Maria da Piedade Faria Maniatoglou vive em Atenas há 36 anos. Como o apelido denuncia, foram razões familiares - é casada com um grego - que a trouxeram para a Grécia. Aos 58 anos, é a presidente da Associação Cultural para a Comunidade Portuguesa na Grécia, fundada quando ela já era uma veterana no país.
"Num tempo em que não havia Internet, nem as comunicações tão fáceis como hoje, a associação era um local de encontro fundamental. Antes disso, passava meses sem falar português", confessa a tradutora que é também autora do novo dicionário de português/grego da Porto Editora: "Entreguei há pouco as últimas provas".
Até pelas suas funções associativas, Maria da Piedade conhece bem a pequena comunidade portuguesa - serão uma centena, cerca de metade a residir em Atenas. Pelo menos o suficiente para lhe encontrar características diferentes das de outros países. "Quase todos estão aqui por razões familiares e muito integrados". Para o melhor e para o pior. E o pior é que "foram tão afetados pela crise como os gregos". Por exemplo, sofrem com a precariedade do emprego, que "hoje há, e amanhã não".
Esta mãe de dois filhos, de 33 e 31 anos, está a par da dimensão da crise em Portugal. Mas não hesita em dizer que na Grécia bateu-se mais fundo. Quer porque o volume da dívida é "imenso", quer porque os gregos cultivaram um estilo de vida em que "muita gente vivia acima das suas possibilidades". Dá como exemplo de desgoverno a Função Pública, que foi ficando "cada vez mais gorda", e foi por isso um dos primeiros alvos da troika.
O resgate de 2010 trouxe consigo as medidas de austeridade e "a vida das pessoas piorou dramaticamente". Cinco anos depois, garante, ainda não se vislumbram melhorias. E isso explica a popularidade do Syriza. Ao votarem no partido de Alexis Tsipras, "os gregos estão a castigar" os partidos que sempre governaram a Grécia (Nova Democracia e Pasok). "Não será um voto por convicção, mas por castigo". Por outro lado, "a conversa do não pagamos é aliciante, mesmo que possa não ser realista".
Crítica do partido esquerdista, que acusa de não ter um discurso coerente, admite no entanto que haverá mudanças. No sentido errado. "Acho que corremos o risco de as coisas ficarem piores, não estão a ter em conta a situação internacional". Pessimista, portanto, mas sem vislumbrar alternativa. E assim sendo, espera que a situação evolua para um Governo de coligação, de base alargada, para "voltar a pôr o país de pé". Afinal, garante, é isso que a maioria dos gregos quer.
O professor
"A primeira pessoa que conheci na Grécia foi aquela que se tornou na minha mulher". Foi portanto um caso de amor à primeira vista que fez com que Vítor Vicente, 38 anos, optasse por viver num país tão longe do seu. Chegou em 1999, ao abrigo do programa Erasmus - "escolhi o país que ficava mais longe na lista de opções" - e por cá ficou, revela este licenciado em Filologia Portuguesa e Inglesa que se tornou professor de português em Atenas.
As coisas correram bem durante vários anos. O número de pessoas interessadas em aprender a língua de Camões era elevado - chegou a ter seis turmas de seis alunos em simultâneo - e arranjou um contrato na escola financiada pelo Estado português que servia os filhos da comunidade lusa.
Depois veio a crise. A mulher Vássia, de 42 anos, educadora de infância, mas a trabalhar numa loja de música, foi despedida em 2010. Quase ao mesmo tempo, Vítor perdeu o emprego na escola portuguesa. Este pai de duas meninas - Inês, de 10 anos, e Sofia, de oito -, reconhece, sem vergonha, que passou "algumas dificuldades". Ainda assim, "a combinação do domínio das línguas grega e portuguesa é rara" e isso garante alguns trabalhos de tradução. Manteve a colaboração na escola de português para gregos - ainda que agora reduzido a uma única turma de dois alunos -, e ainda lhe acrescenta algumas aulas particulares.
Ainda assim, "a queda foi muito abrupta". A da Grécia e porventura a sua. "Vivíamos todos à larga", diz, usando o plural que denuncia o sentimento de pertença ao país que o acolheu. "A economia funcionava, tínhamos dinheiro, consumíamos". Os anos mais difíceis foram os primeiros. "Foi preciso passar de uma velocidade de 100 km/hora para zero". As coisas não melhoraram entretanto. O choque inicial foi ultrapassado, mas "continua a ser difícil, somos confrontados com reduções de salários, com novos impostos para pagar..."
A pujança atual do Syriza não o surpreende. Os socialistas do Pasok estão moribundos e os eleitores simplesmente "passaram-se para outro lado", a maioria para a Coligação de Esquerda Radical. Um partido, diz Vítor, que "é uma mistura", não sendo muito claro "o que pretende". Também por isso, acrescenta, tem boas hipóteses de ganhar as eleições de amanhã. Para a mudança de rota contribuiu também uma "questão demográfica": a Nova Democracia só ganha entre os mais velhos e tem dificuldade em atrair os mais novos. Seria portanto uma questão de tempo. Finalmente, "desapareceu a tradição familiar de votar toda a gente no mesmo partido".
Vítor acusa os responsáveis da Nova Democracia, o partido atualmente no poder, de "jogar com o medo". O problema é que "já não vai pegar". E nota já um efeito do fenómeno Syriza, ganhe ou não, governe ou não. Até os conservadores "já falam em negociar os termos do memorando".
O fadista
André Maia já tinha passado várias vezes pela Grécia. Mas, em 2009, decidiu comemorar o aniversário no país, com os seus amigos gregos. Foi a 12 de fevereiro, já lá vão quase cinco anos. Ficou de vez, este ator formado no Conservatório, mas com alma de cantor e especializado em música francesa, nos tangos argentinos e no fado português.
É deste último projeto, aliás, que fala com mais entusiasmo. "Tenho um projeto com homens e mulheres a tocar, todos gregos, em que, em vez da guitarra portuguesa, usamos o kanonaki", um instrumento de cordas tradicional da Grécia. Reconhece que, até chegar a Atenas, "nunca tinha cantado fado na vida". Mas, aparentemente, a vida musical corre-lhe bem. "Faço muitos espetáculos, umas vezes em salas pequenas, outras em salas grandes", sempre com boa receção por parte do público.
André Maia, 51 anos, chegou na altura em que a crise ganhava forma (o resgate haveria de acontecer um ano depois). Mas pessoalmente não a sentiu. A explicação é simples: "Ninguém mais canta fado por aqui, não tenho concorrência". Isso e o facto de, mesmo na penúria, os atenienses não se fecharem em casa. "Os gregos são grandes consumidores de espetáculos. Há 120 teatros na cidade e têm sempre público. Mesmo com menos dinheiro no bolso, mantêm o hábito de sair à noite", assegura o fadista, elogiando-lhes o otimismo.
"Otimistas mas cansados" de uma crise interminável. Que por um lado realçou uma boa dose de "individualismo e egoísmo", mas por outro os conduziu à necessidade de encontrar "uma alternativa política". André Maia está convencido que o Syriza vai ganhar as eleições de domingo e confessa-se curioso para ver "o que vai fazer Alexis Tsipras em termos de negociação com a Europa". Seja o que for, aposta na sua capacidade para "renegociar a dívida". A não ser assim, Tsipras só pode ser "um mártir suicida".
Seja qual for o desfecho político, André dá conta que "os gregos estão fartos deste aperto. Querem começar a mudar de vida". E, na sua singular terminologia, "pica" não lhes falta, ao contrário dos portugueses. "Os gregos têm iniciativa. Se é para fazer, fazem. O problema é que são mais obstinados do que objetivos. Os portugueses precisavam de uma dose da energia grega, tanto quanto os gregos precisavam de uma dose do nosso bom senso". A escolha não é André que tem de a fazer. Mas fica o mote: "Entre dois infernos, escolho sempre aquele que não conheço". Na verdade, talvez tenha sido essa máxima que o fez trocar Portugal pela Grécia.
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