeiro, coordenador da Missão Católica Portuguesa naquele país. Além disso, diz que quem emigra hoje para a Alemanha "tem a vida muito mais facilitada" comparativamente os portugueses que emigraram há 40 anos. "Têm associações abertas a toda a gente, encontram pessoas abertas aos mais necessitados e missões católicas que apoiam quem chega", explica, alertando porém que aquele é um país "muito bem organizado em tudo", e que quem for "à toa", encontra dificuldades.
Junto da comunidade portuguesa na Alemanha também funciona uma "rede informa" de apoio que o sacerdote considera "fundamental" para ajudar quem precisa, a resolver até as questões mais práticas, como tratar de documentos. Por isso, padre Manuel Janeiro diz que "não tem havido muitas pessoas a pedir apoio e são poucos os casos mais dramáticos". Mas destaca um fenómeno novo: o de portugueses reformado, que regressaram a Portugal depois da aposentação e estão agora a voltar para a Alemanha, onde encontram "melhores apoios na área da saúde".
O padre Bernardo Boer, da Capelania Portuguesa na Holanda, alerta que o governo vai "cortar muitos subsídios à associações" e diz que muitas "já estão a fechar". Além disso, o desemprego registado junto da população holandesa vai levar o governo "a diminuir a entrada de imigrantes, para que os empregos sejam disponibilizados aos holandeses", revela o sacerdote, lamentando que haja trabalho mas este seja retirado "aos imigrantes, que querem trabalhar". Padre Bernardo Bóer revela ainda que também se está a registar "o regresso de portugueses que se reformaram no país, regressaram a Portugal e estão agora a voltar para a Holanda, por causa dos seguros de saúde".
Aumento no Reino Unido
Já o padre Pedro Rodrigues, da Missão Católica Portuguesa no Reino Unido, afirma que há um aumento de novos emigrantes, "que se percebe no maior número de pedidos de inscrição das crianças nas escolas católicas", embora não seja possível quantificar. E diz que a situação deverá piorar quando os portugueses que estão a emigrar para países como o Luxemburgo ou a Suíça "se debaterem com a falta de emprego ou com trabalhos mal remunerados e decidirem ir para o Reino Unido". Mas quem chega atrás de um salário maior, encontra na língua "um grande impedimento". "É obrigatório falar inglês", alerta.
O sacerdote fala ainda em casos de portugueses, "maioritariamente madeirenses" que regressaram a Portugal há alguns anos e estão a voltar para o Reino Unido. Padre Pedro Rodrigues está ainda seguro de que se vai ouvir falar de mais situações dramáticas naquele país, já que o governo britânico está a limitou muito as ajudas. Por esse motivo, defende mais "transparência" na informação que os próprios emigrantes passam aos familiares e amigos que pretendem emigrar. "Não devem falar apenas nos salários elevados, mas também nos custos".
Na conclusão dos trabalhos, Frei Sales Dinis anunciou, entre outras propostas, o estudo que a Obra Católica Portuguesa da Migrações vai elaborar sobre as necessidades reais das Capelanias para o apoio a emigrantes em dificuldade. A OCPM deverá depois apresentar um orçamento a José Cesário, que já tinha manifestou disponibilidade do Governo para apoiar as Missões. Integrar equipas de assistentes sociais nas Missões católicas, agilizar a comunicação entre a Cáritas e as Capelanias para que possam elaborar estratégias comuns e a produção de material de divulgação variado, como informações sobre as leis laborais e condições de trabalho, para serem distribuídos aos emigrantes, foram outras propostas que saíram do encontro.
JOSÉ CESÁRIO
Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas
"É preciso articular esforços"
O secretário de Estado das Comunidades Portuguesas defende a necessidade de um trabalho conjunto entre as estruturas oficiais do Estado português e as instituições implantadas nos países onde há emigrantes em dificuldades. "A esse nível, é que é preciso articular muito os esforços", disse. "Por um lado entre as nossas estruturas oficiais. Temos embaixadas e consulados que têm, nalguns casos, recursos para acompanhar minimamente estas situações. Na Europa ainda há uma rede de técnicos de serviço social e de juristas que estão nos consulados, numa série de casos, e fazem algum trabalho de acompanhamento", lembrou José Cesário.
Uma articulação que passa também pelas instituições da comunidade, que na Europa "limitam-se fundamentalmente" às instituições da Igreja, acrescentou, sublinhando que tem lançado "desafios" a várias associações para investirem nesta área. Mas sublinhou que quando o tema é solidariedade, a rede das Missões e da Cáritas na Europa tem "uma tradição muito grande de trabalho com as situações mais delicadas" e defendeu a necessidade de identificar os casos mais urgentes, em que seja necessária uma intervenção rápida. "Já nos disponibilizámos para apoiar esses casos. Vamos mobilizar alguns meios", disse.
Questionado no final da conferência, não quantificou os apoios a dar às Missões da Igreja, porque dependerão das necessidades. "Temos valores diversos, provenientes de várias fontes, que serão canalizados de acordo com as necessidades", disse, acrescentando que a parceria com a Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM), que considera importante, deverá ser concretizada "em breve". "Sei que os meios que circulam através das missões vão mesmo para o destinatário final", frisou.
PADRE REMILDO BOLDORI
Missão Portuguesa no Luxemburgo
"Há crianças a chegar a meio do ano letivo"
As crianças que estão a chegar ao Luxemburgo preocupam o coordenador da Missão Católica Portuguesa no Luxemburgo. "Chegam famílias com crianças de 8, 10, 12 anos que estavam na escola em Portugal, vêm para cá a meio do ano letivo, e já não podem ser inscritas. Ficam em casa sozinhas ou a cuidar dos irmãos mais novos enquanto os pais trabalham", alerta o padre Remildo Boldori. Mas o sacerdote diz a inscrição dessas crianças no próximo ano letivo, não resolve um problema que considera ainda maior: não terem conhecimentos de luxemburguês. "Esta é a primeira língua de alfabetização no país, depois é que, gradualmente, as crianças começam a aprender francês e alemão", explica padre Remildo Boldori que teme que essas crianças sejam "colocadas em classes especiais onde só aprenderão o francês". "E mesmo que aprendam luxemburguês e alemão, nunca terão bases para irem além de um curso profissionalizante", defende. Uma questão que apresentou ao secretário de Estado das Comunidades, durante o encontro.
PADRE ALOÍSIO ARAÚJO
Missão Católica Portuguesa na Suíça
"Emigra toda a gente, não há um perfil definido"
"Atualmente, emigra toda a gente, não há num perfil definido", conta o padre Aloísio Araújo a este jornal, explicando que estão a chegar à Suíça muitos enfermeiros, arquitetos e até músicos com cursos do conservatório. Mas quem chega com uma licenciatura e experiência, não tem tantas dificuldades em encontrar trabalho, revela, porque "a sociedade suíça valoriza a formação". A dificuldade maior é a língua - a Suíça tem três idiomas oficiais: alemão, francês e italiano. "O Conselho Federal obriga quem chega a fazer o curso B1, porque têm que falar bem a língua do local para onde forem trabalhar", explica. Mas o sacerdote alerta para a outra grande vaga de emigração portuguesa: a das pessoas cujo nível de escolaridade não ultrapassa o 12º ano, com experiência de trabalho, mas que dizem não se importar "de fazer qualquer coisa".
"O problema é que o mercado está saturado e só em 2011 chegaram 11 mil portugueses", alerta padre Aloísio Araújo revelando que muitos estão a trabalhar, "mas há pessoas a viver na rua" e muitos portugueses "a bater à porta da Igreja a pedir trabalho ou ajuda para as necessidades básicas, como alimentação". Como o caso de um jovem português que para escapar ao frio, dormia numa casa de banho pública e foi ajudado pela Igreja. Situações que "só não são piores", acrescenta o sacerdote, por causa da "rede informal de familiares e amigos" na Suíça, que tem sido "muito importante".
PADRE PEDRO RODRIGUES
Missão Católica Portuguesa no Reino Unido
"Há vergonha em admitir as dificuldades"
"É uma comunidade muito concentrada em grandes meios e, às vezes, os problemas têm o sentido da vergonha em admitir as dificuldades", diz o padre Pedro Rodrigues, revelando que às vezes os problemas surgem por falta de "uma capacidade de orientação (financeira)" e ainda porque há quem viva "mais preocupado aos benefícios que o estado britânico pode dar do que com o crescimento profissional".
Mas o sacerdote lamenta que não consiga resolver os problemas dos cerca de 15 casos que bateram à porta da missão portuguesa, por esta não ter uma estrutura física. "Temos só a casa da missão e há uma grande necessidade de existir um espaço físico, com salas e outros espaços para um atendimento mais personalizado da comunidade", explica, acrescentando que está a estudar, juntamente com os responsáveis da missão dos scalabrinianos no país a possibilidade de utilizar espaços destes para atender portugueses em dificuldade. Casos como o que lhe bateu à porta este mês: uma portuguesa, funcionária da segurança social que pediu uma licença sem vencimento por uma ano e foi para Londres com a filha, de 19 anos.
"Foram pedir-me apoio para dormida e consegui resolver o problema por dois dias. Depois telefonei para o número de Portugal que ela tinha, mas não atendeu, deixei mensagens e nada. Não sei o que aconteceu depois", conta, lamentando que haja portugueses que emigram "sem ter consciência das despesas que vão ter, mesmo as mais básicas".
Ana Grácio Pinto
apinto@mundoportugues.org
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