O aumento da emigração reflecte-se na sala de aula de Rute Coimbra, que ensina francês a crianças recém-chegadas a Vallauris, no sul de França: os alunos portugueses são mais, e as dificuldades económicas das famílias fazem deles "pequenas pessoas adultas".
Esta portuguesa radicada em França há mais de 30 anos, professora primária, especializada no ensino do francês como língua estrangeira, contou à agência Lusa que durante a última década tem assistido a um aumento do número de alunos portugueses na escola onde trabalha, a Primária Alphonse Daudet, em Vallauris, no sul do país.
Na sua sala de aula - que acolhe uma turma especial, composta por alunos internacionais recém-chegados, entre os seis e os 12 anos -, há 15 portugueses e cabo-verdianos, num total de 25 crianças. Há poucos anos, diz, "não eram mais de cinco".
Regra geral, estas crianças integram famílias "pobres ou de classe média", que saíram de Portugal ou de Cabo Verde (muitas vezes passando antes por Portugal, para obter autorizações de residência e trabalho) devido a "problemas económicos".
Os pais chegam a França à procura de emprego "para pagarem os créditos, como o da casa, e para poderem continuar a pôr os miúdos na escola", acrescenta.
Com esta mudança, diz a professora, coincide a mudança para um apartamento muito mais pequeno do que aquele em que viviam ("quase todos dormem num sofá"), e um contexto de precariedade e exploração laboral dos pais, que faz com que os adultos tenham, para além de ordenados "muito abaixo do mínimo" e a horas "difíceis", pouco tempo para acompanhar as crianças na escola.
"Os miúdos são obrigados a crescer um pouco de empurrão. Já são pequenas pessoas adultas: têm que prestar atenção aos horários, fazer comida, preparar a sua roupa, a pasta da escola, etc.", acrescenta Rute Coimbra.
Segundo esta professora, que acompanha de perto a instalação das famílias no novo país, através dos seus alunos, "a maioria das mulheres levanta-se às 02:00, 03:00 da manhã", para trabalhar para empresas de limpeza.
Os homens "trabalham, na maioria, nas obras, e também são mal pagos".
"Os patrões sabem que eles estão presos [a responsabilidades], que têm que pagar um aluguer, que não vão voltar para Portugal, que têm aqui a família, e que se sujeitam, às vezes, a qualquer salário, a qualquer emprego".
"São condições difíceis. Acho que mesmo mais difíceis do que as dos primeiros tempos de emigração dos meus pais", acrescenta.
Também é regra que a maioria das crianças nestas circunstâncias tenha dificuldades escolares: "A língua é diferente, as condições de escolaridade são diferentes, e os pais, além de terem pouco ou nenhum tempo, às vezes não têm capacidade para ajudarem os filhos", explica a professora, lembrando que pode existir, por vezes, algum desconhecimento sobre "a importância da escolaridade", que se reflecte, por exemplo, no facto de muitas destas crianças chegarem a França a meio de um ano lectivo.
Rute Coimbra tem também notado uma diferença de atitude entre os novos emigrantes portugueses: "Antes, as pessoas vinham com a intenção de ganhar algum dinheiro para depois ir embora. Vinham com a esperança de uma vida melhor na sua terra. Agora não. Vêm com uma tal revolta, que dizem logo que nunca mais voltam para Portugal", conclui.
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que em 2011 emigraram, no total, 43.998 pessoas, incluindo cidadãos de Portugal e estrangeiros. Estes números representam um aumento de 85 por cento das saídas em relação a 2010.
Do total de 43.998 pessoas que abandonaram Portugal, estima-se que 41.444 seriam portugueses e 2.554 teriam nacionalidades estrangeiras.
Lusa / SOL, aqui.