"Portugal, onde fica?" Satoro Mochizuki é um homem forte e alto, de 60 anos, de grande simpatia. Reside a poucos quilómetros do sopé do monte Fuji, a montanha mais alta do Japão (3.776 metros), considerada sagrada pelos japoneses desde a Antiguidade.
Arquitecto, é apreciador de vinho tinto, que se produz aliás na sua região. A larga maioria dos japoneses não gosta de vinho tinto - prefere branco e, sobretudo, cerveja. Oferece-me cerejas muito boas, igualmente da sua região, e tinto com acentuado aroma a frutos, semelhante a alguns vinhos australianos.
Esbocei um mapa da Europa num guardanapo e mostrei-lhe a localização do país de onde partiram os primeiros barcos ocidentais que chegaram ao Japão, há cinco séculos. Tendo em conta as relações históricas entre os dois povos, surpreendeu-me que um arquitecto demonstrasse tanta ignorância sobre Portugal.
No entanto, há japoneses que conhecem minimamente o nosso país. Num postal anterior (ver "Noite de festa em Tóquio"), citei duas mulheres que falavam com bastante à-vontade de Fernando Pessoa, Manoel de Oliveira, Camões, Mísia e Cristina Branco. Alguns apreciam Maria João Pires, mas uma rapariga culta e cantora de ópera confessou desconhecer a nacionalidade da pianista. Maria João Pires, tal como Mariza, tem concertos programados para Tóquio nos próximos meses.
Os japoneses que conhecem com alguma profundidade a cultura portuguesa são raros e fazem parte da elite intelectual do país. Muitos não sabem sequer que algumas palavras do seu vocabulário têm origem nas portuguesas: copo, vidro, botão, temperar, capa, cruz, ombro, castela...
E passam, sem reparar na nacionalidade dos autores, por obras de arte contemporânea portuguesa, algumas ao ar livre, como acontece com diversas - de José de Guimarães e de mais alguns outros artistas lusitanos - que estão disseminadas pelo país em jardins, praças, estações dos caminhos-de-ferro e museus.
A embaixada de Portugal no Japão editou alguns livros (álbuns ilustrados) nos quais recenseou as obras de arte portuguesas antigas (sobretudo arte religiosa) e modernas que podem ser vistas no Japão.
Para a maioria dos japoneses, nós somos os Namban-jin, que significa os "bárbaros do sul". Mesmo os que não sabem onde fica Portugal no mapa do mundo conhecem o nosso pouco brilhante sobrenome, que nos sobrou do passado.
Hideco Tsuquida, embaixadora do fado
Em Tóquio, existem alguns restaurantes portugueses. Visitei dois - um deles, o "Castelo Branco", é digno do apelido que eles nos colaram à pele. Neste restaurante apenas se salvam os vinhos (tintos, brancos e Portos). Convidara amigos japoneses - que antes me haviam regalado com iguarias da sua soberba gastronomia -, fiquei envergonhado e pedi-lhes imensas desculpas. À boa maneira japonesa, mentiram gentilmente. Condescendentes, garantiram que gostaram!
A "feijoada" de pato tinha 10 feijões! Contei-os um a um. A "caldeirada" de peixe, numa terra onde abunda peixe fresco e barato - por exemplo, o quilo de dourada do mar não chega a 10 euros - apenas apresentava duas ou três qualidades de peixe.
Estupidamente condimentada, com um molho denso e pesadíssimo, apresentava também uma quantidade incrível de ameijoas. Estas, que por sinal eram muito boas, foram a única coisa que se salvou no repasto - servidas em cima da "caldeirada", conseguiam comer-se separadas do tenebroso molho.
As ameijoas, exactamente como as melhores portuguesas, são igualmente a bom preço nos fabulosos mercados de peixe japoneses - compram-se vivas a 7/8 euros o quilo.
No "Manuel", que é igualmente casa de fado, come-se muito melhor e mais variado - desde uma relativamente boa cataplana de peixe a arroz doce e pastéis de nata, passando por salada e arroz de polvo. Na noite que lá passámos, a fadista e os dois guitarristas eram japoneses.
O restaurante estava quase cheio e Hideco Tsuquida (a fadista) ficou emocionada por ver um português na sala - "é muito raro ver aqui um português", explicou quase com lágrimas nos olhos.
Fala a nossa língua e, fisicamente, até se confunde, à primeira vista, com uma esbelta morena portuguesa. Tem realmente alma de fadista e disse ir a Lisboa uma vez por ano. Já cantou no "Parreirinha de Alfama", da grande Argentina Santos, o que é uma boa referência.
Hideco interpretou muito bem alguns clássicos - "Lágrima" e "Povo que lavas no rio", por exemplo - e, representando condignamente o seu papel de embaixadora da canção de Lisboa no seu país, explicou sempre pacientemente as letras à assistência.
Vestia de preto e com o devido xaile nos ombros. Tem um CD à venda - "Noite de Saudade", que nos ofereceu. Os seus guitarristas aprenderam a técnica do fado com os melhores colegas portugueses - António Chainho, por exemplo.
O embaixador de Portugal no Japão, João Pedro Zanatti, aconselhara-me o "Manuel" por eu procurar uma casa de fado. Aconselhou também um outro restaurante, onde, segundo disse, se serve a melhor gastronomia portuguesa em Tóquio - o "Pérola do Atlantico", propriedade de madeirenses.
Informações em português
Nas ruas das cidades, toda a gente conhece Cristiano Ronaldo e Figo. Mas os japoneses não aderem muito ao futebol - preferem o basebol e o sumo, cujos campeonatos a televisão japonesa transmite em directo. Os melhores jogos de futebol internacional também podem ser vistos em directo - mas a horas impossíveis. Devido à diferença horária, a final da Liga dos Campeões foi transmitida às quatro da manhã...
Contudo, nas cidades, vêem-se alguns jovens com a camisola da selecção de futebol dos Namban-jin. Basta esta imagem para tirar todas as dúvidas - o violento sobrenome é realmente uma coisa do passado.
Quando me apresentei como português, por acaso, a qualquer japonês, nunca senti qualquer animosidade. Bem pelo contrário, o que se recebe de volta é uma grande curiosidade e sorrisos abertos.
Aliás, já aqui se escreveu, em anteriores postais, que as coisas estão a evoluir em termos da implantação da nossa língua no país do Sol Nascente. Graças à presença de numerosos emigrantes brasileiros no território, as informações - em certos terminais ATM, em algumas estações de caminhos-de-ferro e em determinados locais turísticos, como em Ise-shi (ver postal "O 'Vaticano' do xintoísmo") - são traduzidas em português.
Expresso online, aqui, acedido em 15 de Junho de 2009.