Com a actual crise económica Portugal não está só a perder empresas, empregos e recursos financeiros que seguem para o exterior ao ritmo de cada vencimento dos cupões da dívida pública. O país está também a perder pessoas. Desde 2008, terão desistido de Portugal cerca de 400 mil portugueses, estima o Observatório da Emigração, que promove, em conjunto com o ISCTE, uma conferência internacional sobre Emigração Portuguesa Contemporânea, entre ontem e hoje em Lisboa. Portugal é mesmo o segundo país da União Europeia com maior percentagem de emigrantes, diz o coordenador do Observatório, Rui Pena Pires.
Na mais recente vaga de emigração, muitos dos que saem são qualificados - mas
não é a maioria. A dimensão do número de saídas também faz parecer que este é
um caminho fácil - mas não é. E apesar do desemprego empurrar muitos para o
estrangeiro, há quem decida sair, mesmo tendo trabalho em território nacional.
Num momento em que as fileiras da emigração voltaram a engordar, o Diário
Económico desfaz os principais mitos no debate público sobre a realidade de
quem tenta a vida lá fora.
É fácil emigrar
"Há uma ideia de facilitismo sobre a emigração", diz Cláudia Pereira,
investigadora do ISCTE e do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia.
"Pensa-se que toda a gente está a sair porque é uma opção fácil, mas não
é", garante. Desde logo, é preciso ter uma base de recursos - ou
financeiros, ou de conhecimento. "Os mais pobres de todos não
emigram", concorda José Carlos Marques, investigador do Centro de Estudos
de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa. "É preciso ter onde viver,
onde comer" nos primeiros dias. Os mais pobres só conseguem se tiverem uma
rede familiar ou de amizade que os ajudem, acrescenta. A ideia de que esta é
uma solução fácil é promovida pelos números: afinal, o Instituto Nacional de
Estatística estima que em 2012 tenham emigrado cerca de 125 mil pessoas. O
coordenador do Observatório da Emigração fala noutros cem mil no ano passado.
Mas haver muita gente a sair não quer dizer que seja fácil - quer apenas dizer
que Portugal "não atrai ninguém para ficar", diz Cláudia Pereira.
A maioria dos emigrantes é altamente qualificada
O aumento do nível de qualificações dos emigrantes desta última vaga tem sido
muito sublinhado - porque perder recursos é mau, mas perder pessoas em quem já
foi feito um grande investimento de formação num país com défice de
qualificações é ainda pior. Mas, apesar de ser verdade que as qualificações são
agora mais elevadas, a maioria dos emigrantes continua a ter baixos níveis de escolaridade.
Cláudia Pereira adianta que dos portugueses que emigraram entre 2010 e 2011,
14% eram qualificados. Os fluxos de saída "são ainda protagonizados por
pessoas com níveis de escolarização médios ou abaixo da média e direccionados
para sectores relativamente pouco exigentes em qualificação", revela João
Queirós, investigador do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto. O
especialista refere-se à construção civil e obras públicas, hotelaria e
comércio, aos serviços pessoais e domésticos. Além disso, há ainda um fenómeno
de "trajectórias de desqualificação profissional", soma ainda João
Queirós. Ou seja, portugueses que acabam a trabalhar em empregos para os quais
são sobrequalificados e com exigência de escolaridade abaixo dos requisitos dos
seus trabalhos em Portugal, antes de terem ficado desempregados.
só emigra quem não tem emprego
Com a taxa de desemprego a atingir um máximo histórico (17,5%) no primeiro
trimestre do ano passado, muitos dos portugueses que saíram do país terão sido
incentivados pela falta de trabalho em Portugal. "É o mercado laboral que
faz mover as pessoas", diz Cláudia Pereira. Mas pensar que eram todos
desempregados é uma ideia errada. Não terá sido a maioria, mas muitos decidiram
sair mesmo tendo um posto de trabalho. "Várias das pessoas que
entrevistei, no âmbito da minha investigação sobre a emigração para o Reino
Unido, tinham cá emprego, mas queriam experimentar outras formas de
trabalhar", acrescenta Cláudia Pereira. Estas pessoas falam em
meritocracia, expectativas de evolução na carreira, em salários mais
competitivos, no estatuto e em reconhecimento do seu valor, conta a
investigadora. Ou seja, não basta Portugal criar empregos para fixar os
talentos.
Os emigrantes são todos iguais
Nem todos os emigrantes saíram do Norte de Portugal para trabalhar nos
restaurantes em França. A ideia de que há um tipo único de emigrante é falsa.
As histórias são variadas: há os emigrantes com baixas qualificações e sem
emprego, mas também há qualificados que estavam a trabalhar em Portugal e
decidem sair para procurar novas oportunidades ou para estudar. Há pessoas que
"integram os movimentos migratórios nos seus projectos de vida",
conta José Carlos Marques, enquanto outras emigram de forma mais definitiva e
"desistem" de voltar. Há emigrantes que o são pela segunda vez,
desiludidos com o país. Há ainda os empreendedores - pessoas que criam o seu
emprego lá fora.
Brasil e angola lideram destinos de emigração
Brasil e Angola são dois destinos importantes de emigração portuguesa, mas não
deverão ser os mais significativos. O principal destino de exportação em 2013
terá sido o Reino Unido, diz Cláudia Pereira. Ainda não há números actualizados
para todos os destinos, mas o valor referente ao território inglês é
suficientemente alto para se retirar esta conclusão: chegaram 30.125
portugueses só no ano passado. Segundo os dados reunidos pelo Observatório da
Emigração, nos últimos cinco anos foram para Angola e Moçambique entre 10% a
12% dos emigrantes portugueses. "As saídas de portugueses para o Brasil
representarão cerca de 1% da população emigrante", adianta ainda Cláudia
Pereira. E para a Europa "irão entre 80 a 85% dos emigrantes", diz a
investigadora.
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