Entrevista realizada por telefone, 20 de Janeiro de 2011, por Cláudia Pereira.
Observatório da Emigração (à frente OEm) - Podemos começar por saber o que a levou a estudar a emigração portuguesa para a Grã-Bretanha, mais especificamente na ilha de Jersey.
Jaine Beswick (à frente JB) – Quando comecei a trabalhar como docente na universidade de Southampton, na costa sul de Inglaterra, convivi com falantes de português vindos das Ilhas do Canal e comecei a questionar-me sobre a importância dos portugueses em Jersey. Apercebi-me do enorme grupo de falantes de português - não só em Jersey, mas em todas as ilhas do Canal -, e vi que não havia muitos estudos sobre eles. Comecei então a minha investigação sobre os portugueses e foi muito interessante ver as razões históricas da sua ida para Jersey, tal como a razão de terem emigrado tantos. Eu já sabia falar português e galego, tinha conhecimentos sobre eles, ao nível social, económico, linguístico, e das suas migrações. O projecto de investigação sobre os portugueses começou por ser focado em Jersey e outras ilhas, mas foi alargado posteriormente para toda a costa sul da Inglaterra. Aliás, em 2007 tive a oportunidade de ser envolvida num projecto de maior dimensão financiado pela União Europeia com a intenção de apoiar uma rede internacional de investigação sobre o multilinguismo na Europa, o LINEE (Languages in a Network of European Excellence). A minha equipa investigou a participação económica e social dos portugueses e polacos, bem como as suas práticas de integração. Acabámos por nos focar mais nos portugueses, tanto em Jersey, como em Southampton.
OEm - Pode destacar os pontos principais dos projectos que desenvolveu sobre os emigrantes portugueses?
JB – Sim. Basicamente, estávamos muito interessados nos tipos de trabalhos que os portugueses têm na ilha. Queríamos também analisar as oportunidades que os portugueses tinham para melhorar as suas condições a nível profissional e qual o impacto no seu espaço de trabalho. Um outro objectivo era, por um lado, pesquisar se os portugueses que falavam inglês ou outras línguas eram beneficiados em termos profissionais, e por outro, perceber se os que não sabiam inglês estavam motivados para aprender. Muitos dos portugueses de Jersey são da Madeira e queríamos também analisar se eles tinham intenção de retornar. Uma das conclusões do projecto é que muitos portugueses não têm competências linguísticas no inglês e que isso afecta as suas oportunidades de trabalho e a sua participação social.
OEm - A que é que se refere exactamente por participação?
JB – Muitos dos portugueses têm empregos pouco qualificados, trabalhando na construção civil, nas cozinhas dos hotéis, nas limpezas, onde convivem com portugueses e sentem pouca necessidade de aprender inglês. O outro problema é que a primeira geração de portugueses vive numa pequena área da capital de Jersey onde está instalada toda a comunidade, com as lojas de portugueses, os seus cafés, clubes sociais, onde não há necessidade de falar inglês. Até as crianças da segunda geração, que foram para a escola e aprenderam inglês, nunca falaram muito bem a língua porque moviam-se nos espaços dos pais onde não era necessário falar inglês. Eles arranjaram empregos nessa área geográfica e integraram-se muito bem porque não sentiram a necessidade de falar bem o inglês. O governo de Jersey fez um esforço muito grande para oferecer aulas de inglês aos portugueses, de modo a poderem melhorar as suas condições de vida, entre outro tipo de iniciativas.
OEm - Que outras iniciativas teve o governo de Jersey para melhorar as condições dos portugueses?
JB – Deu-lhes a oportunidade de frequentar aulas se focavam principalmente nas competências linguísticas para poderem evoluir nos trabalhos que tinham ou aceder a outros empregos que exigiam o conhecimento de inglês. Para além disto, o governo disponibiliza tradutores de várias línguas, entre as quais o português, para os residentes poderem aceder aos diversos serviços sociais, tanto por via telefónica, como presencial.
OEm - Os portugueses frequentavam essas aulas?
JB – Infelizmente a maioria não frequentou. Os que assistiram queriam melhorar as suas condições de vida e a dos seus familiares, e aprender inglês ajudou-os imenso nesse sentido. Uma parte da segunda geração dos portugueses alcançou algum sucesso porque continuaram os estudos e tiveram acesso a melhores empregos e, mesmo já tendo nascido na ilha de Jersey, alguns ainda se consideram madeirenses. Uma outra parte da segunda geração continua com empregos pouco qualificados e escassas possibilidades económicas. Um português que eu conheço, advogado, tal como outros portugueses da segunda geração com empregos qualificados, continua a sentir-se português, a sua identidade é portuguesa, fala português com os seus familiares, mas no trabalho fala sempre inglês. Eles sentem-se completamente integrados, dizem que "esta é a minha casa, eu vivo com a minha família aqui". O que nós analisámos é que muitos dos portugueses cá instalados, apesar de nunca terem aprendido inglês, sentem-se em casa. Os portugueses têm uma comunidade muito integrada em Saint Helier e muitos não demonstraram intenção de fazer parte da restante comunidade de Jersey e infelizmente não há nenhuma gratidão para com os portugueses, que ajudaram a economia do país, comparativamente com os polacos, por exemplo. Todavia, os polacos vieram para Jersey já a saber falar inglês.
OEm - Isso é uma grande diferença entre os portugueses e os polacos?
JB – Muitos polacos também não se mostram dispostos a se integrar na restante comunidade local e não escondem que vieram para Jersey para ganhar dinheiro. Falam inglês para ter emprego e procurar ter a família junta, tencionando depois retornar ou ir para outro país. Geralmente mantêm boas relações com a população local por serem aceites devido ao seu conhecimento da língua dominante. Pelo contrário, os portugueses são mais tolerados que aceites. Por exemplo, há uma senhora que está na ilha há 25 anos e tem uma empresa de limpeza, o seu inglês é limitado e sabe apenas cumprimentar as pessoas, como "olá", "está boa", etc., mas isso não importa porque todas as pessoas que ela emprega são portugueses. As famílias que contratam a empresa de limpeza dela sabem disso e comunicam por gestos e algumas palavras, e, de facto, o sistema funciona bem assim. É muito interessante ver como a língua na maioria das vezes é um obstáculo para a melhoria da sua situação profissional, mas nem sempre.
OEm - Essa foi uma das grandes conclusões do vosso projecto...
JB – Sim. Uma outra conclusão a que chegámos foi sobre o retorno. Quando falámos com os portugueses, muitos dos mais idosos disseram que continuavam em contacto com os familiares na Madeira e que queriam voltar para lá. No entanto, muitos madeirenses não voltaram para a Madeira porque sentem que não têm nada para mostrar, em termos de bens materiais. Por exemplo, têm uma casa que não foi acabada, sem aquecimento, e em Portugal também faz frio no Inverno... Mesmo entre aqueles que retornaram, observámos casos de portugueses que voltaram novamente para Jersey, dizem que já não são as mesmas pessoas de quando saíram da Madeira e, por isso, não conseguem lá viver. O que foi interessante ver é que uma das razões para manterem a sua identidade portuguesa tão forte é não terem encorajado os filhos a aprender inglês porque, segundo eles, um dia todos vão voltar para a Madeira.
OEm - Apesar de os filhos andarem na escola inglesa...
JB – Na minha opinião, acho que há muitas pessoas que devagarinho estão a tomar consciência que nem eles nem os filhos vão um dia voltar para a Madeira.
Na terceira geração de portugueses, crianças ainda, torna-se mais fácil uma forma de integração, há mais esforço dos pais para que os filhos se integrem e as crianças falam melhor inglês. No entanto, em termos de balanço, é sempre frisado que não devem perder as raízes, nem a identidade, nem a língua dos pais; integração não significa o mesmo que assimilação. Os portugueses em Jersey são muito reticentes a desistir da língua portuguesa e, embora seja um factor de identificação, às vezes impede as crianças de alcançarem objectivos mais altos e representa um enorme esforço para o governo, para além de que muitas crianças portuguesas têm más notas na escola e são relegadas mais tarde para trabalhar em empregos onde recebem salários baixos. Como Jersey não pertence à União Europeia (faz parte das ilhas britânicas, mas não do Reino Unido), há regras rígidas na ilha no que diz respeito ao emprego e residência; por exemplo, é difícil comprar casa, daí que a grande maioria dos portugueses viva em casas alugadas, às vezes, partilhadas com outras pessoas.
OEm - Mesmo estando lá há muitos anos continuam a partilhar a casa que alugam com outras pessoas?
JB – Sim. Mas eles parecem contentes, é muito interessante ver que alguns portugueses dizem que podiam voltar para a Madeira, já que a sua situação melhorou um pouco, mas devido aos filhos agora não querem voltar. Por outro lado, há a situação económica da ilha, continua a haver muito trabalho para eles nos trabalhos pouco qualificados e eles não têm motivo para sair. Se o trabalho acabar, provavelmente os portugueses vão-se embora. É interessante analisar que quando os polacos chegaram, cerca de 2004, muitos portugueses sentiram os seus empregos ameaçados e faziam comentários como "os polacos vieram para cá e agora vão tirar-nos os nossos empregos, ainda por cima falam inglês, o que é que nós vamos fazer?". Alguns começaram logo a reagir, dizendo que iam começar a aprender inglês para poderem competir com os polacos. Passados cinco anos, o que aconteceu é que os polacos foram para outro país ou voltaram para a Polónia ou, ainda, porque muitos têm bastantes qualificações escolares, conseguiram aceder a empregos qualificados, trabalhando como médicos, enfermeiros, entre outros. Portanto, os trabalhos pouco qualificados estão novamente disponíveis para os portugueses. Na minha opinião, os portugueses na ilha estão estabilizados. Há alguns que vêm e voltam mas, em termos gerais, o número de portugueses na população da ilha é estável.
OEm - Pode dizer-me a data em que decorreu este projecto?
JB – De Maio de 2008 a Novembro de 2009, e teve como título "Economic participation, language practices and collective identities in the multilingual city". Depois de termos terminado este projecto, tínhamos ainda muitos dados recolhidos por analisar e tantas ideias, que começámos a publicar artigos sobre política e ideologia, referentes à questão da língua (Hilmarsson-Dunn, A., Beswick, J., Ille, K., Jernej, M., Sloboda, M., and Vasiljev, I., Language use and employment opportunities of economic migrants in Europe. Policy and Practice, In P. Stevenson ed. Multilingualism in contemporary Europe: challenges for policy and practice, Special Issue, European Journal of Language Policy (EJLP), 2, (2), 2010, 205-228). Há ainda um outro artigo para sair brevemente (Beswick, J., Ideology and language: assumed and authentic linguistic practices of Portuguese migrants in British workspaces, In E. Barat, J. Nekvapil, P. Studer eds. Ideological Conceptualisations of Language: Discourses of Linguistic Diversity. Special Issue Prague Papers on Language, Society and Interaction, Frankfurt am Main, Peter Lang, in press 2011).
Foi também muito importante ter recebido o prémio da Société Jersiaise (Millennium History Grant), uma organização de Jersey muito interessada no meu trabalho, que me permitiu continuar a pesquisa sobre as migrações em Jersey e o seu contexto histórico desde a II Grande Guerra Mundial. Como o financiamento não é muito significativo, estou agora a tentar obter outros financiamentos para poder continuar.
OEm - Quais foram as suas principais conclusões nos artigos das políticas e práticas dos usos da língua?
JB – Na LINEE, eu fui muito privilegiada pela equipa que tinha a trabalhar comigo, particularmente uma investigadora, a Amanda Hilmarsson-Dunn, que escreveu grande parte do artigo acima mencionado (Language use and employment opportunities of economic migrants in Europe. Policy and Practice). O relatório da Comissão Europeia sobre a integração dos imigrantes refere que a língua materna deveria ser mais valorizada, destacando, no entanto, que a língua e as competências interculturais aumentam as oportunidades de se ter um melhor emprego. Neste sentido pode colocar-se a questão de qual a língua associada ao imigrante no local de trabalho, por exemplo. Nós focámo-nos nos imigrantes portugueses e polacos em Jersey, o facto é que podemos olhar as políticas da língua de ângulos muito diferentes, porque pode falar-se da política europeia, da política nacional em termos de Jersey ser parte da Grã-Bretanha, da própria política de Jersey, entre outros. Em relação a Jersey, pode perguntar-se a que é que nos referimos quando falamos das políticas da língua a partir dos próprios falantes. Esta ideia levou-nos a várias questões dos próprios imigrantes, na medida em que as suas ideologias, as suas políticas e as suas percepções, têm grande influência no acesso aos empregos. Uma das nossas conclusões é que, apesar de a língua ser importante, é necessário ter em conta todos os factores como, por exemplo, a trajectória histórica da emigração do país do indivíduo, as suas qualificações escolares e o facto de a política nacional reconhecer, ou não, as competências multilinguísticas. Eu conheci muitos portugueses que trabalham no sector do alojamento turístico e falam espanhol e francês, sendo que é uma grande vantagem para um recepcionista falar três línguas. Contudo, dizem-lhes muitas vezes que o francês deles não é suficientemente bom. Eu falo francês e espanhol e vejo que eles dominam as duas línguas bastante bem, e é curioso analisar que estes comentários não vieram apenas de falantes de inglês mas, também, dos próprios falantes de português; e muitos patrões portugueses não os quiseram. Na minha opinião esta questão tem de ser analisada. Os portugueses com esses conhecimentos sentem-se muito frustrados porque, depois de todo o trabalho a aprender essas línguas, ninguém lhes dá emprego e acham que não vale a pena investir mais na aprendizagem. É muito difícil sentirem-se motivados para alterar a sua situação. Em Jersey é muito difícil arranjar trabalho se não se souber inglês e foi muito difícil para os portugueses aceitar esta situação, sentem que por não saberem bem inglês é como se não soubessem nada. Eles sabem um pouco de inglês, mas o facto de saberem outras línguas é quase irrelevante no mercado de trabalho, estas capacidades linguísticas não são valorizadas.
OEm - Está também num outro projecto, "Migrant Identities and Linguistic Practices. A Comparative Study of UK South Coast Spanish and Portuguese Communities"...
JB – Sim, esse refere-se à investigação na cidade de Bournemouth, que é também capital do condado de Dorset, no litoral sul de Inglaterra, perto de Southampton. Eu fiz muita pesquisa numa escola primária nessa cidade, onde havia muitos alunos portugueses, britânicos, bem como de muitas outras nacionalidades. Um colega meu conduziu uma pesquisa semelhante entre os migrantes que falam espanhol em Bournemouth, numa área geográfica muito circunscrita, onde vivem muitos imigrantes. Há alguns anos atrás começámos a olhar para todo o nosso trabalho e a ver quais as comparações que poderiam ser feitas, as diferenças e as semelhanças que poderiam ser estabelecidas, e foi disso que falámos num artigo. Chegámos à conclusão que os imigrantes espanhóis querem tornar-se invisíveis, integrar-se, e encontraram a forma de o fazer: aprendendo inglês. Desta forma, eles escondem a sua etnicidade, não se evidenciando por falar espanhol, já que normalmente falam inglês.
OEm - Os imigrantes espanhóis assim conseguem integrar-se melhor...?
JB – Sim. Eles deixaram uma determinada área para viver numa outra, menos marcada por imigrantes; há muitos mais casamentos interculturais entre eles, de espanhóis com locais; o tempo da migração tem também um papel muito importante (os espanhóis são de uma migração anterior aos portugueses). Em contrapartida, quanto aos imigrantes portugueses há muito convívio apenas entre eles, são uma comunidade em que vivem muito juntos, em que o inglês não tem um papel predominante. As crianças portuguesas têm de aprender inglês nas escolas, e é interessante ver que os pais de muitas das crianças que entrevistei queriam que os filhos aprendessem inglês, para poderem ajudá-los quando precisassem de ir aos médicos, funcionando como mediadores. Os portugueses são muito visíveis, há lojas portuguesas para eles irem, cafés portugueses, eles são vistos como uma etnia.
OEm - Os portugueses são representados pelos britânicos e outras nacionalidades como um grupo étnico?
JB – Os portugueses são muito visíveis. As pessoas locais sabem a área onde portugueses vivem e sabem que há cá muitos portugueses. Claro que agora há pessoas de muitas nacionalidades a viver cá, mas os portugueses são um grupo bastante grande e visível. É curioso que dei algumas conferências em Portugal e houve várias pessoas a dizer-me que não sabiam que havia tantos portugueses em Jersey e em Southampton - daí a ideia para o livro editado acima mencionado. Tenho também um colega, o catedrático David Corkill, que trabalha sobre os portugueses no este de Inglaterra. Há também portugueses de uma emigração anterior, no norte da Irlanda. Nós analisámos que as comunidades de portugueses são muito unidas, vivem muito entre elas, acho que eles precisam desse sentido de comunidade.
OEm - Falou da primeira geração de portugueses, pode dizer a partir de quando é que eles foram para Jersey?
JB – Os primeiros imigrantes portugueses eram muito poucos. Embora houvesse alguns portugueses na ilha durante a primeira parte do século XX, a emigração propriamente dita para Jersey começou no final da década de 1950, com a chegada de madeirenses para trabalhar em ocupações sazonais na agricultura, nas fábricas e no sector do trabalho doméstico. Uma delegação de Jersey na Madeira convidou portugueses para virem trabalhar para cé. Depois de os trabalhadores portugueses virem, trouxeram mais tarde as mulheres e os filhos, o que aconteceu principalmente na década de 1980. Nesta altura houve mais portugueses a trazer as famílias para Jersey devido a uma alteração na lei que facilitou o acesso ao alojamento e ao emprego.
OEm - Há alguma outra característica dos imigrantes portugueses de Jersey que gostasse de destacar?
JB – Acho que os portugueses têm pouca consciência da sua visibilidade, das percepções que os outros grupos têm sobre eles. Quando vou ter com eles, sento-me numa das praças principais a beber café, enquanto observo os turistas, que obviamente não sabem nada sobre os portugueses que vivem em Jersey, bem como sobre os polacos ou os outros grupos que habitam na ilha. Observo os portugueses a falarem em português enquanto vão para o trabalho, sem qualquer tipo de preocupação por estarem a falar nesta língua. Os polacos têm um comportamento diferente e ao ouvirem os portugueses a falar já os ouvi a comentar, "pensava que a segunda língua deste país era o francês" [e não o português, como parece por ser tão falado*]. A verdade é que o francês é falado por menos de quatro por cento da população e, se em termos oficiais vivem cá cerca de 5.000 portugueses, achamos que, de forma não oficial, os falantes de português são oito ou nove por cento da população. O governo está a fazer um enorme esforço para ajudar as comunidades multilinguísticas e, como os portugueses são o maior grupo entre os imigrantes de Jersey, são eles quem tem tentado ajudar mais. Não há qualquer menção aos portugueses nas brochuras turísticas, e pouca nas referências históricas, o que leva a traçar um retrato de Jersey que não corresponde ao que é realmente. É sobre isso que eu quero escrever.
OEm - Mencionou já algumas das ocupações em que os portugueses tradicionalmente trabalharam. Sabe que profissões têm eles actualmente?
JB – Sim. Há muitos portugueses no sector da hotelaria, a trabalhar nas limpezas, nas cozinhas, nas recepções, nos restaurantes, nos cafés. Muitos trabalham na construção civil. Normalmente, ocupam-se de trabalhos manuais, pouco qualificados, alguns estão empregados na agricultura. Há cada vez mais portugueses, da segunda e terceira geração, que têm ocupações bastante diferentes, estou a pensar nos que trabalham na função pública, em empregos qualificados. Há uma rapariga que veio para Jersey, com 16 anos, sem saber falar inglês, e é um exemplo do que se pode conseguir com esforço: ela trabalha agora com um médico cirurgião e já foi recepcionista. Esta portuguesa frequentou as aulas de inglês e aprendeu imenso, agora é também intérprete e o inglês dela é tão bom que já lhe ofereceram outros empregos. Portanto, há portugueses que se esforçam por aprender bem o inglês e que são recompensados com bons empregos. Conheço uma portuguesa que está agora a trabalhar em Londres como professora de crianças portuguesas que são uma grande comunidade. Ela conseguiu o emprego porque sabe português e inglês, consegue perceber as questões das crianças e integrá-las num novo ambiente que lhes pode parecer violento sem saberem a língua inglesa.
OEm - Contudo, a maioria dos portugueses trabalha em empregos pouco qualificados...
JB – Sim, sem dúvida. Conheço portugueses que ou estão ainda a trabalhar na agricultura ou nos serviços dos hotéis.
OEm - Comparou os portugueses com os espanhóis, e com os polacos?
JB – A grande diferença entre eles é que a maioria dos polacos que vieram para Jersey já sabia falar inglês e estava preparada para aceitar as leis de residência e emprego na ilha. Os polacos não se interessam por criar uma comunidade local, no sentido de falarem polaco uns com os outros ou irem a cafés polacos. A maioria dos polacos ainda fala polaco entre eles, mas, apesar de não se interessar por se integrar totalmente na comunidade local, a maioria só fala inglês na rua, afirmando que não quer que as pessoas saibam que eles são polacos. Em termos físicos, não se consegue perceber que eles são polacos e passam por ingleses, tornando-se invisíveis (ao contrário dos portugueses). A nossa investigação permitiu também analisar que as mulheres polacas, principalmente, queriam voltar para a Polónia, viam a estadia delas em Jersey como uma oportunidade para ganharem dinheiro e depois poderem voltar para casa. Há dois grupos de polacos na ilha: os que vieram com qualificações escolares e têm empregos nos serviços e os outros que são trabalhadores sazonais na agricultura. Apesar de estes últimos terem também qualificações escolares elevadas, como queriam viver na cidade aceitaram os trabalhos imediatamente disponíveis, para poderem ir para o Reino Unido, Canadá ou voltar para a Polónia. Daí, que tentassem trabalhar na cidade porque passados cinco anos podem tentar aceder a empregos de acordo com as suas qualificações. Esta á a grande diferença. Quando falei com os polacos que chegaram à ilha há cerca de seis ou sete anos, eles começaram logo por dizer que não queriam ficar cá muito tempo, estavam cá para ganhar dinheiro e falavam inglês porque era um meio de atingir o seu fim, voltar para casa ou ir para outro sítio. Muitos dos polacos que entrevistámos há dois anos já saíram da ilha, a maioria para a Polónia.
OEm - Portanto, querem voltar rapidamente para casa. Desde quando é que eles estão em Jersey?
JB – Os polacos chegaram cerca de 2004. Eles foram recrutados através de agências de emprego da ilha, que tinham delegações em determinadas cidades da Polónia, e convidaram polacos para vir trabalhar para Jersey.
OEm - Há mais algum aspecto da sua investigação que gostasse de destacar?
JB – Tenho vários dados recolhidos e que ainda não tive tempo de analisar. Acho fascinante a segunda geração de portugueses ter nascido na ilha, falar inglês, ter bons empregos, sentindo-se parte de Jersey mas, quando se lhes pergunta se são de Jersey ou ingleses, eles respondem que são portugueses. Os portugueses sentem-se ligados a esta identidade étnica. Por exemplo, quando falo com as crianças (já da terceira geração) e lhes pergunto se falam português, elas respondem imediatamente que sim, foram educadas a falar português, é isso o que elas são, é de onde pertencem. A língua adquiriu um valor simbólico para eles. Os portugueses que têm entre 20 a 30 anos nasceram já em Jersey, falam inglês no trabalho, têm bons empregos, e estão num ambiente internacional; mas continuam a dizer que são portugueses, gostam dessa identidade, é o que sentem que os continua a definir, o que eu acho muito interessante.
* Nota de edição.
Como citar Pereira, Cláudia (2011), "Os portugueses são o maior grupo entre os imigrantes de Jersey. Entrevista a Jaine Beswick", Observatório da Emigração, 20 de Janeiro de 2011. http://www.observatorioemigracao.pt/np4/4699.html