O Governo decidiu acabar com o financiamento do Observatório da Emigração (OEm) uma semana depois da divulgação no seu site dos números relativos à emigração em 2014, que se manteve nos níveis elevados de 2013, resultando numa notícia no PÚBLICO com data de 29 de Setembro, poucos dias antes das legislativas de 4 de Outubro.
A decisão de pôr fim ao acordo (que estabelece esse financiamento) foi formalmente tomada pelo director-geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP), o embaixador João Maria Cabral, que depende directamente do Secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, nos primeiros dias de Outubro, logo a seguir às eleições.
João Maria Cabral, enquanto director-geral, denunciou o protocolo estabelecido em 2008 entre a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades e o CIES - IUL (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia - Instituto Universitário de Lisboa), numa carta que dirigiu ao reitor do ISCTE - IUL, na qual apontava os acontecimentos da semana anterior como uma "quebra de confiança".
O coordenador científico do OEm, Rui Pena Pires, não tem dúvidas de que a razão para a denúncia do protocolo de 2008 e o fim do financiamento ao OEm "foi exclusivamente a divulgação daqueles dados" da emigração que não favoreciam a tese do Governo ao mostrarem uma tendência para a emigração se manter em 2014 e não para abrandar como seria de esperar em ano de retoma económica, disse ao PÚBLICO.
O académico e sociólogo entende a medida como uma retaliação do Governo perante a publicação das estatísticas, no final de Setembro, que mostravam que a emigração se mantinha num patamar elevado. Esses dados levavam o OEm a descrever um quadro preocupante apenas semelhante ao que Portugal viveu nas décadas de 60 e 70, quando os números anuais aumentavam ou estabilizavam em níveis elevados, durante anos seguidos.
"Este protocolo está terminado", confirmou ao PÚBLICO o secretário de Estado das Comunidades. José Cesário admite que "houve coisas que não correram bem" e que "o fluxo de informação várias vezes criou mal-estar", mas não atribui directamente o fim do protocolo à divulgação, pelo OEm, de estatísticas que não beneficiavam o Governo, antes das eleições e antes da publicação do relatório na íntegra, ao expor os elevados números da emigração.
O protocolo estabelece, desde 2008, que a DGACCP assegura as condições financeiras e outras necessárias ao seu funcionamento do Observatório; e que o CIES se responsabiliza cientificamente pela produção dos dados do Observatório, lembra Rui Pena Pires.
A Lei do Sistema Estatístico, também de 2008, garante a todas as entidades que produzem estatísticas autonomia para decidir quando divulgar os dados. O OEm divulgou esses números, enquanto esperava pela publicação do relatório na íntegra, pela Secretaria de Estado, o que só viria a acontecer em 28 de Outubro.
Em 2014, o relatório relativo a 2013 foi publicado em Julho. O mesmo estava previsto em 2015. Mas a publicação foi adiada, ficando prevista para meados de Setembro, o que novamente não aconteceu por decisão da DGACCP e da Secretaria de Estado das Comunidades.
Rui Pena Pires defende que os dados foram divulgados em período eleitoral não para condicionar os resultados das eleições, mas a bem da transparência. "O que seria um tratamento eleitoral seria ocultar os dados por se estar em período eleitoral", argumenta.
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