Entrevista realizada em Lisboa, 7 de junho de 2016, por Inês Espírito Santo.
Também disponível em PDF na série OEm Conversations With.
Observatório da Emigração (à frente OEm) – Quais são as origens do teu interesse pelo estudo das migrações internacionais, não só do ponto de vista académico mas também pessoal, caso exista?
João Peixoto (à frente JP) – Talvez seja um pouco das duas coisas. Muitos dos nossos percursos de investigação são autobiográficos, porque os problemas que nos inquietam acabam sempre por ter algo a ver com as nossas vidas. Não acontece sempre, mas tirando aqueles casos em que a abertura de um concurso ou a oportunidade de um projeto nos dizem para estudar uma determinada coisa, é frequente… Quem escolhe os seus percursos acaba por ter uma certa margem de opção. No meu caso, houve uma conjunção de fatores. Nunca fui propriamente um migrante, talvez mais um “circulante”. Eu circulava da antiga metrópole para as antigas colónias porque o meu pai era militar, portanto sempre fiz muitos trajetos migratórios dentro de Portugal, de Portugal para as antigas colónias, sabia o que era esta mobilidade. E depois foi um pouco por acaso quando comecei a dar aulas na Universidade. Na minha geração tínhamos o privilégio de entrar nas universidades com uma relativa facilidade, de começar a fazer investigação e de fazer parte do corpo docente da Universidade muito novos. A pouco e pouco fui-me aproximando dos temas das migrações. A tese de mestrado estava relacionada com migrações internas, com questões de urbanização, e a pouco e pouco fui-me dedicando às migrações. E agora mesmo que queira já não consigo sair de lá.
OEm – Em que anos fizeste o mestrado e, posteriormente, o doutoramento?
JP – Isto tudo já foi há muitos anos, porque já sou de uma geração relativamente antiga. Nem fiz mestrado, na altura havia poucos mestrados, fiz uma coisa equivalente que eram as provas de aptidão pedagógica e de capacidade cientifica. Isto foi… deixa ver, a minha licenciatura é de 1982, no ISCTE, as provas de aptidão foram para aí em 1987. Nos anos 80 as migrações internacionais não eram o tema que mais ocupava os investigadores portugueses. Tínhamos passado de um tempo de saídas em massa, para um tempo que ainda não era de entradas nem de saídas em massa, quando muito era um tempo de retorno. Na altura, nos anos 80, lembro-me que os trabalhos que apareciam eram sobre o retorno dos emigrantes. Quem trabalhava muito sobre o tema era o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, ao qual o Rui Pena Pires esteve muito ligado. Alguns dos estudos eram relacionados com os retornados das antigas colónias, outros eram sobre o retorno dos emigrantes que estavam em França. Foi nessa altura que fiz as provas de aptidão. Depois, nos anos 90, comecei a investir no doutoramento, defendi-o em 1998. O tema das migrações passou a ser um tema central. Aí, por escolha própria, por bons conselhos exteriores e por boas oportunidades de investigação, acabei por optar pelo estudo de migrações que eram, na altura, relativamente invisibilizadas: as migrações altamente qualificadas. Na altura falava-se sobretudo das migrações ditas “problemáticas”, as menos qualificadas. Os altamente qualificados eram um mundo em que pouca gente trabalhava e resolvi optar por esse tema nos anos 90.
OEm – Qual foi a base disciplinar desse estudo?
JP – Foi a sociologia. Eu sou de sociologia do ISCTE, licenciatura, portanto o meu percurso sempre andou por aí. Embora a partir do momento em que vim para o ISEG tenha aberto mais a perspetiva de análise. Já estou no ISEG desde o final dos anos 80, princípio dos anos 90. Aqui a nossa especialidade é a sociologia económica e das organizações. O meu doutoramento foi nessa área. E um dos meus orientadores foi um geógrafo, o João Ferrão. O gosto antigo que eu tinha pelas interfaces e pelo trabalho interdisciplinar reforçou-se muito com a minha vinda para o ISEG e passei assumidamente a fazer trabalho interdisciplinar. A raiz é a sociologia. Como todas as raízes, ficou-me marcada, mas gosto muito de trabalhar com equipas e investigadores de outras áreas.
OEm – Antes da Mobilidade Internacional dos Quadros, o tema do teu doutoramento, tens dois ou três artigos que foram publicados sobre migrações?
JP – Sim, mas tinham a ver com as migrações internas e a urbanização.
OEm – Mas há, por exemplo, o “Trends in the 90´s: the Portuguese migratory experience”, publicado em 1997.
JP – É verdade. Esse é um artigo publicado a meias, com uma grande amiga, a Maria Ioannis Baganha, que infelizmente nos deixou. Cruzei-me com ela numa situação bastante interessante, é uma história que merece ser contada. Eu não a conhecia de lado nenhum. No início dos anos 90, deve ter sido em 1991 ou 1992, no Congresso Português de Sociologia, apresentámos comunicações sobre a dificuldade de medir a emigração portuguesa nessa época. Realmente já tinha esquecido esse pormenor: antes de estudar os altamente qualificados ainda fiz alguns trabalhos sobre os emigrantes, em geral. Também porque há uma altura em que passo pelo INE, o Instituto Nacional de Estatística, e aí acabo por olhar para os números que existiam. Recordo-me que houve uma polémica sobre o censo de 1991, quando descobriram menos portugueses do que aqueles que deveriam existir. Isso levou a duas explicações possíveis: ou o censo estava mal feito, ou os portugueses tinham ido embora. E de facto eu fui uma das pessoas que procurou encontrar as causas. Tive então uma boa oportunidade para tentar perceber o que se tinha passado. Deu para perceber que havia uma emigração escondida, subterrânea, da qual pouco se sabia e de que poucos falavam, porque não era considerada um problema. Tinha sido um problema nos anos 60, mas não nesse momento. E então há um Congresso Português de Sociologia onde apresento uma comunicação sobre os novos números das saídas, que eram largamente ignorados. Na altura, no INE, não tínhamos um bom sistema de medição das saídas e resolvi ir às estatísticas dos países lá fora, os destinos para onde os portugueses iam. Ou seja, ver do ponto de vista deles quantos portugueses estavam a chegar. Fiz uma comunicação sobre isto. Qual não é o meu espanto quando, na minha mesa de comunicação, aquela senhora que eu não conhecia tinha uma comunicação exatamente sobre o mesmo tema. A partir daí, ficámos muito amigos, trabalhámos juntos bastantes vezes, fizemos esse texto em conjunto, o texto de 1997. É muito baseado nessa pesquisa que ambos realizámos, primeiro separadamente e depois em conjunto, sobre as tendências da emigração do final dos anos 80 e anos 90, no fundo sobre a nova emigração que estava esquecida. Isto aconteceu durante um período de longa invisibilização da emigração portuguesa. Nós estivemos entre aqueles que disseram que, afinal, parecendo invisível, existia de maneira significativa e fomos à procura de prova empírica para confirmar a continuação do movimento. Sabemos que o tema voltou a ficar invisibilizado quando tivemos a nossa “década prodigiosa”. Estou a utilizar o termo que Joaquín Arango utiliza para Espanha, a “década prodigiosa” dos anos 90, quando quase um milhão de imigrantes entra em Espanha por ano. Em Portugal também tivemos uma espécie de década prodigiosa, quando os nossos problemas eram as entradas de pessoas estrangeiras. Mais uma vez as saídas foram esquecidas, até um pouco antes da crise do início da primeira década do século XXI. Aí as pessoas acordaram para um fenómeno que na verdade nunca tinha desaparecido.
OEm – Voltando à Mobilidade Internacional dos Quadros, se não me engano foi um trabalho desenvolvido no teu doutoramento durante alguns anos.
JP – As teses de doutoramento são um período único das nossas vidas, quando estamos dedicados de corpo e alma a um projeto, a um trabalho. Quando temos o privilégio de ter uma bolsa, ser pagos para isso, é algo que nos marca muito, porque são anos da nossa vida em que vivemos com um problema, lemos e procuramos informação continuamente sobre ele. Foram muitos anos, não me lembro exatamente em que ano comecei a fazer a tese, mas deve ter sido entre 1992 e 1994, a tese é defendida em 1998. Também te posso contar uma história curiosa, que tem a ver com o papel que o acaso tem nas nossas vidas académicas. Às vezes encontrarmos boas oportunidades não depende apenas do nosso trabalho, mas de conversas, de redes… A ideia para o tema das migrações altamente qualificadas foi-me dada numa conversa fortuita, completamente casual, que tive uma vez com um investigador italiano, o Arnaldo Bagnasco. Estava na altura à procura de um tema concreto para o meu doutoramento. Já tinha decidido que seria na área das migrações. Estávamos nos anos 1992 a 1994, poucas pessoas se interessavam pelo tema das saídas, da emigração, eu próprio não estava com muita vontade de investir fortemente nesse tema, embora já tivesse feito algum trabalho sobre ele. E na altura já havia vários estudos sobre as entradas, havia um livro de 1991 que se tornou um clássico, Portugal, País de Imigração, editado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento. Já havia alguns estudos sobre os caboverdianos que entravam, outros sobre os brasileiros. Aliás, sobre os brasileiros havia poucos, a Filipa Pinho foi uma das pessoas que estudou essa população nessa altura, quando quase ninguém estudava os brasileiros. Havia sobretudo estudos sobre a imigração africana, dos PALOP. E numa conversa que tive com o Arnaldo Bagnasco, sobre o que tinha sido estudado e o que poderia ser um estudo original de pesquisa, aparecem as migrações altamente qualificadas, um tema sobre o qual pouca gente na altura trabalhava. Sabemos que uma tese de doutoramento tem de ter o requisito da originalidade. Nada melhor do que estudar um tema que ainda ninguém estudou e foi essa a minha opção. Não considerei apenas os fluxos de entrada, observei também os de saída. É por isso que a tese e o livro da Mobilidade Internacional dos Quadros não são só sobre os E´s nem sobre os I´s, são sobre a migração de pessoas altamente qualificadas. Tive na altura a ambição e a ousadia de estudar entradas e saídas, tanto nos movimentos internos como internacionais. Hoje eu não aconselharia ninguém a estudar tanta coisa ao mesmo tempo.
OEm – Houve a oportunidade de publicar a tua tese na Celta Editora em 1999 rapidamente depois da defesa de tese?
JP – Sim. A Celta Editora era a nossa grande editora universitária. Há muita gente que trabalhou muito bem com a Celta, um grande projeto também criado pelo Rui Pena Pires. A Celta acompanhou muitos dos nossos percursos. Foi uma editora à qual naturalmente muitas pessoas das ciências sociais, e em particular da sociologia, se socorriam para editar os seus trabalhos. Na altura foi fácil chegar a acordo com o Rui e conseguimos a edição do livro.
OEm – A edição do livro está próxima da tese?
JP – Não. Ainda fiz uma daquelas teses muito grandes que também não aconselho ninguém a fazer hoje. Para o livro, toda a parte das migrações internas foi eliminada. Mantive apenas a parte da mobilidade internacional. Seria excessivo publicar um livro com 600 páginas, ninguém compraria nem leria. O livro tem apenas a componente internacional. O grande filtro foi esse, resolvi basear-me no tema das migrações internacionais qualificadas. Foi um tema que me apaixonou. Há conversas e autores que nos marcam. Quando comecei a estudar o tema das migrações altamente qualificadas, um dos autores que me marcou dizia que os migrantes qualificados são invisíveis, poucos falam deles, sobretudo daqueles que não migram por razões económicas. Não estamos a falar dos enfermeiros portugueses que vão hoje arranjar trabalho para a Europa, estamos a falar de pessoas que trabalham em empresas multinacionais (foi esse o tema que aprofundei), cientistas que vão para os Estados Unidos, ou seja, pessoas que não migram por necessidade.
OEm – Mas estatísticamente, de facto, essa população não é a mais significativa…
JP – Estatisticamente sempre foram uma minoria, socialmente muitos deles são invisíveis. Não são um problema social. Sabemos que muitos dos temas estudados são mais problemas sociais do que sociológicos. As migrações dos muito qualificados não são um problema social, portanto acabam por não vir à superficie nos estudos. O tema que aprofundei na tese de doutoramento foi precisamente o dos expatriados que percorrem o mundo ao serviço das empresas multinacionais. Ora, nós sabemos que a capacidade de decisão que tem cada uma destas pessoas pode ter impacto sobre a vida de milhares de pessoas que trabalham naquelas empresas ou à volta delas. É pouca gente em termos estatísticos, mas gente cuja ação que tem um impacto na vida dos outros muito maior do que o seu número. Foi um tema pelo qual me apaixonei e volta e meia volto a ele.
OEm – E a tipologia que desenvolveste desses migrantes? Ainda faz sentido hoje?
JP – Como sabes, há pouco tempo acabámos um projeto sobre a nova emigração portuguesa. Uma das nossas conclusões, que não é novidade para ninguém, mas é bom que se reforce, é que é um erro falarmos de emigração em geral e em abstrato. Não há emigrantes em abstrato nem imigrantes em abstrato, há perfis diferentes, há tipos diferentes, há histórias diferentes, há causalidades diferentes. É sempre bom ter isto em mente, porque às vezes simplificamos demasiadas coisas. Nas ciências sociais temos tendência a olhar para a grande regularidade, que por vezes é a árvore que está à frente e que nos tapa a floresta. Quando olhamos para as migrações inevitavelmente encontramos tipos de migrantes muito diferentes. Eles têm de ser sempre identificados em cada projeto de pesquisa, temos de procurar tipologias diferenciadas. Essa de que estamos a falar, que utilizei na minha tese de doutoramento, sempre me ficou muito marcada. Para mim, todos os que se movem dentro da sua organização, seja uma empresa, seja uma ONG, tecnicamente são migrantes, mas são muito diferentes dos que vão sozinhos ou através das suas redes à procura de melhorar a sua vida. Recordo-me de conversas interessantes que tinha na altura, quando estava a fazer a tese, onde se dizia que os migrantes organizacionais eram, de um certo ponto de vista, privilegiados. São os únicos migrantes que podem, com uma razoável probabilidade, estimar os benefícios e os custos da sua migração, porque sabem mais ou menos o que os espera. Quando alguém é destacado pela sua organização para trabalhar num outro país ou noutra região, muitas vezes é ele próprio que negoceia os termos da sua ida, portanto são migrantes privilegiados, muitas vezes com rendimentos avultados, mas, de facto, são uma categoria muito diferente de alguém que decide mudar a sua vida, decide tentar uma coisa nova com mais ou menos redes de suporte, com mais ou menos certezas, mas com uma grande dose de improbabilidades. Mesmo os migrantes organizacionais têm destinos improváveis e vidas incertas. Na bibliografia que estuda os expatriados, oriunda da sociologia ou da gestão de empresas, há imensos casos de fracasso. Embora saibam exatamente o que os espera, apesar de terem negociado o seu vencimento, apesar de terem negociado as férias no território de origem, podem não se adaptar à cultura, ao clima, ou pode a família não se adaptar. Mesmo os migrantes organizacionais privilegiados podem ter vidas difíceis. Imagina os outros.
OEm – Enquanto falas estou aqui a pensar que migrantes organizacionais também podem ser migrantes, por exemplo, que vão através de empresas do setor da construção, migrantes não qualificados.
JP – Exatamente. Neste nosso último projeto, o REMIGR, quando estudámos os portugueses que têm saído nos últimos anos de Portugal para vários destinos, os vários tipos incluem os trabalhadores deslocados pelas empresas para trabalho no exterior, que podem ser mais ou menos qualificados. No fundo são os novos expatriados.
OEm – Mas nesses casos pode-se passar muito mal. Pelo menos houve muitas polémicas e denúncias que vieram à superfície sobre o desfazamento entre as condições anunciadas à partida e as condições de trabalho, salário e alojamento à chegada.
JP – Aí temos várias figuras. Se olharmos para as pessoas deslocadas pelas suas empresas, uma coisa é o expatriado altamente qualificado que normalmente encontra aquilo que está à espera, excepto em caso de inadaptação pessoal ou crise grave no país para onde foi, que é o que se está a passar atualmente com muitos migrantes qualificados que estão em Angola, que de repente vêem as suas vidas complicadas ou projetos interrompidos. Nada disto tem a ver com o que costumamos designar como “trabalhadores destacados”, em geral menos qualificados, que vão trabalhar para países europeus ao abrigo das diretivas comunitárias sobre prestação de serviços. Aqui estamos a falar de pessoas que são destacadas para trabalhar no exterior e que muitas vezes são enganadas e exploradas de formas muito graves. Enfim, as migrações são um tema complexo.
OEm – Regressando ao Regresso ao Futuro, livro que foi o produto final do projeto REMIGR e que acaba de ser publicado, gostava de saber qual é a origem do projeto.
JP – Estamos a falar de um assunto que não é do conhecimento de todos, mas podemos agora alargar o leque de pessoas que fica a par do que se passou. O REMIGR tem uma história curiosa e longa. Isto também pode funcionar como conselho para os jovens investigadores e também para os menos jovens. O REMIGR foi aprovado à quarta tentativa na FCT. Isto é, nunca devemos desistir à primeira. Naturalmente não foi sempre o mesmo projeto, foi mudando. A última, a quarta tentativa, foi uma versão substancialmente diferente das anteriores. Foi também um projeto que procurou melhorar com as insuficiências anteriores e que beneficiou da oportunidade da conjuntura. O REMIGR original foi um projeto liderado pela Maria Ioannis Baganha e era apenas um projeto de dois centros de investigação: o CES de Coimbra, onde ela estava, com o José Carlos Marques e o Pedro Góis, e o SOCIUS, onde eu estava. O primeiro REMIGR foi submetido à FCT em meados dos anos 90 e reprovado com um argumento que, na altura, indignou profundamente a investigadora responsável: disseram-nos que a emigração já não era um problema que merecesse um estudo em Portugal. Recordo que a Maria Baganha contestou de forma indignada a decisão do painel, mas isso não teve frutos. Ainda em vida dela, o projeto é submetido uma segunda vez, mas não me recordo se foi no final dos anos 90 ou na viragem do século. Já depois do desaparecimento dela, submetemos pela terceira vez um projeto semelhante. À quarta tentativa foi diferente, criámos uma equipa bastante maior, não éramos apenas dois centros, passámos a ser quatro. O REMIGR foi um projeto ambicioso: ao CES de Coimbra e ao SOCIUS, onde estou, juntámos o IGOT, Centro de Estudos Geográficos, com uma equipa composta pelo Jorge Malheiros e o Paulo Miguel Madeira, e um grupo do CIES/ISCTE, onde estava a Isabel Tiago de Oliveira e a Joana Azevedo. Digamos que aumentámos a ambição porque a equipa se alargou e aumentámos a ambição porque os temas também eram mais vastos. A componente demográfica do projeto foi mais forte, daí a entrada da Isabel Tiago de Oliveira, uma das melhores demógrafas portuguesas. Mas certamente beneficiámos da conjuntura. Não me recordo agora em que ano o projeto foi submetido, mas quando foi submetido não haveria nenhum membro de painel no mundo que tivesse a coragem de dizer que a emigração não era um problema em Portugal. A emigração estava na agenda nacional e estava na agenda europeia. As saídas dos países do Sul da Europa para os países do Norte, após a grande crise económica de 2008, a emigração que leva os mais jovens, pessoas qualificadas, que vão do Sul para o Norte, começou também a ser uma preocupação da agenda europeia pós-2008. Se tivéssemos apresentado o REMIGR, com os quatro centros de investigação, com a ambição teórica que tínhamos, em 1994 ou 1995, teria sido reprovado. Isto é uma sugestão para os jovens investigadores: não desistam à primeira, quer no caso das bolsas, quer no caso dos projetos. No fundo, o que se passa é que estamos em terrenos que são cada vez mais competitivos na procura de financiamento, para bolsas ou para projetos, a maior parte das pessoas tem muita qualidade, há jovens investigadores excelentes, a competição é grande e não há recursos para todos. Acontece o mesmo no sistema de avaliação por parte das revistas. Por vezes a avaliação por pares não é sempre a mais justa, até são cometidos alguns grandes erros nas avaliações que fazemos, mas não existe sistema de avaliação melhor do que este. É o único sistema que conhecemos que pode dar alguma dignidade e mérito científico aos financiamentos. A grande vantagem que temos nas várias submissões e reprovações é poder melhorar. E é sempre possível melhorar. O REMIGR é aprovado na altura, foi um desafio. Nós dizemos isto na introdução ao livro. Foi um projeto que gostei muito de fazer, porque correu muito bem sob vários pontos de vista. A equipa foi magnífica, tanto os investigadores iniciais como os que entraram mais tarde para colaborar connosco. Originalmente éramos sete pessoas, depois juntámos mais alguns colegas à equipa regular de investigação. Tivemos dois bolseiros a tempo inteiro fabulosos, o Pedro Candeias e a Bárbara Ferreira. Depois juntaram-se à equipa, para realizar alguns trabalhos específicos, a Alexandra Ferro, a Aline Schiltz e o Eugénio Santana. Para além disso, este deve ter sido um dos poucos projetos do mundo que fez um inquérito sociológico, com um orçamento relativamente reduzido, com uma equipa pequena, em cerca de um ano, em três continentes, na Europa, na América e em África – e não estou a falar em inquéritos apenas online, mas também em presenciais. Recolhemos cerca de seis mil respostas ao inquérito que lançámos. São números muito redondos, não os tenho agora em memória, mas provavelmente temos cerca de 4500 respostas online, do mundo inteiro, e o restante são inquéritos presenciais. O mérito não é só nosso, hoje as tecnologias de comunicação ajudam e os portugueses estão muito ligados a Portugal. Não foi muito difícil obter estas respostas, claro que deu trabalho, mas exigiu sobretudo muitas parcerias, a boa vontade e a colaboração de amigos e colegas por todo o mundo, que nos permitiram fazer um inquérito presencial em seis países de três continentes diferentes. Temos um inquérito presencial, feito com papel e caneta, no Reino Unido, na França, no Luxemburgo, em Angola, Moçambique e Brasil.
OEm – Podes explicar-nos o porquê destes seis destinos?
JP – Quando nós submetemos o REMIGR, parte do projeto já era uma herança dos projetos anteriores, havia uma linha condutora do projeto iniciado e liderado pela Maria Baganha. Mas depois, com a equipa maior, algo que se tornou claro numa certa etapa do percurso é que fazia sentido olharmos para os movimentos no mundo todo, se éramos uma equipa grande tínhamos de ter a ambição de mapear e perceber a variedade de movimentos que os portugueses têm no mundo todo. Achámos que não tínhamos de nos fechar numa parte do mundo. Tivemos assim a ambição de perceber o fenómeno numa escala global. Mas também tivemos naturalmente a razoabilidade de entender que era impossível perceber tudo em todo o lado e tivemos que escolher estudos de caso. Recordo-me que houve umas discussões interessantes sobre quais deveriam ser estes estudos de caso. Fomos vítimas da conjuntura em certos aspetos, porque alguns dos países que escolhemos foram escolhas óbvias na altura em que concebemos o projeto. O Reino Unido, por exemplo, era um país que era quase ignorado na velha emigração e que passou a ser um país de destino da nova emigração portuguesa no século XXI. O Reino Unido era uma escolha obrigatória. A França não era uma escolha obrigatória, esse mérito é nosso, achámos que devíamos estudar aquilo que mais ninguém tinha estudado nos últimos anos. A França tinha sido o grande destino, tão estudado no terceiro quartel do século XX, mas depois esquecido. Há excepções, houve alguns colegas muito bons que estudaram mais localmente a emigração portuguesa para França nos últimos anos. Resolvemos assim investir em França, um país esquecido, um país tão importante na história da nossa emigração e que merecia ser revisitado. A França foi a nossa segunda escolha na Europa.
OEm – Para além de continuarem a chegar muitos emigrantes, segundo os dados do Observatório da Emigração é o segundo destino depois do Reino Unido para onde os portugueses estão a ir neste momento…
JP – Continuam a ir muitos. Mas na altura ainda não tínhamos essa certeza. Mas quisemos perceber se ainda era importante ou não. Na altura hesitámos entre a França e a Suíça como segundo país europeu. Optámos pela França porque tinha sido esquecida, enquanto a Suíça, apesar de tudo, tem sido mais visitada pelos investigadores, a começar pelo José Carlos Marques, que é um dos elementos da nossa equipa. Escolhemos a França. Escolhemos também dois destinos fora da Europa. Aí também fomos vítimas da conjuntura, porque na primeira década do século XXI, quando as saídas de portugueses se começaram a multiplicar, há dois países emergentes de língua portuguesa que cativaram cada vez mais portugueses, que eram Angola e Brasil. Foram essas as nossas escolhas. Tínhamos noção, pela nossa observação, por aquilo que íamos lendo, pelos dados do Observatório da Emigração, tínhamos noção que Angola e Brasil eram países emergentes do ponto de vista da nova emigração portuguesa, mesmo que não conquistassem uma grande fatia, mereciam o estudo. Considerámos que todos estes países eram exemplares das novas mobilidades, da nova emigração portuguesa. Estes foram os quatro países em que apostámos inicialmente no REMIGR. Ao longo do projeto, a certa altura, um pouco por acaso, um pouco por necessidade, resolvemos escolher outros destinos. No caso da Europa, num certo ponto do percurso decidimos fazer um terceiro estudo de caso que exemplificasse melhor as dinâmicas da emigração portuguesa pouco qualificada. O nosso inquérito online recebeu muitas respostas, mas com um enviesamento excessivo para as pessoas altamente qualificadas, que são aquelas que têm disponibilidade, vontade e interesse para estar a responder a inquéritos pela internet. O enviezamento do nosso inquérito online é excessivo, não temos qualquer ambição de representatividade no inquérito e sentimos isso, estávamos a ter um desvio demasiado grande para os licenciados, mestres e doutores, quando sabemos que a maior parte da emigração portuguesa não é de licenciados, mestres e doutores. Daí a ideia de escolher um país europeu onde se sabe que a dominante da emigração é ainda a tradicional. Escolhemos o Luxemburgo por isso, um país que representa ainda uma emigração pouco qualificada, onde existe uma clara continuidade com o passado. Mas também por um acaso, na altura a nossa colega e amiga luso-luxemburguesa Aline Schiltz estava disponível, decidimos juntar a Aline à equipa. Juntámos uma necessidade a um acaso e fizemos o estudo de caso no Luxemburgo. Moçambique é uma opção que chega mais tarde. O IGOT na altura estava a desenvolver um outro estudo na África do Sul, fizeram uma pequena incursão em Moçambique e decidimos fazer economias de escala. Juntámos um colega moçambicano à equipa, o Eugénio Santana, e com o recurso a algumas colaborações, nomeadamente da Inês Raimundo, da Universidade Eduardo Mondlane, conseguimos realizar também o estudo de caso moçambicano. Passámos então aos seis estudos de caso. Estes não são obviamente os seis países que representam toda a nova emigração portuguesa, mas são certamente seis países exemplares da nova emigração. A nova emigração portuguesa, como se sabe pelas estatísticas do Observatório da Emigração, como se sabe também pelo nosso inquérito, é uma emigração profundamente diversa e geograficamente muito dispersa.
OEm – Os inquéritos online vêm de onde?
JP – Do mundo todo. Nós temos respostas do mundo todo e dos países mais improváveis. Nem que seja uma, duas, três respostas de vários países do mundo.
OEm – Como fizeram a divulgação do inquérito?
JP – Utilizámos vários canais, desde as nossas redes pessoais, até redes institucionais, na medida do possível. Contactámos muitas associações de emigrantes, quer representando mais qualificados, quer menos qualificados, muitas delas foram contactadas para difundirem os inquéritos online, outras foram contactadas nos estudos de caso para servirem de suporte à pesquisa de terreno. Contactámos jornais que nos ajudaram, como o Público e o Mundo Português. Numa certa etapa do percurso também contámos com o apoio do Correio da Manhã, porque sabemos que são jornais que têm grupos-alvo diferentes, têm leitores diferentes. De modos vários, todos eles veicularam o nosso inquérito. Imprensa, internet, redes sociais. Quem trabalhou mais nisto foram a Joana Azevedo e o Pedro Candeias, foram eles que trabalharam na difusão do inquérito. O resultado é magnífico, temos cerca de 4500 respostas online, o que é fantástico. Mas com o enviezamento de que falámos há pouco para os emigrantes altamente qualificados, o que é difícil de contrariar. Em qualquer caso, é um enviezamento em si próprio significativo, porque nos diz alguma coisa sobre a nova emigração portuguesa. É verdade que os altamente qualificados estão sobre-representados na nossa amostra, mas também é verdade que há muitos que têm saído. Não é por acaso que tantos nos responderam, é porque tem havido muita gente qualificada a sair de Portugal.
OEm – Gostava de voltar ao título do livro que resultou do projeto REMIGR. “Regresso ao futuro” significa que se fala do “futuro”?
JP – O título tem vários significados. Há aqui um jogo de palavras, há uma metáfora cinematográfica evidente quando evocamos o filme do mesmo nome. Quando falamos em “regresso ao futuro” estamos a falar numa continuidade com o passado. Isto é, se pudermos ir ao futuro, parte do futuro vai ser imensamente familiar. O futuro não é o desconhecido. Somos nós, os nossos amigos. Nós um bocadinho mais velhos, mas somos nós e o nosso país. Há muita coisa de familiar. Há muita coisa de presente e de passado no futuro. E quando estudamos as tendências da emigração portuguesa, verificamos que em certos aspetos mudámos muito, noutros muito pouco. Se, nos anos 90, quando submetemos pela primeira vez o REMIGR (na altura não se chamava REMIGR), tivéssemos pensado no que seria a emigração portuguesa em 2015… sabemos hoje que ela é surpreendentemente parecida com aquilo que era em 1992 e mesmo com aquilo que era nos anos 60. Há muita gente pouco qualificada que continua a sair de Portugal. Há muita gente de todas as qualificações que não vê satisfeitas as suas ambições profissionais e sociais em Portugal e por isso entende que a saída é o melhor recurso. Nós não somos um país pobre em termos absolutos, mas continuamos a ser um país pobre em termos relativos, no que se refere à média da União Europeia, portanto continua-se a pensar que há possíveis futuros melhores em países mais ricos na União Europeia. A diferença com os anos 60 é que já não há êxodo rural, já não há camponeses a sair a salto para França. Acabou a emigração da população analfabeta. A semelhança entre 2015 e os anos 60 é que continua a haver muita gente que continua a não ter oportunidades no país. Há muita gente que tem poucos estudos. Há muita gente que precisa de sobreviver para pagar os empréstimos, que não encontra recursos em Portugal e tem de sair para outros destinos. A emigração menos qualificada, a saída por necessidade, a falta de esperança no país permanecem e são um risco para a sociedade portuguesa. No nosso projeto há uma dimensão explicitamente prospetiva. Na parte mais demográfica do projeto fizemos projecções demográficas, procurando saber quais são as evoluções demográficas prováveis em Portugal. Não descobrimos nada de novo quando chegámos à conclusão que, se estes ritmos de saída se mantiverem, há qualquer coisa de profundamente grave que se vai passar na sociedade portuguesa, porque Portugal não tem neste momento espessura demográfica para resistir a saídas tão avultadas. O nosso processo de envelhecimento poderá continuar de maneira mais ou menos equilibrada, se se mantiverem equilibradas as saídas e as entradas, se não houver êxodos de saída. Os últimos anos não foram de êxodo, mas foram de saídas muito significativas. Se estas saídas se mantiverem intensas, algo de muito preocupante se estará a passar na sociedade portuguesa. Se isto é válido em termos demográficos, também é válido em termos sociais e económicos. Um dos pontos que discutimos no projeto e no livro é o que é que Portugal pode ter a perder caso se confirmem os níveis significativos de saídas de pessoas muito qualificadas, com uma fuga de cérebros considerável e muitas das jovens elites portuguesas a procurar o estrangeiro para realizar os seus sonhos e ambições profissionais. Temos uma discussão sobre isso no projeto. Caso estes níveis de saída de pessoas jovens qualificadas se mantiverem, é o próprio futuro da sociedade portuguesa que se pode considerar comprometido. Portugal poderá não ser apenas um país demograficamente deprimido, mas um país socialmente esvaziado. Apesar de tudo, este é um cenário demasiado pessimista que não confirmámos totalmente. Se há alguma coisa que me tenha impressionado pela positiva neste projeto é a relação que não esmorece dos emigrantes com a sociedade portuguesa. Esta ideia já estava inscrita na matriz do projeto, quando chamámos ao REMIGR “a nova emigração e a relação com a sociedade portuguesa”. Devo dizer que a ideia inicial é do Jorge Malheiros. O Jorge, numa das reuniões iniciais do projeto, defendeu este argumento: vamos tentar perceber em que medida aqueles que saem mantêm uma relação forte com a sociedade de onde saíram. Um dos nossos objetivos foi tentar perceber até que ponto as pessoas saem mas não saem. Saem mas regressam. Saem mas mantêm o contacto. E de facto temos todas as evidências para continuar a argumentar que muitas saídas não são definitivas, há muito regresso, muita circulação, muitas saídas temporárias, de todas as idades, de todos os níveis de qualificação, de todos os destinos. Quando olhamos para o regresso a Portugal nos últimos anos, entram pessoas de 60 anos reformadas, entram pessoas de 25 anos que passaram uns anos na Europa e que voltam.
OEm – Como é que chegaram a essa informação?
JP – Parte pelo inquérito, parte pela exploração demográfica que fizemos dos censos de 2011. A principal responsável pela secção demográfica do REMIGR foi a Isabel Tiago de Oliveira. Ela trabalhou muito bem os censos 2011, onde observámos as pessoas que regressaram a Portugal entre 2001 e 2011. Estou a falar de pessoas nascidas em Portugal que entretanto saíram e depois voltaram, regressos portanto, pessoas que passaram mais de um ano lá fora. Não estou a falar de pessoas que estiveram lá fora três meses e regressaram. Estamos a falar de mais de 20 mil pessoas daquele género por ano. Ou seja, há mais de 20 mil portugueses que, na primeira década do século XXI, todos os anos, estiveram mais de um ano lá fora e entretanto regressaram ao seu país de origem. Quando vemos o perfil destas pessoas temos de tudo: pessoas que passaram a vida toda em França e que regressam aos 60 anos e pessoas que estiveram dois ou três anos no Reino Unido e que regressam aos 25.
OEm – E tendo em conta a conjuntura socioeconómica no pós- 2011 acham que essa tendência é para continuar?
JP – A evidência aí é menos sólida. Aquilo que vamos vendo é que a situação em Portugal depois de 2011 se agravou e no Reino Unido se desagravou, mas a verdade é que nos últimos anos a situação tem vindo a melhorar ligeiramente em Portugal e a piorar ligeiramente no Reino Unido. Não me parece que isto tenha mudado tanto. É possível que o nível de regresso tenha diminuído depois de 2011, mas depois do ciclo mais crítico que passámos acredito que o regresso continue. Porque, aliás, não estamos só a falar de regressos físicos, estamos também a falar nos contactos permanentes com o país de origem. Eu insisto sempre neste ponto: o facto de 4500 pessoas nos terem respondido voluntariamente a um inquérito online, significa que as pessoas estão disponíveis para conversar com o seu país. As pessoas não desistiram do seu país, senão também não respondiam a um inquérito feito por uns desconhecidos investigadores portugueses sobre a nova emigração portuguesa. Se alguém perde alguns minutos, é porque está preocupado com isso, quer manter a sua relação, nem que seja para dizer mal. Pior seria a indiferença. Nem que seja o protesto, pior seria mesmo a indiferença, se as pessoas deixassem de consultar sitios portugueses, de ler jornais portugueses, aí sim, alguma coisa estaria mal. As pessoas mantêm o contacto, responderam-nos. E quando lhes perguntámos sobre os contactos que mantinham com Portugal, incluindo os mais jovens e mais qualificados, os contactos são intensíssimos. Muita gente manda dinheiro para Portugal, viaja regularmente para Portugal, toda a gente fala para Portugal pelas redes sociais e pelo Skype. E muita gente pensa regressar a Portugal. A questão que colocámos no inquérito sobre o regresso é “acha que vai regressar?”. Naturalmente não temos a ilusão que alguém sabe o que vai acontecer à sua vida, porque nenhum de nós sabe o que vai acontecer amanhã. Apesar de tudo, isto dá-nos uma indicação sobre os projetos dos nossos respondentes. Nós encontrámos uma regularidade que é relativamente habitual nalguns estudos onde esta pergunta é feita. Se perguntarmos às pessoas “quais são os seus planos a longo prazo?”, “o que pensa fazer?”, encontramos uma distribuição quase equitativa entre os que pensam ficar, os que pensam regressar e os que não sabem. Cerca de um terço quer ficar onde está, cerca de um terço quer voltar ao seu país, cerca de um terço assumidamente não sabe – mas os primeiros dois terços também não podem ter a certeza do que dizem. Quando começamos a ver isto por países, por níveis de qualificação, podemos encontrar diferenças. Curiosamente, ou talvez não, os portugueses que estão no Reino Unido, França e Luxemburgo, estou a falar dos nossos estudos de caso, têm projetos de fixação relativamente maiores, portanto, mais do que a média, querem ficar onde estão. Os portugueses que estão em Angola, Moçambique e Brasil têm projetos de regresso assumidamente mais fortes do que a média. Mas não podemos grantir que os do Reino Unido vão ficar, nem que os de Angola vão regressar, apesar de haver sinais nesse sentido.
OEm – Portanto, é um livro com resultados importantes e substanciais e agora têm a divulgação pela frente. O que contam fazer?
JP – Fizemos o livro, o que para nós era algo importante. Nós fomos 12 pessoas na equipa, pelo menos o núcleo permanente, depois houve várias pessoas que colaboraram connosco em vários momentos da pesquisa. Quando estávamos a escrever a introdução ao livro, a lista de agradecimentos tornou-se infindável, porque houve dezenas, algumas centenas de pessoas, que colaboraram connosco de uma forma ou de outra. Nesse aspeto foi um projeto riquíssimo. Todos nós, da equipa, consideramos que, sendo um projeto feito com dinheiros públicos, é um projeto que deve ter uso público. Para nós a questão da disseminação é importante, sempre que possível divulgamos os dados onde é necessário. Fazer o livro era uma obrigação, foi uma maneira de colocar os dados cá fora. Não temos trabalhado muito na difusão do livro, até porque escrever o livro já foi muito desgastante: nem foi a 12 mãos, ele foi escrito a 16 ou a 18 mãos, porque alguns dos capítulos tiveram colaboradores. Ter todos os capítulos prontos com estas pessoas todas não foi fácil. Agora estamos num período de pausa. Não temos nada programado para a difusão do livro. Mas, naturalmente, na nossa vida científica, pensamos continuar a divulgar os resultados do projeto quando for possível, com artigos científicos, colóquios, com o que for, e comprometemos-nos já publicamente, assumo de novo este compromisso, a disponibilizar a nossa base de dados. Provavelmente faremos isso através do Observatório da Emigração, porque acreditamos que é uma base de dados riquíssima. Apesar de sermos muitos na equipa, nunca esgotaremos a riqueza destes dados e queremos que isto seja utilizado publicamente.
OEm – Última questão sobre um outro projeto de investigação que está em curso e que consiste num mapeamento sobre a diáspora contemporânea. O que é isto?
JP – Há vários projetos de investigação em curso entre os membros da equipa, esse é um deles, mas existem outros. O projeto de mapeamento da diáspora portuguesa é um projeto que reúne algumas das pessoas do REMIGR, em particular o Pedro Góis, o José Carlos Marques e eu próprio, é um projeto que envolve institucionalmente a Fundação Calouste Gulbenkian e o Alto Comissariado para as Migrações, é uma parceria entre estas instituições. A Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas também já foi envolvida. É um projeto que não é apenas feito com objetivos académicos, é algo que é feito diretamente com as autoridades públicas e com uma fundação que representa a sociedade civil, a Gulbenkian, de quem partiu aliás a ideia original. O objetivo é mapear as formas como os portugueses estão organizados no mundo. Porque o que encontramos é o seguinte: sabemos que o movimento associativo português é forte, mas também sabemos que o associativismo português é de tipo sedimentar, há muitas associações que vêm das vagas dos anos 60/70/80. Algumas dessas associações ainda estão muito ativas, mas em outras já poucos sobram a não ser os fundadores. Em contrapartida, os novos emigrantes ainda estão numa fase muito embrionária de associativismo. Muitas das novas associações ainda não estão formalizadas, ainda não estão juridicamente constituídas, não têm identificação forte. A ideia é mapear o velho e o novo, a relação entre o velho e o novo, mapear o que está de novo a acontecer, para que seja uma plataforma de ligação, mais uma entre Portugal e a sua diáspora. Todos nós acreditamos que Portugal não acaba nas suas fronteiras, em Vilar Formoso ou outras. Portugal é neste momento onde os portugueses estão. As últimas estimativas do Observatório da Emigração indicam que a diáspora portuguesa é de cerca de 2 milhões de pessoas, é difícil meter toda esta gente em contacto, mas a ideia é descobrir onde estão estas pessoas associadas para que possa existir um contacto e uma circulação permanente de informação. Acreditamos que Portugal não pode ser uma nação sem território, mal de nós quando Portugal for só de portugueses no mundo, todos fora do seu país. Queremos juntar quem continua neste território e quem, conjuntural ou não conjunturalmente, está lá fora, mas, por uma razão ou por outra, quer manter uma relação com a comunidade. Criar plataformas pelo mundo não serve apenas para a divulgação da cultura ou gastronomia, pode servir também para fazer negócios, investimentos. Se houver uma boa ligação entre interesses e valores comunitários podemos manter a comunidade viva.
Como citar Espírito-Santo, Inês (2016), “Estudar a emigração portuguesa: entrevista com João Peixoto”, Observatório da Emigração, 7 de junho de 2016. http://observatorioemigracao.pt/np4/5507.html