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Receber SMS ilegais e discutir política enquanto se toma um 'chopp'. É assim que um emigrante português vive as eleições no Brasil
2014-10-05
São na maioria jovens, com estudos, que procuram emprego nas grandes cidades brasileiras. É o caso de quatro portugueses com quem o Expresso falou, todos a viver no Rio de Janeiro há menos de dois anos. Como estão eles a acompanhar a campanha eleitoral no Brasil? Foi o que tentámos perceber.

Em 2010 eram quase 140 mil, hoje serão certamente mais. O número de portugueses emigrados no Brasil continua a aumentar, como mostram os dados recolhidos pelo Observatório da emigração português: se em 2010 o Brasil recebeu menos de 800 portugueses, o ano passado foram quase 3000 os que entraram, a maioria à procura de oportunidades de trabalho.

Quase estreantes em grandes metrópoles como o Rio ou São Paulo, dão de caras com as dezenas de cartazes espalhados pelas ruas, apelando ao voto em dezenas de partidos e candidatos para uma mão-cheia de cargos diferentes. Nos meios onde alguns deles se movimentam, atualmente respira-se política, como explica ao Expresso Luís de Freitas Branco, jornalista da área cultural: "Existe uma mobilização e discussão muito acesa, com cada brasileiro a defender a sua bandeira. Os protestos do ano passado tiveram um reflexo real sobre as preocupações políticas. Venho a esta cidade desde 2004 e nunca antes a política serviu de tema predileto para acompanhar cerveja e aipim [espécie de mandioca]." Luís foi para o Rio com o objectivo de se casar e de arranjar trabalho e ambas as coisas aconteceram - com Luís a destacar os "salários atrativos".

Também Rita Costa está no Rio, onde chegou há meio ano para tirar um MBA. No seu grupo de amigos brasileiros, o ambiente também é altamente político: "Noto uma vontade e um interesse nas eleições muito maior do que em Portugal. É tema certo de conversa, quer seja no escritório, na faculdade ou durante um 'chopp' com os amigos", conta Rita, que também estagia numa agência de publicidade. "Ainda ontem fui ao cinema à noite, encontrei uns amigos, e o tema de conversa até ir embora foi as eleições. A cada noite que passa um debate, todos 'grudam' na televisão. Ontem [quinta-feira desta semana] teve um e aqui no escritório não se fala de outra coisa."

 

Diferenças nos serviços públicos...
Viver no Rio de Janeiro é uma experiência única. Pelo menos é a opinião de Ana Louro, nutricionista que arranjou trabalho na sua área na cidade menos de um mês depois de ter chegado. "É impossível viver nesta cidade e não nos deixarmos contagiar pela energia, pelo desporto, pela boa disposição", descreve. Mas a nutricionista também não hesita em apontar o que está mal, como a educação e a saúde públicas. "Aqui no Brasil nenhuma das duas funciona como deveria - ainda há um longo caminho a percorrer."

Rita, a quem os contrastes entre a riqueza do Leblon e a pobreza do Centro continuam a chocar, é da mesma opinião: "É impressionante a falta de cuidado em serviços públicos como hospitais, escolas, segurança, transportes. Nunca conheci um carioca que confiasse na polícia do Rio de Janeiro ou que tenha frequentado uma escola pública que lhe ofereceu conhecimentos suficientes para ter um futuro profissional." O último cálculo do Índice de Retorno do Bem Estar à Sociedade (IRBES), um índice feito pelo Instituto Brasileiro do Planeamento e Tributação que relaciona a qualidade dos serviços públicos dos 30 países do mundo que pagam mais impostos com a sua carga tributária, comprova isso mesmo: o Brasil continua a estar no último lugar da classificação, posto que ocupa há cinco anos consecutivos.

 

...e diferenças na campanha
Ao contrário de Luís e Rita, Mariana Barosa sente-se mais distante do que se vai passando na política brasileira: "Aqui vivemos numa bolha rotulada 'não é a nossa casa, não temos muito de nos preocupar', o que acaba por nos afastar de todos os assuntos que não nos afectam diretamente num país que não é o nosso", explica a estudante de design estratégico. "A verdade é que o único contacto que temos com as eleições é quando os panfletos nos atropelam no dia-a-dia, ou quando as ruas se vestem de 'outdoors' e cartazes com rostos que se tornam familiares."

O número de panfletos é muito maior, mas não é só isso que torna as campanhas eleitorais brasileiras diferentes das portuguesas. "Devido ao tamanho massivo deste país, os debates e anúncios televisivos têm uma importância quase total, característica que não acontece em Portugal", explica Luís que, talvez por ser casado com uma brasileira, se sente muito mais por dentro do assunto e destaca o estilo de campanha mais 'in your face', comparada com as portuguesas. "Como exemplo posso dar as várias mensagens de campanha que recebi no telemóvel, o que por sinal é ilegal. Nas semelhanças posso assinalar os percursos a pé dos candidatos, os eleitores que votam por partido e a polarização entre três candidatos."

Apesar de mais desligada, Mariana não deixou de encontrar um sentimento anti-Dilma Rousseff, atual Presidente do Brasil e candidata à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores (PT): "O povo odeia, mas adora", resume a futura designer, destacando o comodismo que leva muitos brasileiros a não quererem arriscar a mudança, justificando assim a liderança da candidata nas sondagens. Se pudesse votar, Mariana diz que escolheria talvez Aécio Neves, o candidato do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), mais à direita, "por acreditar e fazer acreditar que existe um possível resgate da credibilidade financeira deste país."

A nutricionista Ana Louro encontra essa mesma insatisfação com Dilma e o PT - "até hoje só ouvi uma pessoa a dizer bem da Dilma" - e, talvez por isso, também não votaria na actual Presidente: "No outro dia ouvi uma entrevista do colunista Rodrigo Constantino da 'Veja' que dizia 'A Dilma é um tiro certeiro na nuca, enquanto que a Marina é uma roleta russa... Uma roleta russa com 5 balas no tambor, mas... Que seja, tem a chance de justamente sair o [que está] vazio'. Acho que se estivesse na posição de poder votar aqui no Brasil, escolheria a Marina, exactamente pelo motivo da 'chance' poder ser melhor do que o atual - é um wild-card."

Luís partilha da mesma opinião e garante que se fosse brasileiro votaria em Marina Silva, "apesar de ter preocupações com a sua fé evangelista (talvez um factor importante, talvez não) e a sua política económica, que não parece muito clara ou diferente da do PT". Mas as preocupações da candidata do Partido Socialista Brasileiro (PSB) com o ambiente e com a população indígena, bem como a empatia que consegue com os eleitores, conquistaram Luís. E o jovem não será o único a apoiar Marina entre uma certa camada do eleitorado, onde a maior parte dos emigrantes portugueses no Brasil se move: "Na classe média, onde acabo por ter todos os amigos, existe uma aproximação a Aécio e Marina e uma opinião generalizada de que o que sustém a campanha de Dilma é a bandeira dos projetos sociais como o 'Bolsa Família' e o 'Minha Casa, Minha Vida'." Será essa a opinião da maioria dos brasileiros? Mais à noite saberemos. 

 

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