Kumuênho da Rosa |
Jornal de Angola - No quadro actual, o que representa a deslocação a Portugal do Presidente da República?
Francisco Ribeiro Telles - Portugal atribui uma grande importância à próxima deslocação ao meu país do Presidente José Eduardo dos Santos. Trata-se de uma visita que deve marcar as nossas relações. Neste momento, elas são excelentes e com esta visita penso que se vão consolidar ainda mais. É, por isso, quanto a mim, uma visita histórica que está a criar grandes expectativas em Portugal e, com certeza, que as relações entre os dois países saem fortalecidas.
JA - A visita acontece num período de crise mundial. Até que ponto isso pode pesar nas conversações entre José Eduardo dos Santos e Aníbal Cavaco Silva?
FRT - De facto, a visita acontece numa altura em que existe uma crise financeira e económica profunda e, com certeza, é um assunto que vai ser abordado pelos dois chefes de Estado.
JA - O actual quadro das relações económicas entre Angola e Portugal é diferente do da primeira visita do Presidente angolano a Portugal?
FRT - Portugal e Angola vivem um momento ímpar das suas histórias. As relações económicas e financeiras entre os dois países atingiram um nível qualitativo e quantitativo que nunca se viu no passado, de tal forma que esta visita do Presidente José Eduardo dos Santos, no fim de contas, também tem esse significado, o de constatar o excelente relacionamento entre os dois países. Acho que a presença portuguesa em Angola é importante. Tem criado mais-valias para o desenvolvimento de Angola. E falo, sobretudo, dos sectores da banca, da construção civil e dos serviços. O próprio Governo angolano reconhece que a presença de Portugal nestes sectores tem sido uma mais-valia.
Participações cruzadas consolidam relações
JA - O que pensa dos investimentos angolanos em Portugal?
RT - Também recebemos a presença de Angola e de investimentos angolanos em Portugal de uma forma positiva. Até porque os investimentos têm de ir nos dois sentidos. É isso que cria uma nova base de sustentação para as nossas relações e, de facto, as participações cruzadas entre Portugal e Angola hão-de consolidar com certeza as nossas relações.
JA - A visita do Chefe de Estado acontece, também, num ano de eleições em Portugal. Pode fazer-se uma leitura política deste facto ?
FRT - É verdade, Portugal tem este ano um ciclo eleitoral significativo. Vamos ter três eleições, primeiro, em Junho, para o Parlamento Europeu, depois as legislativas e a seguir, eleições autárquicas. Mas estes são os ciclos normais de uma democracia, como em Angola que também começa a ter os seus ciclos normais de uma democracia. A visita do senhor Presidente da República acontece nesta circunstância, mas, como digo, ela já era aguardada há muito tempo. Ambos os países têm a ganhar com a visita, na medida em que ela representa o corolário de um relacionamento cada vez mais forte. Entendeu-se que ela devia acontecer nesta altura, nesta circunstância, apesar do convite existir há já algum tempo. Portanto, não há nenhuma leitura política.
JA - Esta visita do Presidente da República de Angola acontece 22 anos depois da primeira. O convite ter sido dirigido por Cavaco Silva, teve influência?
FRT - As relações entre Angola e Portugal são excelentes a todos os níveis. E a nível político há uma consonância nos diferentes órgãos de soberania. É uma circunstância que devemos registar com apreço.
JA - Em Julho de 2008, o Primeiro-Ministro José Sócrates anunciou o envio de professores para Angola. Em que pé está o processo?
FRT - É verdade, que o engenheiro José Sócrates, quando esteve em Luanda anunciou a intenção de Portugal enviar um contingente de professores portugueses para Angola. Mas, como devem imaginar, não é um processo fácil. Sofreu alguns atrasos, mas neste momento já está em Angola um coordenador do projecto, que tem estado em contacto estreito com o Ministério da Educação. Estamos a criar as bases para que o primeiro contingente de professores possa chegar, ainda, em Maio.
JA- Existe algum plano de distribuição dos professores pelo país?
FRT: A ideia é instalar o primeiro contingente no Namibe e depois estendê-lo a outras províncias.. O que posso dizer é que neste momento este projecto está em marcha. Existe já um memorando de entendimento entre os dois governos quanto a questões de logísticas que envolvem os professores.
JA- O Governo angolano rubricou importantes acordos económicos com a China e a Alemanha. Portugal está pressionado a fazer melhor ou algo que se pareça, nesta visita do Presidente angolano?
FRT - Neste momento, o mercado angolano é cada vez mais importante para Portugal. Nós aumentamos, significativamente, as exportações para Angola. Actualmente, Angola
é o nosso principal parceiro comercial fora do espaço europeu. E a nível mundial, o quarto, só atrás da Espanha, Alemanha e França.E nos últimos dois anos, enquanto estímulo das nossas exportações, Angola ultrapassou o Reino Unido, Itália e os Estados Unidos. Também é preciso referir que Portugal, se excluirmos o sector petrolífero e diamantífero, é o principal investidor em Angola. O investimento português entre 2007 e 2008 quase que triplicou. Temos em carteira quase 500 projectos aprovados pela Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP). Só no ano de 2008, houve investimentos na ordem dos 620 milhões de dólares. Portanto, isto dá a ideia da dimensão da importância do mercado angolano para as empresas portuguesas. É natural que, no decurso desta visita, possam vir a ser reforçadas linhas de crédito, o que pode ser um resultado visível da visita do Presidente José Eduardo dos Santos a Portugal.
JA - Quanto Portugal estaria com disponibilidade para conceder a Angola?
FRT - É uma matéria que está a ser discutida entre os dois ministérios das Finanças, mas, de qualquer forma, existe a perspectiva de um substancial reforço dos plafonds das linhas de crédito actualmente existentes entre Portugal e Angola.
JA - Por causa dos impactos da crise, Angola vai diversificar a economia. Este é um cenário propício ao empresariado português?
FRT - Estou perfeitamente de acordo. Também queria referir que Angola representa um mercado muito diversificado para as exportações portuguesas. É, talvez, o mais diversificado. E, de facto, as pequenas e médias empresas portuguesas encaixam bem no mercado angolano. Penso que a língua é um factor muito importante. A facilidade de relacionamento que existe entre os povos português e angolano também ajuda bastante. Por isso vemos que este é um mercado natural para Portugal, como o mercado português é um mercado natural para Angola. Por alguma razão a Sonangol resolveu diversificar o seu portfólio de investimentos e escolheu Portugal também para o fazer.
JA - Este quadro é um sinal do evoluir das relações bilaterais ou um reflexo dos tempos de crise?
FRT- Os investimentos portugueses em Angola são bem-vindos e da mesma forma que também são bem vindos os investimentos angolanos em Portugal. Como disse, as participações cruzadas entre os dois países são uma base muito importante para as nossas relações, de forma que só podemos ver com muito bons olhos os investimentos angolanos em Portugal.
JA - O que dizer do fluxo migratório de cidadãos angolanos e portugueses?
FRT - Verifica-se que há um fluxo crescente nos dois sentidos. Temos dois voos diários entre Lisboa e Luanda que estão praticamente cheios. Há um fluxo constante e diário de angolanos que vão a Portugal e de portugueses que vêm a Angola, o que representa um dado novo no nosso relacionamento. Também é importante referir que Angola deixou de ser um país de emigração para ser um país de imigração, portanto as nossas relações bilaterais têm de se adequar a esse fluxo que, neste momento, significativo .
JA - Que factores determinaram esse quadro novo?
FRT - Primeiro, porque Angola é um mercado emergente, com taxas de crescimento superiores à grande maioria dos países. É um país que apresenta referenciais de paz e estabilidade muito significativos, por isso é um mercado, cada vez mais, apetecível. É natural que as pessoas procurem Angola, enquanto mercado emergente, para poderem realizar investimentos e instalarem aqui empresas. É neste sentido que eu digo que Angola, com o final da guerra, com as eleições de 5 de Setembro, que correram muito bem, seja vista como um mercado estável, uma sociedade estável e um país que vai ter importância muito grande no futuro. São razões que levam os investidores a procurarem Angola.
JA - Até que ponto as relações entre os dois países pode ajudar a resolver o caso TAAG?
FRT- A TAAG e a TAP têm fortes relações entre si. Obviamente, vemos com preocupação o facto da companhia aérea angolana não estar, neste momento, autorizada a voar para o espaço europeu. Nós, através do Instituto Nacional de Aviação Civil português, já nos disponibilizámos, junto das autoridades angolanas, a fazermos o possível para ajudar Angola, neste caso a TAAG, a ultrapassar a questão. Mas, como digo, é também uma matéria que, de certa forma, nos ultrapassa porque tem a ver com a União Europeia, com mecanismos institucionais que a UE tem no sentido de averiguar se determinadas companhias preenchem ou não os requisitos exigidos para voarem para a Europa. É uma questão que nos ultrapassa, mas, de qualquer maneira, existiu e existe uma vontade muito forte de ajudar a TAAG a ultrapassar a situação.
Jornal de Angola, aqui, acedido em 11 de Março de 2009.