"Mais uma vez, a mobilidade está a ser uma solução para as dificuldades que existem", diz Beatriz Rocha-Trindade, lembrando que emigrar é "em muitos casos uma solução necessária, que não pode ser identificada com insucessos, pobreza ou desgraça".
Para a socióloga, a emigração tem muitos casos de sucesso, "que são ainda mais de exaltar" devido "às dificuldades que o migrante enfrenta para se adaptar". "Os migrantes, para vencerem, têm de deter qualidades muito grandes para mostrar o que valem em espaços muito adversos", sublinha a especialista, à margem da apresentação do livro A Igreja face ao Fenómeno Migratório, de que é co-autora, esta terça-feira, em Lisboa.
O livro, escrito também por Eugénia Costa Quaresma, faz uma retrospectiva dos 50 anos da Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM), criada a 1 de Julho de 1962. "São umas pinceladas, que podem parecer soltas, mas o objectivo foi dar uma ideia geral", disse na apresentação o director da OCPM, Frei Francisco Sales, considerando tratar-se de um "trabalho muito bem conseguido" que permite "aprender com as lições do passado e projectar o futuro".
Para Eugénia Costa Quaresma, o livro mostra uma "Igreja sempre presente", que no processo de acompanhar os que mais sofrem "sofreu uma evolução e aprendeu a descobrir neles uma riqueza e a contar com eles para construir um mundo novo".
A autora recordou que embora a preocupação inicial tenha sido acompanhar a diáspora portuguesa, a missão foi evoluindo.
"Com a revolução, passa a preocupar-se com os que vêm, não só os chamados retornados, mas também os que vêm de outros países, os refugiados, os evacuados de guerra. E vai-se estendendo", explica.
Por outro lado, o que começou por ser um acompanhamento espiritual, depressa passou a abranger questões materiais: "Alguns [missionários] transformam-se em assistentes sociais, porque era preciso defender a dignidade daquela pessoa".
Para Beatriz Rocha-Trindade, a história dos 50 anos da OCPM mostra que a Igreja Católica "tem antecipado, e até previsto", o fenómeno migratório, muitas vezes antes dos estudiosos. "Começou com o nome emigração, mudou para migrações, actualmente dá um enfoque sobre a mobilidade e a sua filosofia é essencialmente intercultural", exemplifica.
A autora recorda ainda que, tal como a igreja "era focada sobre si própria e é cada vez mais eclética e aberta ao diálogo intercultural", também Portugal, onde durante a ditadura "não se falava de migrações", assume-se hoje como um país de emigração.
"O equivalente a metade da população reside no estrangeiro, há quatro vezes mais madeirenses no estrangeiro do que os que vivem na região e três vezes nos Açores", recorda, lembrando que também dentro do país houve mudanças: "Portugal hoje é um país de todas as cores. O Portugal do meu tempo não era assim", conclui a socióloga, de 74 anos.
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