por ANA TOMÁS RIBEIRO
Nuno Filipe e o pai trabalharam dois anos, dez horas por dia, em Espanha sem subsídio de Natal nem de férias. São dois dos 60 mil trabalhadores nacionais precários no estrangeiro
Em 2007, quando o trabalho nas obras faltou em Portugal, Nuno Filipe Pedrosa e o pai, António Jorge Pedrosa, decidiram partir para Espanha, com um suposto contrato assinado com uma empresa de recrutamento de mão-de-obra de Vila Nova de Gaia. Nuno, agora com 26 anos, ia ganhar um salário de 1 100 euros mensais como ajudante de pedreiro, com direito a casa, comida e viagens pagas de três em três meses ao seu País. O que lhe abria a perspectiva de poupar alguns euros para poder começar a vida com a sua companheira, depois de alguns meses em casa. O entusiasmo da conversa com o angariador, indicado por um vizinho, foi tal que nem leu bem o papel que lhe foi posto à frente para assinar. Um documento que dava à empresa o direito de o despedir sem direito a subsídio de desemprego.
Só percebeu isso quando, no final de 2008, foi despedido sem pré-aviso, nem subsídio. "Eu estava a gozar um período de férias de 15 dias em Portugal, tal como o meu pai e eles ao fim de uma semana disseram que nos vinham buscar porque precisavam de nós para trabalhar. Como tínhamos coisas para tratar dissemos que não poderíamos ir, a não ser no final das férias. E eles não nos vieram buscar mais nem disseram nada até hoje", explicou Nuno Filipe.
Nuno e o pai são apenas duas dos 120 mil pessoas que, pelas contas do Sindicato dos Trabalhadores da Construção do Norte, saíram nos últimos anos de Portugal para trabalhar em obras no estrangeiro. E fazem parte da metade, isto é, dos 60 mil, que o sindicato estima se encontrem em situação laboral precária. Ou seja, com contratos ilegais, ou sem contratos, sem direito a subsídios de férias, de natal ou de alimentação, tal como o DN divulgou na sua edição de ontem.
Da mesma forma inesperada, como Nuno e o pai, foram despedidos mais três dos 60 colegas portugueses com os quais partilhava a mesma casa, e o trabalho nas obras de uma construtora espanhola, no Pais Basco, para a qual o angariador português recrutava mão-de-obra.
Contudo, só ele e o pai apresentaram queixa no Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Norte, no início de 2009. Depois de ter tentado contactar o angariador na sua casa de Vila Nova de Gaia, sem êxito.
"Os outros três tiveram receio", afirma Nuno Pedrosa, trabalhador da construção desde os 16 anos. Agora, aguarda que o sindicato avance com o processo.
Durante os dois anos que esteve em Espanha, em que trabalhava dez horas por dia a reconstruir casas ou a criá-las de raiz, nem ele nem o pai receberam subsídio de Natal ou de Férias. "Vínhamos de férias, mas não nos pagavam", relata. Quanto à comida, adianta "muitos dias, se não fossemos ao supermercado passávamos fome". A dormida não era má e as viagens a Portugal de três em três meses eram feitas em carrinhas da empresa. Demoravam dez horas e decorriam entre o fim do dia de sexta e a madrugada de sábado. O regresso ao País Basco era ao Domingo, ao fim da tarde. "Quase não dava para descansarmos ou estar com a família".
Depois daquela experiência, o jovem de Vila Nova de Gaia garante que não quer ter outra no estrangeiro. Está a trabalhar cá a ganhar metade do que ganhava em Espanha, através de uma empresa de trabalho temporário, mas tem direito a todas as regalias.
São estas situações que preocupam não só os sindicatos do sector mas também a Autoridade para as Condições de Trabalho, tal como admitiu o Inspector-geral do Trabalho, Paulo Morgado de Carvalho. Situações que se verificam com emigrantes portugueses a trabalhar na construção na Bélgica, em França, na Suíça ou em Espanha. Outro aspecto preocupante são a viagens regulares destes trabalhadores de e para Portugal aos fins-de-semana e em férias. Longas caminhadas percorridas em carrinhas das empresas para as quais trabalham sem controlo das horas de descanso dos motoristas que as conduzem. Motivos que de acordo com o sindicato dos trabalhadores da construção do Norte estão na origem de muitos dos acidentes que já vitimaram vários emigrantes portugueses.
Por isso, o sindicato apresentou ontem em conferência de imprensa algumas medidas que podem reduzir a sinistralidade nestas viagens (ver texto em acima). E vai solicitar reuniões com o ministro do Trabalho e da Solidariedade, bem com o Inspector-geral do Trabalho para discutir outras.
O objectivo é que estas entidades preparem contactos com os seus congéneres, nomeadamente franceses, - porque em França estão neste momento cerca de 20 000 emigrantes portugueses no sector - para que sejam tomadas medidas concertadas para evitar os acidentes.
DN Portugal, aqui.