Entrevista realizada em Leiria, 27 de Outubro de 2009, por Filipa Pinho, revista para publicação em novembro de 2018.
Também disponível em PDF na série OEm Conversations With.
Observatório da Emigração (à frente OEm) – Qual foi o percurso que o conduziu ao estudo da emigração portuguesa para a Suíça?
José Carlos Marques (à frente JCM) – O meu percurso está muito ligado à emigração. Eu próprio sou filho de pais emigrantes na Alemanha, foram parte daquela vaga a que se chama Gastarbeiter (trabalhadores convidados), na década de 1960. Eu fui um pouco mais tarde, com quatro anos, fiz lá grande parte do meu percurso escolar, até ao 9.º ano. O meu pai foi o primeiro a emigrar, o caso tradicional em que primeiro migrava o indivíduo do sexo masculino, a seguir o do sexo feminino e a restante família. Depois eles voltaram, aproveitando as ajudas de estímulo ao regresso dadas pelo governo alemão, nos anos 1980, numa altura em que o mercado de trabalho estava mais débil. Eu prossegui os estudos em Portugal. Fiz licenciatura, mestrado e doutoramento e, já no mestrado, enveredei pelo estudo da emigração. Também sobre a emigração portuguesa para a Suíça, um fluxo que não era conhecido, sobre o qual não havia estudos, só pequenas notas e pequenos artigos, mas não sobre a constituição do fluxo e sobre as características da população portuguesa na Suíça. Por isso é que me dediquei a estudá-lo. O meu interesse inicial era, por razões óbvias, estudar a emigração portuguesa para a Alemanha. Mas como já havia alguns estudos sobre esse fluxo, na altura, em conversa com a minha orientadora, Maria Baganha, ela propôs-me que eu estudasse a Suíça. Era um fluxo novo e o estudo dessa emigração daria quer para fazer o mestrado, quer para seguir depois para doutoramento, caso eu o pretendesse. Foi o que veio a acontecer.
OEm – E a tese de mestrado é de quando?
JCM – Falei com a Maria em 1995-1996, fiz o trabalho durante o ano de 1996 e entreguei-o em 1997. Depois fui diretamente para doutoramento. A tese de mestrado era um estudo muito descritivo: como os portugueses começaram a ir para a Suíça. A tese de doutoramento já foi mais aprofundada, com uma parte de análise longitudinal em que comparei a evolução dos portugueses emigrados ao longo do tempo. Ou seja, analisei duas coortes: os portugueses que entraram pela primeira vez na Suíça em 1981, e os que entraram pela primeira vez em 1985. Acompanhei esses dois grupos até 1997, analisando as alterações demográficas, no estado civil, mudanças de profissão, mudanças de residência, etc., sobretudo, no plano estatístico. Utilizei uma base de dados do Registo Central de Estrangeiros da Suíça, que tem essa informação toda atualizada quase mensalmente. Todas as alterações importantes que são feitas pelos imigrantes têm que ser registadas num formulário próprio e comunicadas às entidades cantonais, que por sua vez as comunicam à entidade que gera essa base de dados. Entre 1981 e 1997, eram dados muito volumosos que continham informação sobre os imigrantes que me interessava estudar e todos os outros imigrantes que não faziam parte dos grupos que eu estava a estudar, portanto tive de os filtrar para poder trabalhar.
OEm – O seu doutoramento é de quando?
JCM – É de 2006.
OEm – Desde quando é que há emigração para a Suíça?
JCM – Pelo menos desde a década de 1960. Antes disso, os registos estatísticos não permitem detetar, com segurança, a presença de portugueses. A primeira vez que eles surgem nas estatísticas é no Censo de 1960, onde há cerca de 400 portugueses. Era uma comunidade muito reduzida, alguns refugiados por causa dos problemas políticos que existiam em Portugal, mas certamente também emigrantes económicos, no sentido tradicional. Depois, o número aumentou ligeiramente e, até meados dos anos 1970, chegamos aos 6,000 imigrantes portugueses na Suíça. A partir daí começa a aumentar a um ritmo mais intenso, com particular incidência depois da crise de 1973-74 e a partir de meados dos anos 1980. Entre 1984 e 1991 é o período áureo da emigração portuguesa para a Suíça, quando entram à volta de 54 mil portugueses por ano. Muitos são emigrantes sazonais, cerca de 40 mil no referido período, o que significa que trabalham durante nove meses e depois regressam a Portugal, mas passados quatro anos de trabalho efetivo podem aspirar a outro tipo de residência e tornam-se imigrantes permanentes ou imigrantes anuais.
OEm – Não é uma emigração contemporânea da que se dirige à Alemanha, aliás começa quando a outra tem tendência para estabilizar. Será que a Suíça é, de alguma forma, um destino de substituição?
JCM – É curioso verificar que a Suíça, estando perto da Alemanha e perto da França, foi sempre marginal a esse grande movimento intraeuropeu português da década de 1960 e início da década de 1970.
OEm – Encontrou alguma explicação para isso?
JCM – Julgo que tal se explica pelo facto de, primeiro, os portugueses não terem conseguido desenvolver nesse momento uma rede forte de migrantes que servisse para sustentar o fluxo migratório através da chamada dos seus familiares. Depois, o mercado de trabalho helvético estava preenchido com outra força de trabalho estrangeira, nomeadamente com italianos e espanhóis e não havia espaço para os portugueses. Só quando essas duas comunidades começaram a decrescer de importância, quer porque mudaram para empregos mais bem qualificados, quer porque regressaram aos seus países de origem, é que a Suíça teve necessidade de encontrar outras regiões de recrutamento. Isso é perfeitamente claro nos documentos oficiais helvéticos, nos quais é referida a dificuldade em recrutar trabalhadores italianos ou espanhóis e a necessidade de estender as regiões de recrutamento a outros países, neste caso Portugal, Turquia (em menor número) assim como a alguns ex-jugoslavos, na altura da fragmentação da Jugoslávia. Há uma passagem, num dos documentos helvéticos que é discutido no parlamento, na década de 1960, onde é referido que “deve ser limitado o recrutamento de indivíduos que apresentem maior distância cultural em relação aos hábitos de trabalho, aos costumes e normas helvéticas”. Neste documento, os espanhóis e italianos não são referidos, mas são-no os turcos, gregos e portugueses. É curioso que, passados 15 anos, esse princípio tenha deixado de se aplicar, por causa das necessidades do mercado de trabalho. A política de imigração helvética foi durante muitos anos determinada sobretudo pelas exigências do mercado de trabalho. Por isso, e também por alguns receios de “sobrestrangeirização” da população residente na Suíça, é que se criaram estatutos como o sazonal, precisamente para as exigências dos sectores económicos que precisam de mais mão-de-obra em determinados momentos do ano: hotelaria, construção civil e outros semelhantes.
OEm – Falou no recrutamento. Houve recrutamento ativo por parte dos governos?
JCM – Sim. Houve uma empresa de recrutamento privada, com autorização das autoridades empresariais helvéticas, que inicialmente funcionava em Espanha, com sede em Madrid. Os portugueses vieram a saber da existência dessa agência e propuseram-se à mesma, e esta depois fazia o processo de seleção e a tramitação normal do processo. Na década de 1980, a empresa estabeleceu um escritório em Lisboa para recrutar força de trabalho portuguesa. E o estado português também interveio neste processo através da seleção dos candidatos, do anúncio das oportunidades de emprego e dos chamados contratos-escola. Os contratos-escola eram contratos que associavam ao emprego, geralmente na hotelaria, a formação em línguas e nas tarefas básicas da hotelaria. Eram um estágio remunerado em hotelaria. Ainda há muitos processos na Secretaria de Estado das Comunidades sobre portugueses que foram selecionados e recrutados. Eram contratos-escola helvéticos com portugueses ou com espanhóis, destinados, precisamente, aos futuros imigrantes. Porque eles iam com contratos-escola e muitos acabavam, depois, por ficar com outro tipo de contrato. Este processo é interessante de ser estudado. Eu fui procurar esses documentos e notei que uns estavam numa parte, outros noutra e outros tinham já ido para o arquivo. É um manancial de informação que seria importante aproveitar para um conhecimento mais profundo da emigração portuguesa.
OEm – Eram acordos bilaterais entre o estado português e a Suíça?
JCM – Sim, eu acredito que tenha havido um acordo desses, uma vez que era um instituto do Estado que participava no processo e, nalguns casos, quando era para a agricultura, vinha alguém da Suíça também participar da seleção. Um senhor que estava ligado a esse serviço disse-me uma vez que eles olhavam sobretudo para as mãos, para ver se essa pessoa vinha da agricultura ou se tinha apetência para trabalhar na agricultura. Não sei se efetivamente era assim ou não, apenas encontrei essa referência uma vez. Esses acordos ainda continuam,[1] ou seja, a possibilidade de realizar estágios e emprego continua atualmente no sector da construção civil. Neste sector há portugueses que realizam formação profissional no Porto, Braga, Vila Real, Seixal e Guarda, aprendendo métodos de trabalho helvéticos para depois mais facilmente se inserirem no mercado de trabalho respetivo: trata-se do designado Projeto Portugal, criado em 1987 em resultado de um acordo entre Portugal e a Suíça e que, pelo menos em 2008, ainda se encontrava em vigor.
OEm – Formação em métodos suíços de trabalhar… Interessante!
JCM – Sim. A formação é sobre métodos de trabalho, novas tecnologias de trabalho e segurança no trabalho. Tem a colaboração dos sindicatos, portanto trata-se de um acordo que existe entre as diferentes entidades, sindicatos e empresários, da área da construção civil. Porque os métodos de trabalho são diferentes e os próprios materiais de trabalho em Portugal e na Suíça apresentam algumas diferenças.
OEm – Sim…
JCM – Quem sabe muito disso é um antigo sindicalista, o Sr. Manuel Beja, curiosamente do maior sindicato suíço, e que tem uma secção responsável pelos imigrantes portugueses. É também um português, foi para a Suíça muito jovem, nos anos 1970, penso eu, e chegou ao topo da hierarquia do sindicato. Agora já está reformado, mas é alguém que sabe muito desses assuntos. Chegou a ser conselheiro da comunidade portuguesa.[2]
OEm – Como é que caracterizaria o tipo de emigração portuguesa para a Suíça? Qual o perfil dos migrantes?
JCM – O perfil é muito semelhante ao dos emigrantes que iam para a Europa nos anos 1960, ou seja, jovens ativos. Não é um fluxo tão masculinizado como aquele que foi para França e para a Alemanha, isto é, há uma grande participação feminina, mas que não surge como seguidora dos homens numa estratégia de reagrupamento familiar, sendo antes mulheres que vão de forma independente para a Suíça, muitas delas devido ao facto de a indústria hoteleira ter postos de trabalho para elementos femininos. E são mulheres solteiras, geralmente, porque é-lhes oferecido alojamento em unidades coletivas e isso não é muito propício a uma emigração de toda a unidade familiar. Este maior equilíbrio entre os sexos é uma das características que distingue este fluxo do que ia para França e para a Alemanha. Houve mesmo três anos em que o número de mulheres excedeu o dos homens que iam para a Suíça. Atualmente, o stock, isto é, o número de imigrantes portugueses a viver na Suíça, está mais ou menos equilibrado. Isto resulta das exigências do mercado de trabalho: não só mão-de-obra para a construção civil e para empresas identificadas para trabalhos de homens, mas também para os sectores dos serviços, da restauração e da hotelaria, os quais necessitam de pessoas do sexo feminino. De resto, domina o grupo etário dos 19 aos 39 anos, mas este tem vindo a perder importância ao logo dos últimos anos devido ao nascimento de crianças e ao progressivo envelhecimento do fluxo. Mas, ainda hoje, grande parte da população imigrante portuguesa na Suíça tem entre os 19 e os 45 anos. Os idosos ainda não estão muito presentes e não temos muita população reformada ou próxima da reforma (anda à volta de 1%). Um projeto que eu tinha, aliás, mas que também ainda não se chegou a concretizar, era o de estudar os portugueses próximos da idade da reforma, com as suas expectativas e as suas estratégias.
OEm – Tem que esperar mais uns anos, se calhar…
JCM – Não, era neste momento. Porque eles tomam as decisões agora. Muitos não esperam pela idade da reforma, tomam decisões quando têm 55 ou 60 anos sobre se ficam, se ou regressam a Portugal e muitos acabam por ficar porque depois têm a família toda na Suíça e não lhes compensa vir para Portugal porque têm de andar sempre para trás e para a frente por terem os seus netos e os seus filhos lá. Mas era um projeto interessante, o de saber o que os portugueses fazem e como tomam decisões quando se aproximam da idade de reforma, saber se aquele projeto que toda a vida afirmaram como temporário, na altura em que já têm disponibilidade para decidirem regressar a Portugal, saber se de facto o realizam ou não. Mas um dia estudarei isso. O grupo que também está a crescer é o das crianças. Há casais com dois ou três filhos que vão para a Suíça com dois ou três anos e fazem a escolaridade lá. Isso coloca problemas diferentes dos sentidos pela migração laboral clássica: a necessidade dos pais compreenderem o sistema educativo suíço, que também não é muito simples de ser compreendido porque cada cantão tem as suas especificidades. Depois, as pessoas mudam de um cantão para outro cantão e o sistema pode ser diferente, e se mudam de uma região linguística para outra os problemas são ainda maiores. A Suíça, como sabe, tem quatro regiões linguísticas. Há três línguas principais e uma que é só falada num parte do cantão dos Grisões, o romanche, falado por poucos, mas que é uma língua oficial juntamente com o italiano, o alemão e o francês. Alguém com escolarização na região francesa, se quer mudar para a região alemã encontra dificuldades acrescidas. Porque na escola aprendem francês e, mesmo que aprendam como segunda língua o alemão ou o italiano, é lhe muitas as vezes difícil frequentar um nível de ensino superior que funciona numa língua diferente da que aprenderam melhor. Este facto pode limitar a mobilidade dos portugueses e por isso o que se verifica mais é a mobilidade entre cantões numa mesma região linguística. O cantão italiano é só um, neste caso só mudando para outra região linguística. Houve um relatório, em 2007, de uma entidade oficial que supervisiona todo o sistema helvético, que afirmava que as crianças portuguesas não tinham muito sucesso por falta de cabeça (uma terminologia claramente infeliz). A questão foi suscitada porque estavam mais presentes nas escolas especiais, as quais são precisamente para as crianças que têm mais dificuldades em acompanhar o ensino normal. A percentagem de portugueses nessas escolas penso que era de 11%, na altura, enquanto na generalidade dos restantes imigrantes era de 6%. Afirmava-se, também, que Portugal não tinha elites na Suíça, o que não é totalmente verdade, há pessoas nas universidades. São é elites que não estão muitas as vezes próximas da restante imigração na Suíça, são mundos paralelos, é bastante evidente nos diferentes cantões.
OEm – Continuando na caracterização do tipo de migração, há pouco falou nos sectores em que se inserem, que são a hotelaria, a agricultura, restauração e…
JCM – E construção civil.
OEm – E quais são as profissões mais frequentes?
JCM – Geralmente as de menor qualificação. Pedreiros, serventes de pedreiro, calceteiros – sobretudo da região algarvia, há um grupo que foi para essas profissões na área da construção civil – trabalhadores das minas, mas não muitos, e profissões pouco qualificadas da agricultura e da hotelaria. Quando vigorava o estatuto sazonal, que era o tal que permitia a permanência na Suíça até nove meses, era claro quais eram as profissões que podiam ser exercidas. A própria lei dizia que só eram atribuídas autorizações de natureza sazonal às pessoas que fossem para os sectores da hotelaria, construção civil e agricultura, aqueles que têm características claramente sazonais. À medida que adquirem outro estatuto, nota-se que há uma mobilidade profissional, ou seja, saem da hotelaria e vão para outras atividades dos serviços, ou saem da construção e vão para a indústria ou para outras atividades. E, depois, quando adquirem o estatuto de permanente, também se nota novamente uma ligeira alteração nos sectores de atividade que ocupam. Mas continuam a ser dominantes os sectores da hotelaria e da construção civil entre os portugueses na Suíça.
OEm – Antes de emigrarem, os portugueses exerciam o mesmo tipo de profissões?
JCM – Alguns, sobretudo na área da construção civil, já eram pedreiros, porque, naturalmente, a exigência é outra, é difícil ser servente em Portugal e ir para pedreiro na Suíça. Apesar de ser considerada uma profissão pouco qualificada, exige um ofício. De resto, não existe uma ligação direta entre a profissão que exerciam em Portugal e a que exercem na Suíça. Há muitos que em Portugal têm determinado tipo de qualificações, por exemplo o 12º ano, mais recentemente também licenciados, que vão para a Suíça mas muito frequentemente não exercem as profissões de acordo com as qualificações que têm, inserem-se nas profissões onde há emprego, como a hotelaria, a construção civil, os serviços. Poucos são aqueles que conseguem uma equivalência direta. Muitos aceitam uma profissão menos qualificada e procuram depois vir a exercer uma atividade na sua profissão original. Outros não têm esta sorte, porque também é preciso ter alguma sorte e haver oportunidades de trabalho nessas áreas, que podem também ser as mais concorridas na Suíça, com os autóctones. Eu penso que por vezes se assiste mesmo a uma certa mobilidade descendente: aqui ocupam profissões de algum estatuto mas mal remuneradas. Aceitam na Suíça exercer profissões com menor estatuto social mas mais bem remuneradas. Eu outro dia estive a ver o acordo coletivo de trabalho para a hotelaria e a profissão mais baixa começa nos três mil e trezentos francos suíços, o que é o equivalente a aproximadamente dois mil euros. O custo de vida é mais elevado, mas fazendo a avaliação entre os custos e os benefícios, provavelmente compensa. Quando estão sozinhos, os portugueses emigrados conseguem um determinado nível de rendimento porque muitas vezes estão em alojamentos coletivos e enviam as suas poupanças para Portugal. Quando vai a família, os custos também aumentam com habitação própria, porque a renda é mais elevada, se tiverem filhos têm que suportar os custos com a roupa e com a alimentação e, naturalmente, a capacidade de poupança reduz-se, apesar de haver um outro membro da família que pode vir a trabalhar, o conjugue, no caso de encontrar emprego.
OEm – A sazonalidade é uma característica que é muito focada no caso da emigração para a Suíça. Ainda se verifica atualmente?
JCM – Hoje já não existe o estatuto de trabalhador sazonal. Com os acordos de livre circulação entre a Suíça e a União Europeia, aprovados em 2000, esse estatuto foi substituído por um que se designa "curta duração". Mas a função penso que é a mesma, é para estadias entre quatro e 12 meses, enquanto o estatuto anterior ia até nove meses.
OEm – Isso significa que atualmente quem queira trabalhar três meses não tem que pedir autorização?
JCM – Para trabalhar necessitam de um contrato de trabalho. Contudo, ao abrigo do regime de prestação de serviços, e segundo o que me disseram na última vez que estive na Suíça, há alguns empresários portugueses que contratam portugueses para ir trabalhar na Suíça (às vezes sem os devidos documentos).
OEm – Mas então considera que esse estatuto de curta duração já fez diminuir a sazonalidade que caracterizava a emigração?
JCM – Não, continua a haver. Os últimos dados que eu vi é que os portugueses, que eram os mais presentes no estatuto sazonal, continuam a ser os mais presentes naquele novo estatuto. Por isso, mudou-se o nome e alguns direitos associados, mas a função é praticamente a mesma. O que certamente mudou é que as autorizações de trabalho sazonal eram para sectores específicos e as autorizações de curta duração são para todos os sectores.
OEm – Há pessoas que vão, estão lá uns meses e voltam, depois vão outra vez e estão uns meses e voltam?
JCM – Antigamente dizia-se que a emigração sazonal era uma emigração permanente disfarçada. Era temporária, mas era disfarçada porque o que se aspirava era à permanência em território helvético. Mas como o estatuto de trabalhador sazonal não o permitia, então a pessoa ia com um estatuto temporário até ao momento em que pudesse adquirir o estatuto permanente. O que verifiquei é que havia as duas situações: havia pessoas que aceitavam ir durante quatro anos, por nove meses, para depois poderem aceder ao estatuto anual e havia pessoas que já eram trabalhadores sazonais há 12, 13, 14 anos e que não pretendiam adquirir um estatuto mais permanente, porque iam, vinham para Portugal, depois iam outra vez os nove meses e isso não era uma estratégia para obter um estatuto mais permanente, era um projeto de vida. Via-se muito na construção civil essa situação, e na hotelaria, em que as pessoas faziam uma opção consciente: em vez de estarem o ano inteiro na Suíça, o que traz outro tipo de custos, optavam por estar oito meses ou nove meses, e depois três ou quatro em Portugal.
OEm – Encontrou alguma correspondência entre a origem geográfica dos emigrantes cá em Portugal e as zonas de fixação de residência na Suíça?
JCM – Verifica-se, sim. Há uma povoação no Algarve, cujo nome não me recordo agora, que tem uma presença considerável no cantão de Zurique e todos faziam o mesmo, colocavam as pedras da calçada na povoação de origem. E foram uns 20 ou 30 para a cidade de Zurique através do efeito de rede. Há um outro caso, o da localidade de Zermat (cantão do Valais), onde 80% dos portugueses são de Castro Daire. Naturalmente, uns chamam os outros. Na região de Lausanne, por exemplo, há uma associação de emigrantes do Alentejo, apesar de o Alentejo não ser, geralmente, uma área de origem de movimentos migratórios externos de portugueses. Acontece é que podem inicialmente ir para uma região e depois dispersar-se mais pela Suíça. Mas esse efeito verifica-se em regiões específicas e há sempre situações em que é evidente que “aqueles portugueses são todos de determinado sítio”.
OEm – E na Suíça existe algum padrão de fixação que associe sectores de atividade, profissões, ou outra variável, a determinado cantão ou região linguística?
JCM – Há sobretudo uma diferença entre o antigo estatuto sazonal e o estatuto anual ou permanente. Os emigrantes sazonais iam muito para o cantão dos Grisões, que é um cantão muito turístico com forte indústria hoteleira e de restauração. Se compararmos depois os dados da localização dos imigrantes portugueses permanentes, aqueles que já estão há mais de um ano na Suíça, vemos que os Grisões já não surgem como um dos cantões principais de residência de portugueses. Depois vão para os cantões de Genebra, Vaud, Valais ou para Zurique, locais onde o mercado de trabalho é mais diversificado.
OEm – E onde há mais hipóteses de permanência…
JCM – E de inserção noutros sectores além da hotelaria, de acumulação de dois empregos, de realização de horas extraordinárias, tudo mais frequente em grandes cidades do que nos Grisões, em que as localidades são, em geral, de pequena dimensão. Há casos desses em toda a Suíça, mas dizer que os que vão para a parte francesa vão mais para a construção civil ou os que vão para a parte alemã vão mais para a hotelaria, isso não, não é assim tão linear.
OEm – E os emigrantes vão para a Suíça toda?
JCM – Há zonas de maior concentração. Os cantões principais são Genebra, Vaud, Valais, Zurique e Neuchâtel. Depois nos outros também há presença de portugueses, mas não tão forte como nos que acabei de referir. Depois, dentro dos cantões, ao nível dos distritos – unidades equivalentes aos nossos concelhos –, notamos que uns poucos distritos têm quase 50% do total da população portuguesa do cantão. Eles têm à volta de 180 distritos, mas em apenas 13 concentra-se mais de 50% da população portuguesa. São os distritos de Genebra e de Lausanne que têm a maior parte dos portugueses. É praticamente impossível andar um dia em Genebra sem ouvir falar português e sem ver lojas portuguesas, cafés portugueses, livrarias portuguesas, o que é interessante porque quem for para lá não precisa propriamente de saber francês, tem uma elevada probabilidade de ser atendido por alguém que seja português.
OEm – E há um mercado de trabalho português?
JCM – Os empresários que entrevistámos para um outro projeto, disseram-nos que tinham empregados portugueses, mas também espanhóis e italianos. Uma curiosidade relacionada com isso é que há muitos restaurantes que são atualmente detidos por portugueses, mas que muitas vezes não são virados exclusivamente para a comida portuguesa e são frequentados pela população em geral. São pizzarias que os portugueses adquiriram aos italianos, são restaurantes que já estavam estabelecidos e que os antigos proprietários decidiram vender e que os portugueses adquiriram e que, naturalmente, têm uma clientela mais vasta do que apenas o mercado português. O mercado português não é muito grande, os últimos números dizem que residem na Suíça aproximadamente 200 mil portugueses, número que inclui jovens e que se encontra mais ou menos disperso por toda a Suíça, portanto um negócio só virado para a comunidade portuguesa é muito limitado. O único que eu conheço é uma livraria em Genebra, a livraria Camões, que os suíços também frequentam, sobretudo os ligados à universidade, que sabem português e que gostam de ler as obras portuguesas. E é numa zona muito central de Genebra, junto à principal estação ferroviária, não é numa área urbana pouco central.
OEm – Em termos dos tempos da emigração, falou há bocadinho dos anos 1980, quando terá começado. Depois houve sempre continuidade ou houve fluxos situados em tempos diferentes?
JCM – Houve diferentes momentos, vamos dizer assim. De 1984 até 1991, houve um grande acréscimo, foi o período áureo da emigração portuguesa para a Suíça. Depois, houve um declínio devido à crise que se instalou na Suíça e que se prolongou até 1997/98. De 1997/98 até hoje voltou a haver um aumento considerável, mas não aos níveis anteriores da década de 1980. De tal modo que os portugueses são, atualmente, o segundo maior grupo em termos de crescimento, os primeiros são os alemães.
OEm – São vizinhos…
JCM – Não é uma questão de serem vizinhos, os alemães são vizinhos há muito tempo, mas só há relativamente poucos anos é que começaram a ir com maior intensidade para a Suíça. É por causa do mercado de trabalho alemão e porque o mercado de trabalho helvético é apetecível, os salários são mais elevados. Quando há concursos, por exemplo para professores na universidade suíça, os alemães concorrem sempre porque o salário é muito mais elevado na Suíça. E, como no caso da parte alemã, uma das condições é saber falar alemão, os alemães concorrem para esses lugares.
OEm – Estamos em segundo lugar…
JCM – Em termos de crescimento, sim.
OEm – Eu notei que, entre 2007 e 2008, os números oficiais revelam uma grande subida do stock da população portuguesa (naturalidade e nacionalidade), por comparação com os anos anteriores.
JCM – Eu penso que em 2001 o fluxo retomou a sua fase ascendente. E nessa fase inicial o mercado de trabalho demorou a recuperar e daí que a emigração portuguesa para a Suíça não tenha sido tão volumosa. O mercado de trabalho português também estava numa situação mais favorável e havia outros mercados de trabalho a atrair, como o inglês. A partir de 2007 o cenário mudou de figura: Portugal começa a entrar numa situação recessiva, os outros mercados de trabalho começam também a decair e volta a ressurgir a Suíça que, curiosamente, consegue manter um nível de crescimento razoável.
OEm – Portanto o fluxo está ativo?
JCM – Está. Muitos movimentos são para empregos temporários, sei de empresários portugueses que levam portugueses para trabalhar numa equipa e que passados uns tempos voltam para Portugal. Mas os dados oficiais indicam que a emigração para a Suíça está a crescer a um ritmo considerável.
OEm – Que motivações é que as pessoas lhe disseram ter para emigrarem para a Suíça?
JCM – Sobretudo razões económicas, o facto de em Portugal não conseguirem ter os meios suficientes para realizarem as suas aspirações. Muitos não se encontravam em situação de desemprego, tinham emprego em Portugal. Mas esse emprego não era suficiente para aquilo a que eles aspiravam, ou não encontravam futuro nesse emprego, ou viam que não podiam avançar e manter-se nesse emprego.
OEm – E a Suíça surge porque…?
JCM – Porque tinham lá a família, surgiu a oportunidade… Uns foram porque os pais ou os tios ou alguém veio nas férias e depois regressaram com eles para experimentar e acabaram por ficar. Uns foram mesmo de turismo experimentar como funcionava e, numa fase inicial, começaram a trabalhar irregularmente. Na década de 1980, quando a Suíça estava a crescer muito, ainda havia hipótese de trabalhar durante algum tempo informalmente e depois adquirir os papéis para a regularização. E há ainda os que vão por causa do reagrupamento familiar – têm lá o marido ou têm a esposa. Mas são sobretudo razões de natureza económica. Antes dos anos 70, ainda havia aqueles que iam por razões de natureza política, mas eram sempre muito poucos. E depois temos uma comunidade de estudantes e investigadores de doutoramento e de pós-doutoramento em Genebra, a trabalhar no acelerador de partículas (no laboratório europeu), que é uma comunidade ainda considerável e cujos motivos migratórios não têm muito a ver com razões de natureza económica dos restantes migrantes. O cônsul de Zurique até me disse uma vez que queria fazer uma reunião com todos aqueles que estavam em pós-doutoramento ou em doutoramento nas universidades da região de língua alemã porque tinha a noção que eram muitos, porque surgiam diversos pedidos de documentos lá no consulado e ele gostaria de reunir estes investigadores para conhecer melhor essa comunidade. É uma migração que passa muito ao lado da migração económica porque, geralmente, os percursos estão todos estruturados e não seguem as mesmas vias dos restantes migrantes. Por exemplo, quando fui como investigador convidado para a Universidade de Zurique, já tinha habitação, já tinha os documentos todos, só precisei de arranjar o transporte de Portugal para a Suíça. É completamente diferente de outro tipo de migração que envolve um processo muito burocrático que passa pelo registo no município, na polícia e essas coisas todas e que, para um imigrante que não domina a língua e para quem o país é totalmente estranho, é difícil se não tiver alguém que oriente ou que o acompanhe.
OEm – Já houve retorno significativo?
JCM – Há retornos quando há períodos de crise, quando as pessoas estão em situação de desemprego e vêm que não há melhorias num espaço de tempo que elas consideram adequado. Mas é sempre um retorno em que se deixa a porta aberta para eventuais
“re-retornos” à Suíça. Há sempre pessoas que decidem retornar, que acham que já conseguiram o que desejavam e, depois, há momentos específicos de retorno. Quando se fala com os emigrantes portugueses, o momento que colocam para o retorno é antes das crianças entrarem para a escola, ou depois de acabarem a 4ª classe. São os momentos-chave que identificam como os ideais para o retorno, porque não interrompem o percurso escolar dos filhos e é mais fácil depois inseri-los no sistema de ensino português.
OEm – Que tipo de integração têm os portugueses na sociedade suíça?
JCM – Depende de como definimos integração. Se é em termos de integração plena, não se pode dizer que estejam integrados porque não podem votar a não ser que tenham nacionalidade suíça e muitos não a adquirem por opção e por ser um processo bastante difícil.
OEm – Por opção, mas não têm que deixar a portuguesa, ou têm?
JCM – Não. Com a alteração da lei da nacionalidade no início da década de 1990, já podem ter dupla nacionalidade. Mas mesmo assim é um acesso difícil, tem critérios muito exigentes e havia casos que iam a referendo ao nível da comunidade, para se saber se o indivíduo x, y e z tinha as condições para se tornar suíço. Depois isso foi considerado inconstitucional e o referendo foi abolido. Mas continua mesmo assim a ser exigente, é preciso o migrante mostrar que se identifica com a cultura suíça, que domina o idioma, e uma série de critérios que é preciso cumprir. Compreende-se que muitos não estejam interessados em seguir essa via. Para além disso, verifica-se que as interações sociais que os imigrantes têm são muito limitadas ao grupo dos portugueses ou a outro grupo de imigrantes, como os italianos ou espanhóis, há pouca interação com suíços. Naturalmente que essa integração é mais problemática nos cantões de língua alemã, porque aí têm, muitas as vezes, o acréscimo de a língua ser mais difícil de adquirir do que a francesa. Se formos às associações, então, só se encontram praticamente portugueses. Ocasionalmente aparece um suíço porque o português o convida a ir à associação. Ao nível das sociabilidades, nota-se que a integração não está ainda totalmente concluída. Ao nível da educação também é uma integração problemática por estarem muito presentes em classes especiais dos níveis de ensino, de haver poucos que conseguem acabar o secundário e depois ir para as universidades. Alguns fazem a sua aprendizagem e depois seguem uma profissão, ainda não há um grande grupo de portugueses da 2ª geração na universidade – começam a surgir alguns em áreas específicas, mas não há muitos. Ao nível do emprego, eles estão integrados no mercado de trabalho, mas estão-no, sobretudo, nas profissões menos qualificadas ou com menos possibilidades de carreira profissional, não estão muito presentes nas funções de topo. Há uns que são professores nas universidades. Naturalmente que não se pode dizer que os portugueses estão excluídos, eles podem ir a todas as instituições onde os suíços também vão, mas se, efetivamente, aproveitam essas oportunidades ou não, isso já é outra questão. Um processo de integração tem sempre duas vias: o que cria as condições para a integração e o outro que aproveita essas condições para a integração. Os documentos legais suíços, até à década de 1990, não incluíam a questão da integração, não fazia parte do léxico legal suíço a nível federal. Era uma tarefa que estava ao cuidado dos cantões ou das comunidades. Só com a alteração da lei de imigração é que foi inserido um capítulo sobre as competências da Federação para a promoção da integração.
OEm – Para concluir, falou em vários projetos que está a desenvolver ou que desenvolveu, na área. Peço-lhe que nos fale deles.
JCM – O projeto que terminámos era um estudo comparativo sobre as práticas transnacionais dos emigrantes portugueses na Suíça e dos cabo-verdianos em Portugal. Há a ideia que os emigrantes, a partir de determinando momento, se envolvem em atividades transnacionais, ou seja, mantêm uma ligação muito forte com o país de origem e utilizam-na para promover determinadas atividades que decorrem no país de acolhimento. Ou seja, no caso dos empresários portugueses na Suíça, eles aproveitariam o facto de ser em de Portugal para, por exemplo, vir cá buscar matérias-primas para depois as comercializar no destino. Por exemplo, um comerciante de móveis aproveitaria o facto de conhecer muito bem a região produtora de móveis em Portugal para depois os comercializar na Suíça. O que nós verificámos é que essas práticas transnacionais existem de facto, mas não são assim tão frequentes como geralmente é sugerido pela literatura científica, em que parece que todos são transnacionais e que circulam permanentemente entre os de acolhimento e de origem. Os portugueses vêm no Natal, na Páscoa e no Verão, não estão a ir e vir constantemente. Por isso, os momentos de interação são, geralmente, limitados a esses períodos temporais. Depois, é natural que os portugueses estejam mais a par do que se passa em Portugal do que há 20 ou 30 anos, porque os meios de comunicação são diferentes. Isto não significa que as práticas em si se tenham alterado profundamente, o que se alterou foi a tecnologia, que permite que agora se veja televisão portuguesa na Suíça. É curioso ver as antenas parabólicas que estão em casas na Suíça, muitas ainda com a publicidade da TV Cabo.
OEm – Esse projeto era do CES?
JCM – Era do CES, foi financiado em Portugal pela FCT mas estávamos integrados num consórcio de centros de investigação financiado pela European Science Foundation. Havia outros países como a Suíça, Alemanha, França e Itália, cada um estudava dois grupos nacionais. E saiu um número temático sobre o projeto na Revue de Migrations Internationales (REMI) em 2008. O projeto que estou a iniciar agora é sobre os empresários emigrantes portugueses na Suíça e no Luxemburgo. O que pretendo fazer é um primeiro levantamento do envolvimento dos portugueses em práticas empresariais no estrangeiro e analisar em que tipo de sectores desenvolvem estas atividades e qual o seu grau de sucesso. Procuro, ainda, verificar se o negócio está baseado nas relações com Portugal, ou seja, se obtêm os seus recursos aqui, ou se é apenas um negócio que surgiu aproveitando os recursos que existem no Luxemburgo ou na Suíça. E, depois, quero verificar se o contexto geral suíço ou luxemburguês condiciona de alguma forma a criação de emprego próprio e o desenvolvimento do negócio. Sei já que a lei suíça é, por vezes, limitadora da iniciativa dos estrangeiros em determinado tipo de negócios. Não sei como é a situação no Luxemburgo porque ainda não o estudei e quero ver se há alguma diferença entre estes fatores contextuais.
OEm – E esse projeto já começou?
JCM – É para começar em dezembro. É financiado pelo Instituto Politécnico de Leiria e será desenvolvido no Centro de Investigação Identidades e Diversidades (CIID, IPL). Decorrerá durante os próximos 18 meses e incluirá trabalho de campo na Suíça e no Luxemburgo. Penso que os resultados permitirão ter uma primeira impressão da realidade do que se passa nestes dois países. É um tema que deveria ser conhecido em mais países, porque não existem muitos estudos sobre o empreendedorismo português em França ou na Alemanha. Existem muitos portugueses que têm negócios em França e nós não os estudamos.
[1] Referência à data da entrevista: 2009.
[2] Manuel Beja era, em 2009, membro do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas.
Como citar Pinho, Filipa (2009), "Emigração sazonal na Suíça. Entrevista a José Carlos Marques", Observatório da Emigração, 27 de Outubro de 2009, Observatório da Emigração, revista para publicação em novembro de 2018.