Nicole Guardiola, da revista África 21 *
A Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP) confirmou o que muitos já sabiam: há cada vez mais portugueses a viver e a trabalhar em Angola. No ano transacto, a comunidade portuguesa em Angola foi a que mais cresceu (mais 10.925 membros) logo a seguir à Suíça (mais 15.163) segundo a DGACCP. A mesma fonte estimava em 45 mil os portugueses residentes em Angola em 2005 e 60 mil no ano seguinte, incluídos os luso-angolanos, com dupla nacionalidade. Mas quantos são? Ninguém sabe ao certo: na imprensa dos dois países têm surgido dados que vão dos cem mil aos duzentos mil.
Talvez o recém-criado Observatório da Emigração Portuguesa venha esclarecer a situação no seu primeiro relatório anunciado para o final de 2009. Mas há factos indesmentíveis. O primeiro é que a emigração está a crescer e que Angola se tornou o destino mais atractivo para os portugueses à procura de emprego ou de uma oportunidade de se estabelecerem por conta própria.
A prová-lo estão as filas de espera às portas dos consulados de Porto e Lisboa, as sempiternas reclamações acerca dos excessos de burocracia, a lentidão dos despachos, o custo das viagens e a dificuldade em encontrar lugar nos voos que diariamente ligam Lisboa a Luanda.
Se «para Angola e em força» parece ser em Portugal a palavra de ordem mais actual (palavra de ordem que não esperou pela «bênção» das autoridades oficiais) basta uma olhadela a qualquer fórum de conversas na net que trate das relações entre Portugal e Angola para constatar os sentimentos contraditórios que esta afluência de novos emigrantes portugueses suscita entre os angolanos. Às acusações - habituais em países onde os empregos escasseiam - de virem os «estrangeiros» roubar o pão da boca aos africanos, juntam-se considerações pouco abonatórias e mais ou menos racistas sobre os «tugas» ou «pulas» como são designados os imigrantes oriundos da ex-metrópole. Não ficam atrás em termo de preconceitos os «retornados» que avisam os incautos contra os muitos defeitos dos angolanos e o risco de se investir neste país.
Desencontros e mal-entendidos
Mal me quer, bem me quer? A pouca informação, para não se falar em desinformação, sobre Angola a que teve acesso nos últimos anos o público português, está na origem de muitos desencontros e mal-entendidos. A maioria dos portugueses que rumam a Luanda fazem-no de coração apertado, como última alternativa face à falência iminente, ou à procura do emprego que não aparece em Portugal nem em mais nenhum país «civilizado».
Um dirigente da Cimpor explicou que, tendo a empresa aberto um concurso para recrutar engenheiros para Angola e o Iraque, na altura «recém-libertado» da ditadura de Saddam Hussein, todos os candidatos manifestaram o desejo de não serem colocados em Angola «devido à insegurança».
No extremo oposto, a ideia de que qualquer português com a escolaridade obrigatória completa pode aspirar a um cargo bem pago em Angola é a das mais enraizadas em Portugal. Conta um empresário luso instalado em Luanda que colocou um anúncio em Portugal para recrutar um encarregado de obra tendo recebido cerca de 400 respostas. Entre os candidatos figuravam vários empregados de mesa e até uma mulher de limpeza.
Para as grandes empresas multinacionais, nomeadamente as portuguesas, que operam em Angola, recrutar pessoal idóneo, para um mercado difícil e exigente, é um quebra-cabeças permanente, e os salários que oferecem fazem crescer água na boca a muitos portugueses, sobretudo agora que as obras estão paradas no «jardim à beira mar plantado». Entre dois mil e seis mil dólares mensais para um engenheiro recém-formado ou com menos de três anos de experiência, mais alimentação e alojamento e duas viagens a Portugal por ano é aliciante mais do que suficiente para «arriscar», apesar dos avisos contrários da família e dos amigos.
Para um engenheiro «sénior» com experiência comprovada, a primeira oferta não é inferior a seis mil dólares e o limite é o céu se tiver um perfil de director de produção ou de director-geral. Com um argumento suplementar: aqui, não há limite de idade, um «velho» com mais de 50 anos tem mais-valia em relação aos jovens diplomados, à condição de ter saúde e provar capacidade de adaptação ao meio. Um bom encarregado de obra pode atingir a mesma cotação que um engenheiro, em função da experiência e da capacidade de trabalho e liderança, porque aqui «os canudos importam menos que o talento para resolver situações não previstas nos manuais».
O pesadelo dos chicos-espertos
Inútil, por conseguinte, forjar habilitações ou inventar experiência que não se tem e que não resistirão à prova do fogo. Estes «chicos-espertos» são um pesadelo para as empresas, angolanas, portuguesas ou estrangeiras que se deixarem enganar. «Os custos para os mandar embora são enormes. Basta somar os ordenados, as viagens, os vistos, para não falar na reparação das asneiras cometidas», diz um projectista que admite «existir uma lista negra que circula à socapa», enquanto as empresas «roubam os melhores elementos, umas as outras».
É naturalmente o sector da construção, obras públicas e afins, o maior empregador de quadros e técnicos portugueses, dada a boa posição que as majors portuguesas conquistaram no mercado, onde têm resistido à concorrência brasileira ou chinesa. A seguir vêm os serviços, hotelaria e turismo, informática e comércio. Um sector em forte crescimento e muito carente de quadros é o da saúde, mas apesar de já existirem empresas privadas a oferecer salários iguais ou superiores aos praticados em Portugal as ofertas escasseiam: preferem recrutar em Cuba, Brasil, América Latina e Ásia médicos e enfermeiros mais habituados a trabalhar em condições precárias e mais familiarizados com as patologias tropicais.
A esta «primeira geração» de emigrantes portugueses para Angola, empregados de grandes empresas, comerciantes e bancários, tem vindo a suceder outra, cujo número não pára de crescer, que constitui a grande massa dos «investidores», que tentam criar as suas próprias empresas, valendo-se de «relações» ou «parcerias» com sócios «capitalistas» angolanos. Segundo dados do ICEP, são já cerca de oito mil empresas de direito angolano que têm como titulares ou sócios maioritários cidadãos portugueses, e é nesta categoria que se registam as maiores «histórias de sucesso» mas também o maior número de fracassos. «Despir-se de preconceitos, vir observar a realidade e as dificuldades locais, possivelmente duas ou mais vezes antes de dar o passo, não assumir compromissos nem fazer parcerias com os primeiros que lhe oferecerem a Lua, investir nos negócios que conhecem bem e montar uma equipa com os melhores técnicos que conseguirem juntar e vir preparado para trabalhar muito, com seriedade, eficácia, e espírito de sacrifício», são os conselhos de Fernando, um jovem engenheiro que veio para Luanda há meia dúzia de anos como contratado e que formou a sua própria empresa. Na sua opinião «trabalho, mercado e oportunidades não faltam e os valores cobrados compensam».
Oportunidades a não confundir com «facilidades» porque as quedas podem ser mais vertiginosas que os sucessos quando se envereda por caminhos complicados, leia-se ilegais, com a ilusão de «dar o golpe milionário» ou, simplesmente, «esquecer» a necessidade de um visto de trabalho e/ou de uma empresa legalmente constituída e devidamente registada junto da ANIP (Agência Nacional para o Investimento
Privado) ou do Gabinete para a Reconstrução. As autoridades angolanas não brincam, a fiscalização é cada vez mais apertada e o preço a pagar pelos prevaricadores elevado.
A começar por uma multa de 500 dólares e uma ordem para deixar o país à primeira infracção por «irregularidade da situação migratória». A expulsão é mais gravosa, já que acarreta a proibição de entrada no território angolano por um período de cinco anos. Ainda assim, há quem se gabe de só ter um visto de turismo e de estar a trabalhar em Angola há «anos» e nunca ter tido problemas, porque «conhece todos os funcionários e tudo resolve com uma «gasosa».
Vistos examinados à lupa
Depois paga o justo pelo pecador, e todos se queixam que os pedidos de visto dos portugueses são examinados com mais suspeição que os de outras nacionalidades.
Com a crise a apertar e as falências a aumentar entre as PME portuguesas, é natural que a tentação de «deslocalizar» as pequenas empresas à beira da bancarrota, com maquinaria e pessoal incluído aumente, com o apoio das autoridades portuguesas e dos bancos privados, em que os portugueses têm (ainda) uma posição dominante.
Não é demais lembrar a carestia da vida em Angola, em geral, e o custo dos alugueres dos mais pequenos locais de escritório ou habitação, para não se falar dos estabelecimentos fabris que há que construir de raiz, sem esquecer a água, a luz, as telecomunicações, os transportes.
Tudo somado, são muitos milhões a desembolsar antes de começar a trabalhar «a sério», e é a falta de capacidade financeira para enfrentar os custos de instalação, mais que a frequentemente invocada corrupção, que explica tantas desistências e fracassos ao fim de pouco tempo. Vencido o primeiro teste, vem outro não menos perigoso, que é o de querer dar o passo maior que a perna. Com a vertigem das encomendas a chover de todos os lados, e a demora nas cobranças - nem maior nem menor do que em qualquer outro país - vem a dispersão, a desorganização e as «crises de crescimento» frequentemente letais.
Não estão imunes a este perigo as grandes empresas, bem estruturadas e com sólidas carteiras de clientes. Face à crise financeira, filiais angolanas de grandes grupos portugueses ou luso-angolanos estão a enfrentar dificuldades de tesouraria, dado que os lucros realizados começam a ser retirados para apagar fogos nas «casas mães».
Nem tábua de salvação, nem árvore das patacas, Angola não será talvez o El Dorado com que sonham muitos portugueses, mas é de certeza uma terra grande, generosa, e que vale a pena conhecer, entender e amar por uns anos ou por toda a vida, mas sempre contando com os angolanos, que não são cegos, nem crédulos, e que conhecem cada vez melhor os seus direitos.
Revista África 21, aqui, acedido em 22 de Abril de 2009