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«Pensei que vocês eram todos uns terroristas»
2014-10-12
Há portugueses convertidos ao Islão que não são terroristas. A comunidade emigrante pede para que não se generalize o tema. Aliás, um lusodescendente assume que «o mundo islâmico está em muito mau estado»

Há portugueses convertidos ao Islão que não são terroristas. A comunidade emigrante pede para que não se generalize o tema. 

Um lusodescendente, engenheiro aeronáutico, de 39 anos, gostaria muito que os muçulmanos dessem uma outra imagem do Islão, mas admite que «o mundo islâmico está em muito mau estado», a começar «pelos problemas em relação à mulher», a passar pelo facto de «os muçulmanos não se entenderem» e a terminar com o exemplo do Afeganistão onde «pensam ser capazes de viver o Islão de há 1400 anos». 

Luís Belo Gaspar é um franco-português pouco comum: nasceu em França, estudou em Londres, vive na Arábia Saudita e converteu-se ao Islão há quase 16 anos, depois do fervor da catequese, do interesse pelo budismo «por causa dos Beatles» e da descoberta do Corão. 

O resultado, na sua opinião, é que «os radicais criam outros radicais que veem o Islão como um bando de terroristas», exemplificando com o 11 de setembro quando a irmã lhe disse: «Hoje pensei que vocês eram todos uns terroristas. Tu é que me estás a dar uma imagem diferente do Islão». 

Em conversa com a Lusa, por skype, o português disse «ter pena» dos muçulmanos que se radicalizam e admitiu que, recentemente, foi abordado no Facebook por um jovem lusodescendente de Champigny, nos arredores de Paris, «vinte anos mais novo». 

«Começou logo: 'Irmão, vê se abres os olhos. Já não é paz e amor, acabou-se! Os franceses estão a combater-nos' e eu disse: 'Então se te combatem vai-te embora?, e ele respondeu: 'Eu estou aqui na Síria e no Iraque!'. Ou seja, estava de certeza a querer ir buscar portugueses. Bloqueei-o logo!», conta. 

Para Luís Belo Gaspar, os jovens portugueses que integram as fileiras jihadistas «ou têm uma certa frustração e querem-se afirmar-se ou mal conhecem a mensagem do Islão, metem-se na internet e caem nas mãos dos radicais». 

«Se viessem para a Arábia Saudita, veriam que não somos irmãos como pensam. Como sou português e estou a viver aqui, vejo que somos todos diferentes. Aqui, um árabe vê um paquistanês não como um irmão mas como um gajo que vai limpar a estrada», descreve. 

Outro franco-português que abraçou o Islão, pouco antes de completar 18 anos, é Issa Mendes dos Santos, filho de uma portuguesa e de um francês e residente em Chambéry, no leste de França. 

O jovem, agora com 20 anos, garante que nunca foi contactado pelas redes jihadistas na internet porque «não ousam meter-se» com quem conhece o Islão. Sobre o grupo Estado Islâmico, Issa faz questão de sublinhar: «Nós condenamos os atos deles mas não nos cabe a nós justificar-nos pelos crimes que eles cometem». 

A notícia da existência de uma dezena de portugueses, descendentes de famílias emigrantes, a combater em grupos jihadistas na Síria e no Iraque está a ser encarada, em França, como «uma coisa tão rara que deixa alguma perplexidade», disse à Lusa o Padre Carlos Caetano. 

Em França, as pessoas oriundas da emigração estão mais expostas «ao risco de uma carreira jihadista», explica, por sua vez, Claire de Galembert do Institut des Sciences Sociales du Politique, em Paris, à Lusa. 

A investigadora acrescenta que estas pessoas são «afetadas em cheio pela crise económica, pelo desemprego e pela habitação que as colocam em rutura ou em guetos», algo a que se somam os «problemas de identidade» vividos pelos filhos dos imigrantes «que sentem que não pertencem nem ao país de origem nem ao país que os acolheu». 

À partida, na opinião da especialista das religiões, esse não seria o caso dos portugueses por causa das suas «estratégias de integração». Porém, «a crise económica também atingiu o meio empresarial português", podendo ter levado à degradação socio-económica "com consequências em termos das pessoas que os jovens frequentam». 

Cuidado com os estereótipos, adverte, Pedro Viana, chefe de redação da revista «Migrations et Société»: «Hoje em dia, qualquer pessoa que diga 'eu sou muçulmano, sou praticante', imediatamente vai ter colada na testa uma etiqueta de terrorista. Então, parte-se de confusões como 'muçulmano igual a radical', 'radical igual a terrorista', logo, 'muçulmano igual a terrorista'. É uma coisa absurda!" 

O especialista das migrações admite que «hoje a falta de perspetivas toca uma grande parte da juventude» e que «a religião passou a ser um dos lugares privilegiados onde uma espécie de superação de si pode realizar-se». 

Pedro Viana considera, ainda, que se estão a viver as consequências de uma série de «interesses económicos e geopolíticos da realidade histórica e contemporânea» e que os jovens «dispostos a dar a sua vida pelo que pensam ser uma causa justa» acreditam mesmo que «o mundo muçulmano está a ser atacado e querem defendê-lo», como cita a Lusa.  

 

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