Entrevista realizada via Zoom, a 3 de novembro de 2020, por Inês Vidigal.
Também disponível em PDF na série OEm Conversations With.
Observatório da Emigração (à frente OEm) – Talvez pudéssemos começar por perceber o que é que na sua trajetória pessoal e académica o levou ao estudo das migrações? Como é que surgiu este interesse?
Duval Fernandes (à frente DF) – A minha trajetória académica, a minha formação, tanto no mestrado, como no doutorado, é na área de demografia, sempre foi na área de técnicas de análise demográfica, principalmente de mortalidade. Na década ainda de 1990 tive e oportunidade de participar num dos primeiros trabalhos, assim mais amplos, que tratava a questão da migração internacional no Brasil. Era um trabalho proposto pela professora Neide Patarra, que fez um grande estudo sobre migração internacional no Brasil, observando o fenómeno sobre várias óticas, e eu tive e oportunidade de acompanhar isso no início da década de 90, e vamos dizer que me apaixonei pela área. A partir daí começámos a trabalhar com isso. Eu não estava em Belo Horizonte, eu tinha acabado de me licenciar e estava na área de serviço público e assim fiquei até os anos 2000. Ao retornar para a universidade, nos anos 2000, já voltei para a área da migração internacional, e nessa época, o tema estava muito em voga. Nós estávamos, no caso do Brasil, num processo onde a migração era, talvez, o fator mais importante em termos de dinâmica demográfica. Era mais focado na migração interna, mas a migração internacional começava a aparecer como algo importante, mas não sobre aspeto numérico, porque no Brasil a migração internacional nunca foi muito importante em relação ao volume da população. Mas, de qualquer maneira, como ela é muito seletiva, principalmente no espaço, com áreas bem definidas, o estado do Brasil onde nós temos o maior, eu não diria volume, mas provavelmente um maior impacto da migração internacional, é no leste do estado de Minas Gerais, então isso naturalmente levou-me a trabalhar mais com a migração internacional.
OEm – Em Minas Gerais era em termos de saídas, não é?
DF – Em termos de saídas. Aqui nós temos as saídas e o retorno. É claro que não é um estado que atrai muitos imigrantes, não é? É claro que você tem um processo de imigração, mas ele é mínimo frente ao impacto da emigração.
OEm – Portanto, quando regressa à universidade para estudar migrações, já está a fazer o mestrado ou o doutoramento?
DF – Não, já estava com o doutorado pronto.
OEm – Já estava tudo acabado.
DF – A formação foi na área de mortalidade, então isso é interessante porque permitiu trazer para a área da migração uma visão da técnica de análise demográfica, que é bem mais quantitativa e, vamos chamar assim, a escola da migração internacional no Brasil, escola no sentido do grupo de pessoas que trabalham a migração internacional, mesmo na demografia, estão muito mais voltados para questões sociológicas, antropológicas, eventualmente económicas, mas com olhar mais social e não olhar, vamos dizer, mais demográfico do tempo e de técnica de análise demográfica. Então, de uma certa maneira, fui caminhando numa área que ainda não era muito explorada.
OEm – Os seus primeiros trabalhos na área das migrações como é que foram? Foram mais ligados à área de migração interna? Foram mais ligados à área de imigração? À emigração? Quer falar um bocadinho sobre estes primeiros trabalhos?
DF – Vamos dizer assim, o primeiro, eu diria mais em questão do trabalho, foram as orientações. Eu regressei à universidade para o curso de pós-graduação em Geografia, as orientações que começaram, o primeiro foi mesmo de emigração, mas num aspeto muito interessante. Na época falava-se muito aqui no Brasil que era importante que as pessoas saíssem, porque aquilo dava uma experiência que poderia ser aproveitada em termos de uma melhor qualificação no mercado de trabalho, e essa questão inquietou-nos um pouco e fomos procurar junto da área de recursos humanos das empresas, conhecer como é que eles percebiam os processos de emigração, e daí a visão deles era completamente inversa daquilo que era propagado, havia um investimento muito grande a ser feito nesse sentido. Depois nós começámos a trabalhar com os retornados ou com o impacto que a migração tinha em algumas regiões, aí nós já estamos a chegar um pouco mais à época da questão do impacto da crise e contrapondo a situação de expansão económica aqui no Brasil. A partir daí nós fomos trabalhando tanto aspetos da emigração, como a imigração de retorno, a saída e a volta. A partir de 2010, no Brasil, começa a surgir um processo imigratório recente. Recente no sentido de que não havia ocorrido antes, que era a chegada aqui de imigrantes de países que não tinham tradição migratória com o Brasil, principalmente a haitiana. Então a partir daí nós começamos a dedicar mais tempo a esse processo de imigração, mas nunca deixando de lado essa questão da emigração e do retorno, principalmente voltada para Portugal. Apesar de trabalhar um pouco com a questão de Estados Unidos, nós preferimos, ou sentimos-nos mais à vontade, de trabalhar com essa relação, com esse fluxo migratório Brasil–Portugal ou, onde depois eu fui fazer um pós-doutorado, com a Espanha.
OEm – E como é que chegou ao interesse pelo estudo da emigração portuguesa para o Brasil? Porque também é uma área que tem trabalhado.
DF – Sim, foi a partir mesmo da crise que acontece em Portugal em meado dos anos 2000. Em 2007, eu estava a fazer o pós-doutorado em Espanha, no Instituto Ortega y Gasset, e aí, durante as entrevistas com os brasileiros, eu estava a estudar a imigração de brasileiros para Espanha. Nas entrevistas muitos falavam que tinham saído de Portugal para Espanha, eles tinham chegado a Portugal e depois de um certo tempo, dadas as condições económicas, foram para Espanha. E isso aí não só no ano de 2007, eles já estavam a ir para Espanha e isso chamou-me à atenção, não é? Era uma migração dentro da migração. Quando chega a crise em 2008 começamos a encontrar portugueses no Brasil, esse processo começa a acontecer. Ao mesmo tempo, nesse período, eu comecei a representar a Associação Brasileira de Estudos Populacionais no Conselho Nacional de Imigração, então todos os mêses participava nas reuniões do conselho, e nesse conselho era onde se tomavam as decisões relativas aos imigrantes que solicitavam visto ao Brasil, e também quando surgiram alguns problemas relacionados com aquela solicitação, ou no caso, por exemplo, dos imigrantes haitianos que chegavam num grande volume ao Brasil. Então todo este processo da política migratória, mesmo que não tinha o nome de política migratória, mas era uma política migratória, era discutido nesse conselho, e a partir daí, começamos a ver que havia umas chegadas ou demandas de visto, chegadas de muitos portugueses, portugueses e espanhóis, principalmente essas duas comunidades. Isso chamou-nos à atenção, e ao mesmo tempo, como nós tínhamos uma relação muito estreita com os colegas da Universidade de Lisboa, principalmente os professores João Peixoto e o Professor Malheiros, então nós já tínhamos até alunos que tinham feito uma parcela do doutorado, o sanduíche, com esses professores na universidade, então houve uma proximidade muito grande no tratamento desse tema e um interesse da União Europeia em fazer um estudo através do ICMPD, que tem sede em Viena, que fez um contacto com os colegas de Portugal, e também um contacto aqui no Brasil, e nós pudemos, pela primeira vez, fazer um trabalho conjunto. Analisámos os brasileiros em Portugal e em Espanha com os colegas europeus, e nós analisávamos portugueses e espanhóis no Brasil, então aí nós conseguimos construir esse quadro. Depois os colegas de Portugal, no projeto chamado “Regresso ao futuro”, convidaram-nos para fazer a parte do Brasil, e contribuímos com a parte do Brasil nesse conjunto de trabalho.
OEm – Voltando então um bocadinho a este fluxo que aparece então com a crise. Eu não sei se o seu primeiro artigo sobre este fluxo foi o que aparece no livro “Vagas Atlânticas”, coordenado pelo João Peixoto e Beatriz Padilla, mas lembra-se das principais conclusões? O que é que caracterizava este fluxo? Quais eram as características dominantes?
DF – Bom, nesse “Vagas Atlânticas” nós estamos a falar dos brasileiros. Você tinha tantos brasileiros, como portugueses. Mas falando talvez um pouquinho da ideia mais ampla, a cada momento, tanto o nome “Vagas Atlânticas”, que passamos até adotar aqui no Brasil, não falando mais em ondas, mas em vagas, cada uma teria uma certa característica. Tanto aquelas que saem de Portugal para o Brasil, que ficou naquele momento da crise, eram pessoas mais jovens com nível de instrução em média mais elevado que o nível de instrução que se encontraria aqui no Brasil. Havia, no entanto, uma presença muito grande de uma situação de irregularidade migratória no caso de alguns profissionais, não no aspeto talvez do imigrante irregular, mas da atividade que exerciam. Nós tínhamos muitos arquitetos que não poderiam exercer a sua atividade no Brasil, mas exerciam não assinando as plantas ou os documentos, sendo assinados por brasileiros, mas o trabalho era feito por essas pessoas que tinham alta qualificação. Então, esse momento, foi uma das características que chamou a nossa atenção em termos de uma migração que estava aqui no Brasil. Agora em termos dos brasileiros na Europa, essas diversas ondas, levam no caso, por exemplo, do que a gente poderia chamar de uma terceira, na época era uma terceira onda, onde você tinha já um conjunto de pessoas que naquele momento chamava a atenção a presença dos estudantes, à procura do estudo. É claro que temos que levar em consideração que o governo brasileiro teve um processo também chamado “Ciência sem Fronteira” que facilitou muito a ida de jovens para estudar fora e, é claro, nós não somos um país bilíngue, é raro você encontrar uma pessoa que fale por exemplo inglês, francês ou espanhol, que possa dizer que também é bilingue em qualquer idioma. Então é claro que Portugal foi sempre uma das primeiras escolhas dos brasileiros, tanto é que, ao final hoje, por exemplo, qualquer aluno que escolhe Portugal tem que fazer o teste do TOEFL inglês. Teria que fazer em português, mas então exige o TOEFL em inglês para que ele possa ter uma bolsa para ir a Portugal. Esse era um aspeto, mas também aqueles que saiam daqui porque a situação económica melhorou um pouco no início de 2010, mas depois a crise chega ao Brasil e permanece até hoje, é uma situação que levou mesmo a uma saída maciça de brasileiros em direção a Portugal, e que no final, vai chegar ao que nós estamos chamando agora de quarta onda, antes da pandemia lógico. As conclusões a que chegámos era que, o mais importante é que, a cada momento, esse perfil ele vai mudando, ele vai sofrer uma alteração no tempo.
OEm – Focando mais nos portugueses e no trabalho com os emigrantes portugueses no Brasil, quais são os maiores desafios de fazer trabalho de campo com a comunidade portuguesa aí no Brasil?
DF – Um dos trabalhos que nós fizemos aí com os colegas de Portugal, uma das características da emigração portuguesa aqui no trabalho que tinha especial destaque quando a gente analisava o conjunto dos imigrantes, eram os investidores. Era assim classificada no Brasil, os investidores. Porque de uma certa maneira receber o visto permanente no Brasil naquela época era muito simples, um investimento de 150 mil reais, o que corresponderia hoje a 30 mil euros, na época deveria ser uns 40 mil, assim muito 50 mil euros, já abria o caminho para um visto permanente, e esse investimento poderia ser tanto numa atividade produtiva, como na aquisição de um imóvel e, é muito interessante, quando se observa um pouco esses investimentos, onde eles estão localizados. Claro que você tem os grandes investidores que investem na indústria, alguma coisa no comércio, mas há um conjunto de investidores que vai para o Nordeste, e aí, os investimentos, vão desde uma pequena loja, até mesmo à abertura de uma pousada, de um pequeno hotel, de um pequeno restaurante. Foi exatamente na região do Nordeste que nós fomos conversar com os portugueses. Primeiro, o que é normal é uma certa, vamos dizer, é um certo cuidado, as pessoas não gostam de falar da situação porque, na realidade, é uma forma de você conseguir um visto permanente sem ser um investidor. Quer dizer, você investe para conseguir o visto, não é aquela pessoa que “olha agora eu vou fazer um investimento no país” e como a lei, naquele momento, facilitava muito esse tipo de investimentos, Portugal foi durante alguns meses, o país com maior número de investidores no Brasil. É claro que os volumes não eram muito grandes porque tinha sempre a competição dos chineses que utilizavam também esse mecanismo para conseguir o visto permanente no Brasil, mas Portugal… e é evidente, os chineses concentravam-se mais em São Paulo, onde têm uma grande comunidade, mas os portugueses não, eles estavam mais no Nordeste voltados para atividades ligadas ao lazer, ao turismo, e foi muito interessante porque nós chegamos a encontrar condomínios exclusivamente de portugueses e, aí conversando com pessoal havia, certamente, vamos dizer escritórios especializados, em atender esse tipo de demanda e algumas vezes encontrava-se também indicação de um empreendimento onde se chegava e era um terreno vazio, mas era uma forma, e essa foi uma característica muito interessante. Muitos dos portugueses investidores que vieram para o Brasil eram aposentados, porque na época nós ainda não tínhamos esse processo de solicitar um visto por conta da aposentadoria, era muito trabalhoso fazer isso, exigia pagamentos de seguro de saúde, uma série de coisas que o investidor não precisava de trazer e o visto permanente, se te der um visto permanente de cinco anos, depois de cinco anos você pode solicitar nacionalidade brasileira se for de interesse, é claro. Então essa era uma das características dos imigrantes portugueses no Brasil, além desse grupo dos mais jovens que acabava ficando numa situação laboral irregular, mas que aí sim, concentrados nos grandes centros onde, é evidente, tinham condições de encontrar algum trabalho.
OEm – E é fácil chegar ao contato destes portugueses, nesta comunidade? É uma comunidade aberta?
DF – Bom, imigrante raramente é uma comunidade aberta, você tem que ter alguém que lhe apresente. Quando é no caso dos brasileiros, a nossa nacionalidade já favorece, é um nacional, é um patriota, aí já favorece, a pessoa está num outro país. Um brasileiro falar com um português aqui não é um caminho fácil, mas a gente procura, vai de uma indicação a outra, conversa e consegue. Algumas vezes a pessoa responde, outras vezes as pessoas não têm interesse em responder, até mesmo porque acho que entendem que a situação não é muito regular, principalmente se trabalhamos sem a documentação necessária. Mas a gente trabalha muito no sistema de bola de neve, a gente procura alguma pessoa e a partir dessa pessoa como indicação a gente vai crescendo. Nós tentamos, por exemplo, no caso dos investidores, ir por meio dos escritórios, porque nós tivemos oportunidade de fazer um levantamento no CNIg antes, então nós tínhamos a localização do empreendimento, qual era a razão daquele empreendimento e tínhamos também a documentação daquela pessoa e todo o trâmite legal que fez, então nós sabíamos quem representou aquele imigrante português para apresentação da documentação, então a gente tentava caminhar por aí também para fazer os contatos. É claro que os brasileiros, como isso é um negócio, não tinham muito interesse em conversar mas de qualquer maneira isso facilitou-nos muito porque a gente tem os arquivos do Conselho Nacional da Imigração e a partir daí nós conseguimos já saber, pelo menos, onde estaria o conjunto maior. De uma certa maneira até sabíamos que tipo de empreendimento estava naquele local, quando que a pessoa chegou… então isso facilitava um pouco a conversa.
OEm – E davam também uma história da migração da pessoa, não é?
DF – É, isso facilitava. Quer dizer nós não fomos de mãos vazias, ao ponto de chegar para falar com as pessoas sem ter feito nenhum contato. Você sabia que naquela região tinha tantas pessoas, tais tipos de empreendimentos, você procurava um empreendimento e ia conversando com as pessoas. Mas nesse levantamento nós encontrámos muitas situações de empreendimentos que eram indicados como pertencentes a portugueses que simplesmente tinham sido utilizados, até algumas vezes sem conhecimento do dono do empreendimento, para fazer alguma situação.
OEm – De uma forma geral, como é que a sociedade brasileira vê e aceita a emigração para o Brasil? Existe uma melhor aceitação de algumas nacionalidades em relação a outras? Como é que é em relação aos portugueses?
DF – O Brasil é um país extremamente racista, apesar de se falar que não é, há uma questão de racismo muito forte no país. Então, um imigrante europeu, branco, ele tem muito mais condições de ser melhor aceite no Brasil do que, por exemplo, um haitiano ou um venezuelano. Então há uma situação que é claramente de rejeição de algumas nacionalidades no caso da imigração, da chegada dos estrangeiros ao Brasil. É lógico, portugueses, a gente tem uma relação muito próxima, não é? E como o volume de imigrantes no Brasil não é muito grande, nós hoje podemos estar a falar aí alguma coisa de 1 milhão ou 2 milhões de pessoas que vem de outro país para o Brasil, com uma população de 200 e tantos milhões, então os portugueses não aparecem assim em termos de um volume. Como, por exemplo, os brasileiros em Portugal são um volume muito grande em relação ao tamanho da população, é isso que eu quero dizer. Então aqui eles desaparecem e é claro que o que aparece mais são os imigrantes africanos, que vêm de países de matriz africana e aí sim, eles aparecem mais no conjunto. Enquanto os portugueses, de uma certa maneira, são bem aceites na sociedade e não há, porque normalmente se você olhar dentro do conjunto dos imigrantes, não é? Estou a falarfalando em termos globais, em termos de nível de instrução e nível de renda, o europeu que vem para o Brasil, a maior parte são pessoas que têm um nível maior de renda e o nível maior de instrução. Então eles inserem-se num outro patamar da sociedade, até mesmo em termos de moradia e em termos das redes sociais e do relacionamento, onde essa presença de um europeu é muito mais bem aceite do que a de outra nacionalidade.
OEm – Então o processo de integração de uma nacionalidade como a portuguesa será sempre muito mais fácil do que um haitiano, por exemplo, não é? A sociedade portuguesa estará sempre muito melhor integrada, digamos.
DF – Sim e além disso, temos o idioma a nosso favor. Apesar de como a gente fala, o sotaque, a nossa forma de falar ser distinta, é muito mais fácil conversar com português do que com um haitiano que está começando a aprender português, não é?
OEm – Mesmo a parte cultural, religiosa também poderá ser uma boa forma de integração, não é? Existe uma proximidade muito maior entre as duas nacionalidades e culturas, digo eu.
DF – Sim, claro. Se você lembrar, durante muito tempo, o veículo cultural de massa eram as novelas, e vários atores portugueses participam das novelas produzidas no Brasil, então há uma identificação muito próxima nesse aspeto. A cultura, a Amália Rodrigues, aqui era durante muito tempo uma pessoa que enchia auditórios, para se ouvir o fado, então há uma proximidade de cultura. Professamos na maioria dos casos a mesma fé. Claro que hoje, aqui no Brasil, nós temos as igrejas de matriz pentecostal, tudo isso crescendo muito, mas é mais numa parcela da população que não é uma parcela da população de alta renda, tem na alta renda, mas é muito pouco proporcionalmente, então isso dá uma proximidade muito maior. O aspeto de ter a União Europeia, e Portugal fazendo parte da União Europeia, modificou muito a visão que se tinha do português no Brasil. É claro, o português sempre era considerado aquele que… o pessoal usava o “portuga”, no Rio de Janeiro que é o dono do bar, que era o dono da lojinha, que era isso. Então isso foi-se modificando no tempo, e hoje vê-se o português como europeu que vem ao Brasil. Então parece que na visão, isso daí é uma impressão nunca fiz o levantamento, mas houve uma mudança na visão do imigrante português do Brasil. Passou a ser uma pessoa, um europeu que está a viver no Brasil, apesar de nunca ter saído da Europa, agora com a União Europeia e tudo mais, tem essa situação e se antes, aí eu falo talvez um pouco na minha geração, a gente via muito, talvez como hoje os portugueses olham os brasileiros e chamam de “zuca”, a gente chamava de “portuga” aqui, os filhos de portugueses e tudo mais. Hoje olha-se para essa nacionalidade, abre-se a porta de Portugal como via para a nacionalidade. Então isso é uma coisa muito importante, quando se conversa aqui no consulado em Belo Horizonte, a demanda que tem no consulado é isso, a busca para a cidadania portuguesa. Virou uma busca por isso. No caso do Brasil, há algum tempo, ninguém se preocupava com essa situação.
OEm – Mas é a porta de acesso à Europa.
DF – É.
OEm – Então, podemos falar um bocadinho mais do projeto do REMIGR de que fez parte, falando um bocadinho do que é que foi a sua participação no projeto, no que é que consistiu e como é que se processou o trabalho.
DF – Nós ficámos muito interessados nesse projeto. Além dos textos, tivemos aqui uma dissertação feita em cima desse produto, e como a gente já tinha alguns colegas que já tinham feito o sanduíche em Portugal, mesmo com o pessoal da equipe, isso facilitou muito essa relação, e aqui o nosso papel foi de procurar, de fazer os contactos com os imigrantes portugueses que estavam no Brasil. Então aí nós trabalhámos muito a questão do Nordeste que era do investimento, aquela imigração mais recente. Porque aqui a gente tem aquela migração que a gente pode dizer histórica, que são as famílias que vieram, durante muito tempo para o Brasil no final do ciclo salazarista, depois com a situação da revolução dos cravos algumas famílias saíram de Portugal e vieram para o Brasil. E aí nós chegamos já ao momento da União Europeia, não é? Que aí é uma nova imigração e era essa que na realidade se estava procurando. Aqui, no caso, nós ficamos mais voltados à procura dos investidores, esse é que era o grupo principal dos novos imigrantes e, é claro, também as que tinham trabalhado com essa parte do emprego em São Paulo ou noutras regiões. Nós ficámos mais com isso, quer dizer nós participámos em toda a discussão, mas o trabalho de campo que nós efetuámos foi mais esse voltado para o Brasil.
OEm – Houve alguns resultados que tenham sido novidade para si, neste trabalho?
DF – Sim. Um desses, foi como eu comentei, a questão dos investidores.
OEm – Ah, a dos investidores veio deste trabalho do REMIGR?
DF – Sim, nós já estávamos interessados nesse tema e aí chegou REMIGR, então foi ótimo nós conseguirmos juntar as duas situações. Era muito interessante porque, quando se olha para os números, isto é, lá nos registos no Conselho de Migração você tinha uma ideia, quando vai a campo e conversa com as pessoas, a situação, você começa a ver um outro aspeto desse processo migratório. Aí não é a pessoa investidora, mas é uma pessoa que fez uma opção de mudar para o Brasil. Nós fizemos a mudança na legislação migratória em 2017, então até 2017 a legislação era muito restritiva, era uma legislação de 1980, isto é, ainda no período da ditadura militar, ela já não se aplicava mais. Era muito interessante por ela não se aplicar mais, era a importância do Conselho Nacional de Migração, porque aquilo que a lei não previa e ela praticamente não previa nada da realidade que estava acontecendo já no século XXI, o conselho tinha autonomia para ir fazendo as suas alterações e abrindo espaço para incorporar esse novo processo migratório. Então algumas pessoas que possivelmente hoje teriam condições de fazer uma migração, por exemplo, eu quero voltar para o Brasil, eu tenho a minha aposentadoria, eu posso mudar para o Brasil, assim como temos em Portugal a mesma situação que é mais voltada, é aberta, e os brasileiros usam isso. Essa situação era burocraticamente muito complicada e abria esse espaço que, de uma certa maneira, era até muito mais barato, vamos dizer assim, e mais rápido de conseguir e não era um visto temporário, era um visto permanente, não é? Então encontrámos muitas pessoas que estavam a fazerfazendo esse processo de investidor como uma porta que permitisse que eles se transformassem em imigrantes no Brasil. Lembro-me de uma senhora com quem conversei, e ela dizia “olha eu gosto muito daqui porque, poucos meses depois de estar no Brasil, eu tive uma doença muito grave e fui tratada pelo sistema público”. Então ela foi tratada pelo sistema público, não teve gasto nenhum com aquela doença e ela comentava que em Portugal “isso provavelmente ia me custar porque foi uma coisa grave”, mas ela conseguiu recuperar-se, teve todo esse processo de recuperação que ela fez no Brasil, então ela falou “isso aqui para mim está ótimo”. E esse aí é um ponto que os portugueses colocavam muito naquele momento: o acesso aos serviços. Quer dizer, os direitos sociais, mesmo na lei anterior, porque a constituição que vem depois da lei, a constituição é de 1988 e a lei de 80, ela já garantia os imigrantes no Brasil o acesso a todos os direitos sociais incluindo saúde, educação e assistência social, então isso era visto por essas pessoas como um ganho. É claro que elas estavam numa cidade menor, não estavam em São Paulo que é uma grande cidade por exemplo, estavam numa cidade menor, uma cidade turística, por isso era uma cidade que a prefeitura tinha renda para manter os serviços funcionando, isso numa outra cidade, provavelmente poderia ter problemas e, é claro, estando ali eles tinham acesso a essa situação.
OEm – Esta nova lei, que entrou em vigor em 2017, é considerada uma boa lei e já prevê estas situações mais dinâmicas, de nova migração?
DF – Sim, é uma lei bem moderna. A lei anterior era uma lei que partia do princípio da segurança nacional, tanto que o preambulo da lei falava que a migração era condicionada ao interesse do país e dos trabalhadores brasileiros. Então toda a solicitação de visto passava por escrutínio para ver se aquela área, a que a pessoa estava solicitando visto, era do interesse do trabalhador brasileiro ou não. Essa nova lei, ela parte do princípio dos direitos humanos e do direito do imigrante, então criou uma série de mecanismos que facilitaram muito a imigração. Por exemplo, você pode vir com visto de turista e, caso encontre um emprego ou um relacionamento e queira transformar o seu visto em temporário, você pode fazer no país sem necessidade de voltar ao seu país de origem para dar entrada ao processo. Então isso facilitou muito e aí abriu o aspeto do visto do aposentado, aí uma série de situações que facilitaram. Agora, por outro lado, tem um aspeto que é o endurecimento para os investidores, aí houve uma seleção de áreas, não só em relação à área geográfica que aqui antes facilitava muito para aplicação do Nordeste, até do valor a ser aplicado, mas agora as áreas prioritárias são nas áreas de tecnologia. Então os investidores nas áreas de tecnologia têm a facilidade de obter o visto, o investimento imobiliário continua, mas aí também tem áreas que facilitam, há interesse, por exemplo, em investimentos imobiliários que recuperem prédios históricos. É muito usual em algumas cidades, você já tem um prédio, ele está tombado como património histórico, mas os proprietários não têm recursos, há o interesse que o prédio caia para vender e então você chega com capital das pessoas que investem, aí recuperam aquele prédio, compram, recuperam mantendo o seu valor histórico e abrindo uma atividade cultural, uma atividade económica naquele local, esse também foi um caminho que se buscou colocar para os investidores. Então é uma lei bem moderna, que facilita muito a regularização migratória no país e incentiva a imigração, trazendo aspetos que são mais atuais do que aqueles defendidos por uma lei dos anos 80.
OEm – Pensa a partir dos resultados obtidos no projeto REMIGR e das conclusões do livro “Regresso ao Futuro” continuar a trabalhar nessa linha de investigação ou é um capítulo que está encerrado?
DF – Não, estamos continuando. E com os colegas de Portugal, estamos avançando. É evidente que um terço que sai, aí no caso, é mais brasileiros em Portugal. Nós íamos fazer a quarta onda, mas aí veio o Covid-19 que criou um muro imaginário. Acho que nem Trump pensou num muro tão grande como esse para a migração… e estamos aí com projetos, trabalhando com emigrantes brasileiros e de outras nacionalidades na Europa vendo o impacto da pandemia e estamos avançando agora num projeto conjunto com Brasil, Espanha e Portugal para também fazer esse tipo de análise com todas as nacionalidades. Então é claro, continuamos aí com a parceria com os colegas de Portugal, já estamos aí também trabalhando com um pesquisador dos SOCIUS, entramos lá com os colegas, isso daí facilita muito esse contato, essa troca de experiências. Estamos também trabalhando com os colegas de Portugal para a criação de um Observatório Lusófono da Migração Internacional que inclui não só Brasil e Portugal, mas também os outros países de África, onde esses fluxos migratórios, em que todos os países teriam oportunidade ser mais de analisados. Isso daí foi uma ideia do professor Jorge Malheiros, incorporado pelo professor João Peixoto e que tivemos oportunidade de apresentar no evento da OIM no Cairo junto com os colegas daí, de África também, sobre esse trabalho. Aqui no Brasil não é exclusivamente a PUC Minas que está envolvida, mas também outras instituições, como próprio o IBGE e a Fundação Joaquim Nabuco do Nordeste.
OEm – Eu ia pedir-lhe para falar um bocadinho sobre os observatórios que têm aí no Brasil porque nós aqui em Portugal só temos dois, Observatório da Emigração – que está exclusivamente ligado à emigração – e o Observatório das Migrações – que trabalha sobretudo a imigração –, mas no Brasil vocês têm vários, têm o Obminas, o OBMigra... o que é que os distingue? Trabalham todos sobre o mesmo? Como é que funciona?
DF – Bom, para começar há algumas diferenças. Por exemplo, OBMigra tem também o Observatório da Migração de São Paulo, são observatórios institucionais, quer dizer o seguinte, o OBMigra está na Universidade de Brasília e o Observatório de São Paulo está no NEPP da Unicamp, que é a Universidade de Campinas, então esses são institucionais. O nosso, por exemplo, o Obminas, ele é multi-institucional, nós envolvemos não só o PUC Minas, mas também a Universidade Federal, outras universidades privadas, organizações da sociedade civil que trabalham com migrantes, e também outros colegas que trabalham principalmente no leste de Minas, que é o grande celeiro dos emigrantes no estado de Minas Gerais. Então o nosso formato é um formato multi-institucional, um pouco distinto do dos colegas. Tem também alguns dos observatórios, no que até que está sendo formado pela Universidade de Mato Grosso do Sul, que a gente poderia dizer que é um observatório que a base de trabalho dele é geográfica, então vai ser um observatório da fronteira, ele vai ter a área de fronteira do Brasil com os países da América do Sul e ele vai trabalhar exclusivamente sobre essas relações migratórias que acontecem na fronteira e os seus impactos, tanto no Brasil como nos outros países também. Então há uma profusão muito grande de observatórios que trabalham, acho que também talvez pelo tamanho do país e pelos diferentes aspetos de migração que tem. Tem também, que não é observatório, mas é grupo muito importante, acho que vocês aí conhecem, o NIEM da Universidade Federal do Rio de Janeiro, eles repassam-nos muitas das mensagens que saem aí do observatório de Portugal, esse daí é uma rede formada pelas pessoas que têm interesse na área de migração internacional. Essa rede já ultrapassa mais de mil pessoas e é coordenada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Então há uma série de trabalhos e há uma proposta que vem do ACNUR que é a formação de Cátedra Sérgio Vieira de Mello, que era um diplomata brasileiro que trabalhava nas Nações Unidas e morreu num atentado no Iraque. Essas cátedras são vinculadas a universidades. A proposta é que até ao final desse ano se tenham 30 cátedras no Brasil que trabalham com 30 universidades e o tema aí são os refugiados. Então tem esse conjunto de cátedras que trabalham um tema específico, refugiados e imigrantes. Na realidade são os imigrantes apoiados pelo ACNUR, que, atualmente, são os venezuelanos. Há esse conjunto. Então, aqui no Brasil, nós temos muitos observatórios e muitos estudos sobre migração, principalmente migrações no momento que acontecem, aquelas que chamam a atenção. Hoje por exemplo, é a migração venezuelana, que ocupa em termos da área de estudo. Nós, na PUC Minas, temos grupos de estudos, também acredito que nós na PUC Minas e os colegas da Fundação Joaquim Nabuco no Nordeste em Recife, têm os dois grupos que trabalham a migração em Portugal, mais a migração em Portugal ou de portugueses aqui ou de brasileiros em Portugal, esse fluxo migratório. Porque, tanto a migração haitiana e depois a migração venezuelana tem tantos financiamentos, e agora, com a Covid-19, esse fluxo migratório Brasil-Portugal não é o que chama mais atenção, ainda mais que nesse momento há uma situação de uma barreira que a gente não consegue manter esse fluxo como estava na situação anterior. Mas há uma profusão muito grande de observatórios; usualmente eles são institucionais, multi-instituionais são poucos e estão surgindo grupos que agora estão trabalhando áreas. Trabalhando na área, nós temos três áreas de fronteira, nós chamamos de arco norte, arco central e arco sul, atualmente o grupo que é do arco central com o arco norte, depois eles estão pensando em incorporar o arco sul, com isso ficaria coberta toda a fronteira do Brasil, a fronteira terrestre do Brasil estaria coberta por um observatório. Então são experiências. O mais antigo Observatório de Migração de São Paulo, coordenado pela Prof. Dr. Rosana Baeninger, esse daí é um que tem uma produção fenomenal em termos de volume de trabalho e tudo isso. O OBMigra que segue uma linha de produção e de disponibilização de informações, como eles têm um convênio direto com o Ministério da Justiça, eles disponibilizam os dados sobre solicitação de visto, entrada no país, a questão de solicitação de visto de trabalho, registo de contratação. Ele é mais um Observatório que fornece a informação para a comunidade de uma maneira geral.
OEm – Há uma questão importante para quem estuda a emigração e a imigração, que é a contabilização estatística. Sei que num artigo seu aborda esta questão da contabilização estatística. Existem diversas fontes que contabilizam o número de portugueses, e não só, que chegam ao Brasil. Quer explicar as diferenças entre as várias fontes? Esta tem sido uma questão muito debatida em Portugal: qual é a melhor fonte para contabilizar os portugueses que vão para o Brasil.
DF – Nós temos, se a gente olhar em termos de pesquisas domiciliares, temos duas grandes pesquisas. Uma é o censo, que teria acontecido esse ano, e ficou prometido para o ano que vem, não sabemos se vai acontecer e as questões relativas à migração internacional, na proposta que seria levado a campo agora foram cortadas. A imigração ela estaria mantida, mas a emigração que foi uma questão colocada no censo de 2010 que não aconteceria em 2020, mas isso está em suspenso. Nós temos uma outra pesquisa, que é conhecida como Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios que é uma pesquisa contínua, ela é feita durante todo o ano e os dados são uma média trimestral, mas é uma média móvel, infelizmente nós podemos saber a relação à imigração, mas é uma pesquisa amostral. Por conseguinte, ela contém representatividade do estado, que é a unidade da federação, das regiões metropolitanas e do Brasil como um todo, mas é uma amostra, então ainda mais tratando de migração a variabilidade é muito grande. Então estas seriam os de pesquisas domiciliares. O outro conjunto são os registos administrativos. Bom, qual estágio que nós estamos hoje dos registos administrativos? Nós temos vários registos administrativos que estão na Polícia Federal em bases distintas. O primeiro deles poderia ser o Sistema de Tráfico Internacional (STI) que mede a entrada e saída. Esse sistema pode ser trabalhado no sentido de identificar as pessoas que entram e saem como turistas, por exemplo, e trabalhar com saldos. Quem entrou, por exemplo, como turista por 3 meses, deveria ter saído, mas não saiu, então ele ficou não é? Então esse é um sistema. O outro sistema é o sistema que é conhecido como SISMAGRA, que é um sistema de registo, como se fosse o registo do SEF Portugal. O imigrante que tem um visto ou que está aqui e quer mudar o seu status migratório, então ele faz o registo na Polícia Federal. Então esse daí você tem disponível e pode ser consultado e aí você tem ano a ano, por tipo de visto, situação, tudo isso, então você pode consultar isso. Há outras fontes também, por exemplo, o sistema de saúde, mesmo um imigrante que esteja no país em situação irregular, mas tem uma documentação, um passaporte, ele pode se inscrever no sistema de saúde e aí tem um atendimento no sistema de saúde. Essa é uma fonte também, mas não é muito utilizada porque é de difícil acesso. Isto é, não há um entendimento dentro do Ministério da Saúde da importância em termos de uma análise de migração desses dados. Há também os dados do Sistema do Cadastro Único que atende a área de assistência social, então qualquer demanda na área de assistência social, a pessoa tem que estar nesse cadastro e aí você pode recuperar os imigrantes. É muito interessante que nós estamos terminando um trabalho em relação aos filhos, que são os portugueses filhos de brasileiros, que retornaram ao Brasil e retornaram numa situação que precisaram recolher de assistência social, então nós conseguimos separar esse conjunto que são famílias onde você tem crianças nascidas em Portugal e que, em algum caso, podem ser portuguesas. Esse é um trabalho que nós estamos fazendo também, vendo um pouco esse retorno, mas é um retorno que a pessoa volta a uma situação económica que obrigou a buscar assistência social para receber os benefícios. Então são essas fontes. Você tem a do Ministério do Trabalho, de emprego e de desemprego, aquele que tem a carteira de trabalho e tem um emprego formal. Há uma série de fontes, mas cada ministério tem sua fonte, não há uma conversa. As tentativas de compatibilizar fontes, por exemplo, a fonte da Polícia Federal do registo com a fonte daqueles que estão trabalhando… aqui os colegas do IBGE fizeram um teste trabalhando com 100 mil pessoas, em que 50 mil eram venezuelanos e eles tiveram 24 horas ao computador e conseguiram fazer um aparelhamento de 60/70%. Então há muita deficiência para fazer esse esse tipo de situação, mas há mecanismos que você pode utilizar. É claro, você tem uma pessoa que está numa situação irregular, que não fez registo, que entrou como turista e não saiu, você pode até recuperar essa pessoa, mas precisaria de manipular e trabalhar um pouco mais os dados e existem alguns dados que são considerados pela Polícia Federal como sigilosos, então você não tem por exemplo número do passaporte da pessoa quando ele entra e quando ele sai, não é? De tal forma que você pode parear e aí eliminar essa pessoa porque ele saiu e não está mais e, internamente, é possível fazer isso, a Polícia Federal pode fazer isso, mas o acesso a isso é um pouco complicado. É nisso que o REMIGR tem trabalhado muito, no sentido de, com protocolos, junto do Ministério das Relações Exteriores que consegue os vistos, na Polícia Federal, e mesmo no Ministério do Trabalho, conseguir que essas bases possam ser pareadas de tal forma que você identifica a trajetória da pessoa, de entrada e de saída ou de trabalho, que tipo de trabalho, que tipo de visto pediu ao consulado. Então é possível ter isso, mas é um processo que ainda está em andamento, então se é uma ideia de conseguir a informação em termos de fluxo, isto é, a cada ano, quantos entraram, a situação e tudo isso, o melhor é utilizar o SISMIGRA que é o sistema da Policia Federal, onde você consegue ver quem entrou de forma regular e está registado. E trabalhar o STI que também está disponível na página do OBMigra para ver as entradas e saídas. Esses dados você pode talvez trabalhar, isso pode puxar mesmo, tirar entradas e saídas de português, no final o que sobrar é um saldo das pessoas que estariam aqui, é uma forma muito indireta, mas permite observar as várias fontes e ter pelo menos uma estimativa do volume das pessoas que estão aqui.
OEm – E nós, atualmente, utilizamos de facto os dados do Ministério do Trabalho, dos vistos conseguidos para trabalhar, o que tem limitações, não é, porque não serão as únicas pessoas que entram no Brasil e que residem aí, mas pronto...
DF – E ainda para mais que você tem a possibilidade...Por exemplo, o português vem para o Brasil como turista e aqui ou arruma emprego ou conhece uma pessoa e resolve ficar no Brasil, ele modifica o seu status migratório, ele nunca vai aparecer no Ministério do Trabalho. A não ser que ele tenha um emprego, ele não vai aparecer nunca como pedido de visto de trabalho, ele já está no Brasil, ele mudou o status migratório, ele pede uma carteira de trabalho e pronto, ele não entra como pedido de visto, nada. Futuramente ele pode ser encontrado como um português que está trabalhando no Brasil porque tem uma carteira de trabalho e arrumou emprego formal, mas se ele virar, por exemplo, motorista de Uber, ele nunca vai aparecer no emprego formal.
OEm – Quer acrescentar mais alguma coisa sobre esta temática?
DF – Não. Só que eu creio que nós vamos ter, terminando esta pandemia ou ela podendo ser controlada, vir uma vacina que nos permita fazer deslocamentos novamente, eu creio que nós vamos ter um redesenho da questão migratória. Não gostaria de ser muito pessimista, mas eu gosto de provocar os meus colegas da Universidade de Lisboa, eu pensaria que nós poderíamos estar falando de alguma coisa como de 6/7 milhões de brasileiros saindo do país. Dado a situação económica, política, social que vivemos hoje, certamente Portugal vai receber uma boa parcela dessas pessoas, e possivelmente não vai ser aquele emigrante das diversas vagas, uma pessoa sem qualificação, no sentido de conhecimento de formação universitária, acho que há uma saída, uma ideia de saída grande para as pessoas de um nível de instrução mais elevados. Certamente nós vamos ter esse movimento que vai acontecer, agora vai depender muito de como todos os países vão sair da pandemia. Aqui, mesmo antes da pandemia, nós já estávamos numa situação catastrófica e, certamente, piorou muito com essa chegada da pandemia. Então acho que nós vamos voltar aos anos 90 ou voltar momento antes da crise de 2008, onde o Brasil passou a ser um país de emigração, não que a imigração tenha desaparecido, mas passa a ser um país de emigração. Então acho que nós vamos ter essa função. E quanto aos portugueses a virem para o Brasil, acho que vai ser um pouco difícil porque a falta de oportunidade que vai levar os brasileiros, também acredito que os portugueses não teriam oportunidades aqui. Salvo o caso daqueles que querem mudar para aqui pelo clima, um local especial para morar, viver, etc., esses aí continuarão porque essas facilidades estão colocadas. Hoje é muito mais fácil você vir ao Brasil para residir sem necessidade de utilizar subterfúgios, como investimento, que não é a sua ideia. Me recordo de uma senhora, que ela reclamava que ela foi obrigada a abrir uma lojinha que vendia bebidas, sucos e essas coisas na cidade, para poder justificar o seu visto de investidor, ela nunca quis fazer aquilo, mas foi a forma mais fácil que ela encontrou para poder morar naquele local. Então provavelmente, sem essas necessidades, sem esses subterfúgios, ficará mais fácil para aqueles que tem ideia e, é lógico, os preços ficarão muito mais baratos aqui comparando com os preços da Europa. Nós vamos ter aí um novo quadro pós Covid-19 que vai colocar muitos desafios. Eu acho que essa migração venezuelana, a tendência dela é inverter com tempo, eu brinco até com os meus colegas, “olha daqui a pouco somos nós que vamos sair para a Venezuela dado a situação aqui”. Então vai mudar muito o cenário que a gente tem de estudos migratórios no Brasil e, provavelmente, essa relação com a Europa, com os Estados Unidos, Japão, Austrália agora também tem muito, vai voltar a ser o ponto mais importante de estudos migratórios no Brasil.
OEm – Muito obrigada pela entrevista e pela disponibilidade.
DF – Foi um prazer, se precisar de alguma coisa, estamos às ordens.
Como citar Vidigal, Inês (2020), “Vagas migratórias entre Portugal e o Brasil: entrevista com Duval Fernandes”, Observatório da Emigração, 3 de novembro de 2020. http://observatorioemigracao.pt/np4/7865.html