Maria Manuela Aguiar esteve quinta-feira em Esch-sur-Alzette, enquanto presidente da Assembleia da Associação Mulher Migrante para acompanhar e coordenar a conferência-debate do maestro António Victorino d'Almeida sobre a "Portugalidade" (ver pág. 20).
À margem da conferência, o CONTACTO confrontou a antiga secretária de Estado da Emigração e das Comunidades (1980-1987) com os novos casos de exploração de portugueses a trabalhar na construção. Um dos últimos casos dá conta de subempreiteiros portugueses que exploram imigrantes portugueses numa obra pública num estaleiro dos Caminhos de Ferro Luxemburgueses, na cidade do Luxemburgo (ver pág. 5).
"É uma história clássica de portugueses explorados pelos próprios portugueses. Nos séculos XIX e XX encontramos muitos casos desses e julgamos que não se repetem, mas quando olhamos para estas situações terríveis são muito iguais às do passado e acontecem em países onde menos se espera, como o Luxemburgo, Noruega, Inglaterra ou Holanda. Este é um dos aspectos para o qual sempre chamei à atenção quando estava no Governo", recorda Manuela Aguiar, que foi convidada em 1980 pelo primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro a integrar o seu executivo.
Depois de ter deixado a Secretaria de Estado da Emigração e das Comunidades, Manuela Aguiar continua a trabalhar com as comunidades portuguesas no estrangeiro. Na Associação Mulher Migrante coordena vários estudos sobre os emigrantes portugueses. Considerada uma das maiores especialistas portuguesas da emigração, critica qualquer governo, mesmo do seu PSD.
"O Governo tem a obrigação constitucional de reorganizar os serviços de emigração, o Governo tem de reconstituir uma máquina de apoio aos portugueses nos países onde estão, para combater estes fenómenos de exploração", defende Manuela Aguiar.
"Logo a partir de 74, a primeira coisa que os governos provisórios fizeram foi criar uma Secretaria de Estado da Emigração e reorganizar os serviços para servir os portugueses. Mas quando Portugal aderiu à CEE [Comunidade Económica Europeia], achou que a emigração tinha acabado e desmantelou os serviços de emigração. Neste momento, em que temos uma emigração como nos anos 60, temos a obrigação de voltar a ter adidos sociais, que há pouco tempo acabaram, ter pessoas que possam fazer relatórios ao Governo, que possam seguir a situação dessas pessoas exploradas e indicar soluções também para outros casos. Precisamos de novos serviços, à semelhança dos que tivemos, adaptados aos tempos modernos", propõe Manuela Aguiar.
Para a também antiga deputada eleita pelo círculo da Europa, o Governo português deve também ter uma política virada para os que querem regressar.
"O Governo tem de apoiar os que querem sair, mas também apoiar de todas as formas possíveis os portugueses que querem regressar. Tem de haver uma política de regresso, ainda que não seja um regresso imediato, e chamar as pessoas à medida que for possível. É certo que neste momento são muito mais os que querem sair do que os que querem regressar, mas os governantes têm de adequar os instrumentos, os serviços e os meios institucionais às realidades", defende Manuela Aguiar, lembrando o "sinal positivo" dado por Pedro Lomba, secretário de Estado do ministro-adjunto, Miguel Poiares Maduro. "Ele apelou ao regresso dos portugueses e é bom que o Governo não tenha apenas o discurso do 'vão embora'".
MEIO MILHÃO DE PORTUGUESES SAÍRAM NO MANDATO DESTE GOVERNO
Para a dirigente da Associação Mulher Migrante, Portugal está a viver actualmente uma "situação demográfica dramática" e só durante o mandato deste Governo cerca de meio milhão de pessoas já deixaram Portugal. "Há uma emigração como nos anos 60, ainda que mais qualificada e mais dispersa. Estão a sair entre 120 mil a 130 mil pessoas por ano, segundo os números do actual secretário de Estado das Comunidades, José Cesário. Em média dá meio milhão de portugueses durante o mandato deste Governo", conclui Manuela Aguiar.
Se a política de regresso dos portugueses não for suficiente para "refazer o tecido demográfico de Portugal", a antiga governante defende a imigração lusófona.
"Os imigrantes podem ser de todos os países de gente de boa vontade, mas acho que seria fantástico que se fizesse dentro do mundo lusófono. Já temos brasileiros cabo-verdianos, angolanos, etc., mas deveríamos reforçar os laços da lusofonia através de imigrações em massa, de preferência imigração altamente qualificada porque estamos a perder jovens altamente qualificados. É um sonho que tenho, mas na prática só podemos fazer isso com o desenvolvimento económico", sublinha Manuela Aguiar, para quem Portugal é um "país exemplar na política de imigração".
"Só temos é de saber ensinar os imigrantes a gostar de Portugal. Isso faz-se dando-lhes condições de vida, fazendo-os felizes, iguais, porque um imigrante que se sente bem tratado, bem integrado, com boas condições de trabalho e de convívio é um imigrante que adora o seu país de origem e que adora o seu país de destino", conclui.
SOUBE 30 ANOS DEPOIS QUE JUNCKER NÃO ERA CONTRA IMIGRAÇÃO PORTUGUESA
Manuela Aguiar foi quem negociou com Jean-Claude Juncker "a cláusula de salvaguarda que o Luxemburgo queria impor à imigração portuguesa" no início da década de 80. Diz que só passados 30 anos é que descobriu que Juncker não era contra essa imposição.
"Foram as primeiras grandes negociações que tive com o Luxemburgo e não foram fáceis. Houve uma imposição do Luxemburgo e da União Europeia e Portugal não pôde fazer nada. Na altura, eu não sabia, mas o Juncker contou depois numa entrevista na Gulbenkian, quase 30 anos depois, que ele era dos que não queriam a cláusula de salvaguarda. Ele queria dar de imediato todos os direitos aos portugueses. Três anos depois ele era primeiro-ministro e acabou com a cláusula de salvaguarda", conta Manuela Aguiar.
A responsável relembra também o problema do ensino. "A dificuldade do ensino dos filhos dos portugueses em três línguas foi sempre o grande problema que apresentei às autoridades luxemburguesas. A resposta que me davam na altura é a mesma que dão hoje. Continuamos a ter crianças prejudicadas no seu percurso académico por causa disso. O problema não está resolvido", conclui a antiga secretária de Estado das Comunidades.
Henrique de Burgo
Ver Luxemburger Worth, aqui.