Nos últimos três anos, Portugal assistiu à maior emigração registada na história do país, superior ao recorde de emigração dos anos 60, a qual ocorreu num período de forte crescimento económico (o fim da Segunda Guerra Mundial e a subsequente reconstrução da Europa, que induziu a criação de vastas oportunidades de emprego). No entanto, as actuais vagas migratórias ocorrem noutro contexto - num período de recessão em que o desemprego não pára de aumentar e numa Europa à deriva, mas que se proclama respeitadora dos direitos de cidadania.
Hoje os portugueses, enquanto "cidadãos europeus", não sendo considerados "emigrantes", continuam a ser "estrangeiros" numa União Europeia que se tornou um espaço com liberdade de circulação... Todavia, a cidadania europeia fica aquém das expectativas, não garantindo os mesmos direitos a todos, nomeadamente na protecção social, na saúde, na educação, no desemprego, nos impostos... Cada estado-membro continua a ser soberano em matéria de políticas de emigração, umas mais drásticas do que outras, nomeadamente com acordos entre líderes europeus para retirar ainda mais direitos aos cidadãos migrantes.
França: uma nova emigração pouco informada Assim, vemos hoje, no caso de França, novas realidades com inúmeras situações de exploração de portugueses, num país onde deveriam usufruir, supostamente, dos mesmos direitos que os autóctones, mas no qual só um processo de "naturalização", cada vez mais difícil de obter pelo tipo de exigências que é imposto, concede a um estrangeiro os mesmos direitos.
Afinal fugir à precariedade nacional significará acabar numa situação de extrema precariedade no estrangeiro?
Sabemos que as razões subjacentes à saída dos portugueses da sua zona de conforto se centram na falta de expectativas, na precariedade, nos elevados níveis de desemprego, nos baixos salários, na incerteza e no desempoderamento social, profissional e mesmo político, na falência dos seus sonhos... Criou-se, portanto, uma situação de alternância sem alternativa.
Os expatriados de hoje caracterizam-se por uma elevada percentagem de jovens quadros que, na sua maioria, encontram trabalho não relacionado com as competências e formação académica que adquiriram, mas com outras actividades, como por exemplo a restauração e as limpezas.
Na Universidade da Sorbonne recebemos, na Faculdade de Línguas Estrangeiras Aplicadas, desde 2012, em termos médios mensais, cerca de 15 a 20 recém--licenciados e doutorandos portugueses, essencialmente das áreas de Psicologia e Educação, a pedirem ajuda. Em regra geral, estes recém-chegados acabam por ocupar segmentos do mercado de trabalho que os nacionais não desejam, nem mesmo quando o emprego escasseia. São jovens altamente qualificados que trabalham quase sempre fora da sua área de conhecimento e com imensas dificuldades de integração devido essencialmente a um problema de domínio da língua francesa e à falta de conhecimento do funcionamento do sistema francês, nas suas várias vertentes.
Uma nova classe: Os "cidadãos europeus clandestinos do século XXI" Todavia, há que constatar que uma parte significativa dos portugueses que abandonam o seu país são ainda pessoas com poucas qualificações, quase sempre ligadas a profissões menos qualificadas, como a construção civil, empregados da restauração, prestação de serviços com pouca qualificação. Notamos que parte dos problemas de exploração a que os portugueses acabam muitas das vezes sujeitos tem origem no grande negócio que é o trabalho temporário, o que designamos em França por "interim".
Por todas estas razões, num país estrangeiro as pessoas ficam entregues a si próprias, sem conhecerem a realidade local, nem saberem a quem recorrer sempre que surgem dificuldades. Acabam por se tornar "cidadãos europeus clandestinos" numa Europa que obriga a ter um vínculo salarial após uma estada de três meses para poderem permanecer no país de acolhimento. Acabam por viver, em pleno século xxi, de forma ilegal e em condições de grande precariedade!
A bomba-relógio do exÍlio laboral precário Este exílio laboral precário poderá assim revelar-se nos próximos tempos e em termos económicos e demográficos uma verdadeira bomba-relógio. Os "emigrantes" de outrora não são os "expatriados" de hoje, revelando outros contornos, o que deve compelir a uma participação maior dos poderes políticos e dos mais diversos sectores da sociedade na discussão desta nova realidade que foge aos cânones do passado. Não é razoável continuar a lembrar os "nossos emigrantes", "os nossos compatriotas", e "os portugueses residentes no estrangeiro" apenas quando convém, como nas vésperas de actos eleitorais e com uma intolerável superficialidade.
Somos todos portugueses, não havendo cidadãos de segunda categoria rotulados de "emigrantes" apenas pelo facto de terem sido obrigados, na maioria dos casos, a assumir o estatuto de residentes no estrangeiro, sendo vítimas visíveis de uma política de austeridade sem rumo que os incentivou a abandonar o seu país, violando o mais elementar, mais fundamental, princípio de desenvolvimento humano, que é o direito ao trabalho.
A língua portuguesa: um instrumento cultural e político O seu regresso geográfico talvez não seja de esperar. Mas é sempre possível o seu regresso à cultura portuguesa, para o qual a língua portuguesa é a alavanca primordial. Este é por isso o tempo para, sem demoras, equacionar verdadeiras políticas de reencontro dos portugueses residentes no estrangeiro com Portugal. Saibamos fazê-lo. Assim, não reiteremos os erros do passado!
Portugal tem de olhar para o fenómeno migratório de hoje numa perspectiva global e integrada, em que a integração social, profissional e educacional dos seus compatriotas no estrangeiro seja devidamente alicerçada e protegida nos países de acolhimento/destino, afirmando-se no palco internacional. Porém, Portugal teima em não despertar para este fenómeno de um novo fluxo migratório. Porque será?
É com algum desânimo e frustração que se continua a observar um Portugal amorfo, sem intervenção e limitando-se a uma atitude passiva de aceitação e conformismo, a reboque dos "grandes" líderes europeus, desbaratando o orgulho do seu passado histórico!
Infelizmente, a Europa não tem sequer uma doutrina e uma resposta a este fenómeno da "nova emigração". Por tal, remeteu-se a um mero papel de laboratório de reflexão em vez de, como seria de esperar, se impor como propulsor de medidas concretas de protecção dos direitos dos seus cidadãos no seu todo e no pleno direito de exercício da sua cidadania.
Face a esta inacção da Europa, é premente que a sociedade civil portuguesa seja mais activa, participe, fale e exprima as suas vontades e anseios, a exemplo do que ocorre noutros países europeus. Incitámo-la a, de forma mais visível e mesmo em microcírculos, assumir as suas responsabilidades, ou seja, os problemas globais que actualmente enfrentamos e pelos quais nos debatemos têm de impor uma convergência de comportamentos. Se, como afirmava Michel Foucault, "todo o lugar de exercício do poder é ao mesmo tempo um lugar de formação do saber", e acreditamos que assim seja, então aguardamos que os governantes aprendam, efectivamente, com o poder que lhes é conferido.
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