Interview held in Aveiro, on August 3rd, 2011, by Pedro Ribeiro.
Also available as PDF in the series OEm Conversations With.
Observatório da Emigração (OEm) - O trabalho do Professor, no âmbito do estudo da emigração, é sobejamente conhecido. Gostaria que nos desse uma ideia de como chegou até si o interesse pela emigração...
Jorge Arroteia (JA) - Sou natural de uma freguesia (Monte Redondo) do concelho de Leiria, marcada por uma emigração antiga, para o Brasil, e também no período anterior à guerra civil espanhola, pela deslocação de trabalhadores temporários para Espanha. Depois dos anos 1960, a emigração legal e sobretudo a clandestina desenvolveu-se de forma muito intensa nesta área. Havia uma certa proximidade da linha de caminho-de-ferro do Norte, que passava ali em Pombal/Albergaria dos Doze, e também houve ali um conjunto de "passadores"/"engajadores" naturais desta região que contribuíram fortemente para o recrutamento de muitos emigrantes, de várias idades, sobretudo para França. Mas o meu interesse pela emigração resulta também de aspectos de natureza familiar. O meu avô, o meu bisavô e dois ou três tios-avós que eram da Ortigosa (Souto da Carpalhosa), foram imigrantes no Brasil no início do século passado. E a ideia com que fiquei dessas pessoas que nunca conheci foi sempre uma imagem que me marcou. Depois, em 1957-58, uma irmã minha casou e foi para o Brasil, ainda no quadro do processo da emigração brasileira, e em finais dos anos 1960, depois de ter entrado para a faculdade, acabei por ir a São Paulo durante 15 dias. Durante a fase final do meu ensino secundário, o meu pai era o regedor da terra e eu um dos poucos estudantes que havia na aldeia, e por isso tive contacto com muitos emigrantes no seu dia-a-dia, ou seja, no seu processo de ida (quando era necessário fazer uma tradução, escrever uma carta), no seu processo de vinda (quando era necessário fazer uma regularização da segurança social, ou enviar documentos). Eu falava e escrevia francês e essa situação facilitou-me muitos contactos.
OEm - Estamos a falar naquela fase de emigração europeia, dos anos 1960...
JA - Sim. Nesse período, numa zona rural como era aquela em que vivia, havia um conjunto de amigos meus da escola, da catequese, que emigraram clandestinamente, e eu sabia que iam emigrar porque mo confidenciavam e sobretudo havia ali uma vivência de uma zona rural em que os salários eram recebidos à sexta-feira, ao fim do dia, ou ao sábado à uma hora, e as pessoas passavam por dois ou três estabelecimentos onde se iam abastecer. E eu sabia, em algumas circunstâncias, que de noite arrancavam para fora. Depois, fui para a Faculdade de Letras de Lisboa, curso de Geografia, em 1965-66, e quando foi a escolha da dissertação, houve dois colegas que escolheram a emigração como tema para fazerem a tese de licenciatura. Eu tive ainda em mente fazer a tese sobre esse tema, mas fui aconselhado a aprofundar um outro assunto e fiz um estudo monográfico sobre a Figueira da Foz. Em 1973 (estava eu na tropa), residindo em Lisboa, retomei o contacto com o professor com quem tinha conversado muito nessa altura, o Professor Ilídio Amaral, que nessa data era o vice-presidente do Instituto de Alta Cultura. Nesse momento, surgiam as primeiras questões relacionadas com o ensino do português no estrangeiro e havia várias situações que mereciam um estudo, como os casos da França, da Alemanha, e depois também do Luxemburgo. Em França havia uma personalidade que tinha um grande interesse pela língua portuguesa e pelo seu ensino, a Inspectora-Geral do ensino de português em França, a Inspectora Solange Parvaux. E foi ela que, conversando com o Professor Ilídio do Amaral, lhe terá chamado a atenção para uma realidade que havia interesse em conhecer. Em 1973, eu tinha interesse em fazer investigação na área da emigração e o Sr. Professor Ilídio do Amaral, sugeriu-me um trabalho que se consubstanciou numa monografia com o título "Subsídios para o Estudo da População Escolar Portuguesa em França". Fui recrutado em 1974 para a Faculdade de Letras da Universidade do Porto mas entre 1973 e 1983, trabalhei muito activamente nessa área.
Em simultâneo, assumi um compromisso profissional, em 1978, com o Departamento de Ciências da Educação, da Universidade de Aveiro. A partir de 1979-80, criei em Aveiro os cursos de Verão Lusitanis in Diáspora.
OEm - Dirigidos aos descendentes dos emigrantes...
JA - Exactamente. A proposta foi minha, acompanhei-os durante dez anos, foi uma iniciativa pioneira. Depois é que surgiram, nos anos seguintes, os seminários de Verão. Nós mantivemos sempre a estrutura do Lusitanis in Diáspora que ainda hoje se conserva. Ao fim de 8 ou 9 anos, quando conseguimos que o curso de Aveiro fosse integrado na estrutura normal dos antigos Serviços do Ensino Básico Português no Estrangeiro (actual Instituto Camões), a par dos cursos de Lisboa, Coimbra e Porto, eu entendi que o curso deveria ser alocado ao Departamento de Línguas da Universidade de Aveiro, por ser um curso de língua e cultura portuguesa. Organizei na Universidade de Aveiro vários cursos, quer com a inspectora do português em França, Solange Parvaux, quer com os Serviços do Ensino Básico Português no Estrangeiro, dirigidos a professores estrangeiros de língua portuguesa (Suécia, França, EUA, Canadá). Fiz depois um seminário com Madame Micheline Rey, socióloga suíça que era a responsável pela divisão de educação no Conselho da Europa.
Em 1986, fiz a agregação na área da sociologia das migrações, da introdução à sociologia e do desenvolvimento socioeconómico. Nesse mesmo ano, fui solicitado a dar alguns contributos na área do sistema educativo e estive como pró-reitor da Universidade de Aveiro, o que me afastou um pouco dessa temática. No entanto, fui correspondente da REMI e (amigo) do Gildas Simon, fundador dessa publicação - Revista Europeia das Migrações Internacionais. Depois sugeri-lhe que, como não estava propriamente a trabalhar continuamente nessa área, passasse essa correspondência para a Professora Maria Beatriz Rocha-Trindade, que penso que ainda hoje se mantém.
Nesse período começou a minha colaboração com o Ministério da Educação, primeiro como subdirector geral do ensino superior. Depois, comecei uma colaboração activa com o sistema, e posso dizer que mantive essa preocupação e esses interesses, entrecortados com outros desempenhos, mas mantive-me fiel sempre a este tema no sentido em que, estando a trabalhar num departamento da educação, tentei sempre associar as questões da emigração e do ensino. Foi por isso que participei, nos anos 1990, no programa hispano-luso de avaliação da acção educativa e cultural, em que fizemos um trabalho muito interessante com o Lopez-Trigal e vários outros colegas. Depois mantive-me muito atento à emigração portuguesa para o Luxemburgo. Periodicamente ia lá e considerava que o Luxemburgo era como que um laboratório de estudo da emigração, como depois verifiquei que o mesmo poderia ser dito da Suíça ou de Andorra. Ainda nos anos 1990, estive envolvido na fundação do CEPFAM - Centro de Estudos da População e Família, depois CEPESE. Também participava muito nos trabalhos do CENPA - Centro de Estudos Norte de Portugal - Aquitânia. O CENPA era resultado de uma parceria entre a Universidade do Porto e a Universidade de Bordéus III e tinha como director da parte francesa o Professor François Guichard e da parte portuguesa o Professor Oliveira Ramos. Era colega do François, até porque ele tinha vivido no Porto, e fiz um ou dois trabalhos de campo sobre a emigração portuguesa na área da Aquitânia, Sul de França, em comunicações nas jornadas de estudos Norte de Portugal-Aquitânia, que se realizavam ora em Bordéus ora no Porto. Depois do Programa Hispano-Luso de Avaliação Educativa participei no programa PROLUX, através de um pequeno estudo que fiz sobre o Luxemburgo, num projecto orientado pelo Professor Albano Estrela, com quem conversava várias vezes no âmbito desta orientação. Participei também na avaliação do ensino do português no Luxemburgo. Mais tarde trabalhei também num programa de avaliação do ensino de português na Suíça, solicitado pela Confederação da Instrução Pública (uma confederação dos directores de escolas da Suíça), no qual participei durante um ano e de que resultou um documento intitulado "Segunda geração de emigrantes - perspectivas sociais e culturais". Foi um trabalho muito interessante que desenvolvi com o Pierre Doudin , em que solicitei a vários colegas o seu contributo sobre os contextos da escolarização em Espanha, França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo.
Entretanto, sempre assegurando as minhas aulas na Universidade de Aveiro, tive um percurso de variados interesses e projectos, numa altura em que não havia a estrutura de financiamento actual, sempre com o diálogo e participação de colegas, nomeadamente de Santiago de Compostela onde participei em dois ou três cursos de Verão que eles realizaram sobre essa matéria. Em 2002, voltei para o ministério, para a Inspecção-geral da Ciência e do Ensino Superior. Como que a rematar este processo, havia algo que eu andava há muito tempo interessado em fazer e que, juntamente com o Lorenzo Lopez-Trigal e o CEPESE, foi finalmente levado a cabo em 2009: um seminário sobre as migrações ibéricas.
OEm - Ainda voltamos à questão do português no estrangeiro, mas começo por lhe perguntar se actualmente continua a considerar válido o que li num dos seus livros, que "a emigração é uma componente estrutural da sociedade portuguesa"...
JA - Essa frase está um pouco marcada nas obras do Professor Magalhães Godinho, e nas conversas que tive com ele, muito embora não tenha sido ele o autor dessa afirmação.
OEm - Seria o inspirador...
JA - O inspirador, exacto.
Tenho uma grande deferência também pelo Professor Joel Serrão. Também não o conhecia, estabeleci um primeiro contacto com ele justamente quando publiquei um trabalho em 1983 com o título " A emigração portuguesa: as suas origens e distribuição". Apresentei a minha tese em 1983 e ele esteve nas minhas provas académicas. Eu encontrava-me frequentemente com o Professor Joel Serrão e trocávamos impressões sobre este tema. Penso que a afirmação é da sua autoria. Na história e na evolução cronológica da emigração, esta constante estrutural vem no sentido de que nós, ao longo dos anos (e presumo que ainda antes da conquista de Ceuta) sempre tivemos saídas do país - nessa altura não se poderia falar em emigração propriamente dita. Este movimento de saída começou com Ceuta, em 1415, dizem os historiadores, nomeadamente os Professores Magalhães Godinho e Joel Serrão; efectivamente continuou a acontecer com a saída de gentes para a costa africana, para a Índia, depois para o Brasil, etc. Nós estivemos sempre muito dependentes dessa saída na medida em que nos permitia recolher meios, fundos, riqueza para a nossa vida interna e porque ao longo destes cinco séculos nunca deixámos de ter registo da emigração, mesmo quando ela foi decretada oficialmente extinta, em 1986, quando aderimos à CEE. Nós continuamos a ter emigrantes! E tanto continuamos a tê-la que, hoje, em dia, há cerca de 150 mil indivíduos que nós não sabemos bem por onde andam e que escapam a um processo de análise da equação de concordância entre os nascimentos, os óbitos e os movimentos migratórios. A emigração, mesmo que não queiramos, é um processo que evoluiu ao longo dos séculos, em modalidades distintas, sob a forma de povoamento, ocupação, trabalho nas plantações ou já com uma perspectiva de retorno e de canalização de remessas. No decurso da nossa história, não temos períodos prolongados sem o registo destas saídas! No nosso caso, essa afirmação da "constante estrutural" decorre de uma evolução contínua de saídas, de ocupações, de povoadores, de colonizadores, de trabalhadores e que, sobretudo depois da abolição da escravatura no Brasil e com a ida dos portugueses para substituírem a mão-de-obra negra nas plantações, se reacendeu, se intensificou primeiro para o Brasil e em determinados momentos para a Argentina, mas também para os Estados Unidos e para o Canadá ou já para Espanha, França, etc. Daí a justeza dessa afirmação da constante estrutural que, repito, não é minha.
OEm - Nesse sentido, como comenta o final decretado da emigração em 1986?
JA - Nessa altura, eu tive um debate com alguém ligado à estrutura da emigração e que pomposamente dizia que, em 1986, já não havia emigrantes portugueses para a Europa, O certo é que está por justificar por que razão é que há um ou dois anos em que não há estatísticas de saídas, há um hiato. A justificação oficial é que houve uma transferência da emigração para o INE.
Como se justifica isso? Num contexto político de afirmação de Portugal numa Europa comunitária, a emigração não joga bem com a nova imagem e com a nova configuração sociopolítica que se pretende implementar. Vou dar-lhe um exemplo muito concreto. Os irlandeses que emigraram maciçamente para os Estados Unidos no século XIX, depois da crise da batata e da fome, assumem um passado e uma raiz emigratória para os Estados Unidos como uma honra, como uma forma de engrandecimento, de pujança...
OEm - De identidade...
JA - De identidade, de afirmação!
Em Portugal, no contexto de uma integração na UE, não fazia sentido nós continuarmos a admitir a emigração porque esta esteve sempre associada, no nosso caso, à penúria dos meios de subsistência, aos aspectos económicos da Monarquia e do princípio da República, a uma situação económica grave do país que levava as pessoas a saírem naturalmente do país. E portanto a emigração era um epíteto que interessava associar ao Estado Novo, ao passado, e não ao Estado democrático. Em relação ao presente, e já desde os anos 1990 podemos constatar isso, não me desagrada dizer que somos um país de emigração, porque a nossa emigração actual já não é só dos analfabetos e desqualificados. Atenção, não é que o advogue, mas se conseguíssemos afirmar a nossa emigração como uma emigração qualificada (como hoje se está a verificar, com os resultados negativos que advêm para a economia do país), bem formada, cientificamente preparada e dando cartas noutros locais, penso que esta imagem poderia ultrapassar a outra, de um ciclo anterior marcado pela desqualificação da nossa mão de obra. Atenção a componente económica, da situação social do país, do desemprego, está presente neste movimento, como o demonstra um dos ministros do actual Governo, o Ministro da Economia...
OEm - Ele próprio um emigrante...
JA - Ele próprio um emigrante no Canadá! Se não forem tomadas medidas, dizia ele, resta-nos a emigração. Eu quero referir o seguinte: nos anos 1980, quando houve essa integração na CEE (depois UE), oficialmente deixámos de ter emigrantes passando a ter cidadãos dotados da sua mobilidade, mas infelizmente não deixámos de ter as razões que estão subjacentes a essa saída ou, se quisermos, a essa prestação temporária de serviços no estrangeiro, que se transforma depois numa situação mais ou menos de longa duração.
OEm - Estudou a inserção escolar dos portugueses no estrangeiro há algum tempo. Encontrou alguma correspondência entre essa visão da emigração portuguesa associada a estratos sociais mais baixos e a inserção social e cultural dos portugueses no estrangeiro?
JA - Sim, sim. Vamos pensar em França. Com a saída dos homens, com o reagrupamento familiar, em particular de crianças em idade escolar nos finais dos anos 1960 e anos 1970, o Conselho da Europa e um conjunto de organizações religiosas e cívicas começaram a manifestar preocupações e a chamar a atenção para a questão da escolarização das crianças nas sociedades de acolhimento. Naturalmente, a participação dos alunos na escola tinha como obstáculo principal a língua. A primeira medida tomada pelo governo francês, em termos de acolhimento e de integração desta população no sistema educativo, foi a criação das chamadas classes d'accueil, onde os alunos eram inseridos e onde havia programas específicos com outro tipo de aprendizagens. A partir daí atingiam os requisitos mínimos da escolarização obrigatória e a maior parte das vezes eram orientados para outro tipo de ensino, sobretudo ligado à parte profissional.
OEm - As classes de accueil eram paralelas ao sistema de ensino ou estavam integradas?
JA - As classes d'accueil eram paralelas no sentido em que tinham um estatuto misto, consoante as zonas pedagógicas. Mas algumas das classes d'accueil estiveram na origem dos cursos de língua e cultura portuguesa. Portanto, eram integradas no sistema educativo francês mas devido justamente ao fraco rendimento escolar dos alunos, as associações, as igrejas, etc. começaram a sentir necessidade de oferecer cursos Complementares de língua e de cultura portuguesas.
Os alunos portugueses eram alunos oriundos de uma classe de trabalhadores, frequentemente analfabetos, de tal forma que nos anos 1970 eu tive um projecto que desenvolvi na área de Estrasburgo no âmbito da formação de agentes sociais, assistentes sociais e alguns professores. Era um projecto coordenado pela Professora Maria Beatriz Rocha-Trindade e pelo Professor Magalhães Godinho. Eu recordo-me que, a certa altura, visitei a Universidade de Nancy e, numa das consultas bibliográficas que fiz e depois de ter falado com um colega psicólogo, ele chamou-me a atenção para um artigo que fazia um estudo dos quocientes de inteligência dos alunos portugueses e que chegava à conclusão de que o QI dos alunos portugueses não era inferior ao QI dos alunos de outras nacionalidades, nomeadamente em relação aos franceses. E portanto, havia ali uma admiração pelo facto de os alunos portugueses, com um QI normal e por vezes até superior ao normal, não terem rendimento escolar na escola. Só que essa questão punha-se em função das matérias leccionadas, da língua utilizada, em função também das áreas sob análise que eram as científico-naturais e da matemática, em que os alunos apresentavam piores resultados. Era na matemática, na física e outras ciências naturais que havia uma verbalização em termos técnicos e em língua estrangeira que dificultava a aprendizagem.
Outro exemplo, o Luxemburgo. Quando se começou a verificar a presença de alunos portugueses no Luxemburgo, a situação foi idêntica. Tanto assim que o projecto PROLUX do Professor Albano Estrela e outras iniciativas foram no sentido de criar um ensino bilingue em língua luxemburguesa e língua portuguesa que permitisse aos alunos superarem determinadas deficiências linguísticas porque os alunos, no Luxemburgo, "chumbavam" demasiado. O ensino pré-primário era em língua luxemburguesa. Depois, no início do ensino primário, começavam com o alemão. A matemática era em língua alemã. Portanto, os alunos portugueses tinham um insucesso escolar assustador. O mesmo sucedia em relação à Alemanha.
Há resultados escolares da primeira geração de novos emigrantes que estão associados a um handicap económico e cultural e que levou a que em França a progressão e a integração dos alunos de segunda geração no ensino superior, nomeadamente universitário, tenha demorado a consolidar-se.
OEm - Ou seja, nesse caso, a mobilidade social estava algo limitada...
JA - Extremamente limitada! Discuti isso várias vezes até com alguns colegas no Luxemburgo, onde as próprias expectativas da família eram reduzidas.
OEm - Falou atrás num trabalho sobre a avaliação da língua portuguesa no Luxemburgo...
JA – Eu fiz alguns trabalhos e levantamentos sobre as crianças portuguesas no Luxemburgo. E fiz uma proposta que me valeu algumas observações nas minhas provas de doutoramento. Nós estávamos a exportar para o estrangeiro bons professores mas que usavam justamente os métodos, as técnicas, os livros, os manuais e os vícios do ensino em Portugal. Quando eu assistia a algumas aulas ou distribuía alguns questionários aos alunos para eles darem aos pais, nas escolas que visitava só me faltava o campanário da igreja para dizer que estava exactamente numa escola portuguesa, num contexto luxemburguês. Não tenho formação linguística mas entendi sempre que o ensino do português deveria ter sido de há longos anos para cá muito mais dinâmico do que tem sido, isto é, a matriz formativa e de ensino não deveria caber exclusivamente aos programas de ensino de português para que pudessem equivaler ao quarto ano ou ao sexto ano ou ao nono ano, mas deveriam ser muito mais interactivos e segundo um outro modelo. Um modelo que não importasse apenas professores mas também alunos finalistas ou recém-licenciados das universidades nas áreas das línguas e da formação de professores, que mediante bolsas de dois anos num determinado contexto linguístico pudessem fazer como que um serviço cívico de apoio à comunidade, de ensino de novos métodos, de novas metodologias. Esse projecto que propus nunca obteve qualquer grande receptividade e presumo que o facto de se pertencer a uma universidade nova e não ter por trás o peso institucional de uma universidade clássica pode ter ajudado a isso.
Tiro o chapéu e louvo o esforço que foi feito no sentido de implementar o ensino da língua portuguesa nos cursos oficiais, sobretudo em França e também em Espanha. Só que a imagem que a sociedade tem da emigração portuguesa, a auto-imagem que os próprios alunos têm, a imagem dos seus pais, das suas famílias e das suas memórias antigas não me parece que seja estimulante. E depois, tudo isto se joga num período de crise económica.
OEm -Teve a oportunidade de estudar a questão do regresso dos emigrantes e a sua articulação com o desenvolvimento local, em particular das zonas de origem?
JA - A questão do regresso é interessante e antiga. Em 1982-84, participei num primeiro levantamento do regresso de emigrantes na diocese de Coimbra. Esse estudo foi promovido pela Cáritas, e contou com a participação da Professora Maria Beatriz Rocha-Trindade e da CCRC. Fizemos um inquérito interessante em todas as paróquias da diocese de Coimbra. Nos anos 1980, a questão do regresso estava na berra por várias questões de natureza política. Uma delas tinha a ver com a criação das Sociedades de Desenvolvimento Regional (SDR). As SDR teriam sido uma iniciativa interessante. Eram vistas, tal como a regionalização, como instrumentos que se destinavam a contrabalançar a fuga de meios da esfera local, canalizando verbas, inclusivamente remessas dos emigrantes.
A questão do regresso tem também dois ou três ciclos. O primeiro ciclo é o da emigração dos mais velhos que têm como projecto de vida o fazer a casa e o regressar. É o que está estudado: o comércio, o táxi, o investimento urbano, etc. À medida que as segundas gerações se foram fixando e que muitos desses projectos se foram gorando, no sentido em que as pessoas gostariam de regressar e não o podiam fazer porque entretanto os filhos casaram, ou porque entretanto os netos se fixaram, etc., esse projecto começou a ser um projecto adiado. E então, surge um "cá e lá" que inicialmente era um "lá e cá". Recordo-me perfeitamente que, na minha aldeia, muitos operários iam fazer um período inicialmente em França ou na Alemanha, depois passavam cá seis meses e depois iam quando queriam. Mas há um segundo regresso em que há uma fixação familiar mais intensa e nessa altura começa a haver um "cá e lá" mais periódico, menos efectivo em termos de remessas e de investimentos que se fazem no país de acolhimento. E é talvez aí, nos anos 1990, salvo melhor opinião, que começam a ser feitos alguns trabalhos interessantes...
OEm - A Santa Casa da Misericórdia de Paris fez publicar, aliás, há pouco tempo, um livro que aborda em parte essa questão [Os Portugueses em França na hora da reforma].
JA - Exactamente! Portanto, há um segundo momento do regresso em que as pessoas começam a andar no "cá e lá", em que regressam a Portugal e fazem a transferência das pensões para Portugal. Não há contudo uma desvinculação completa em relação aos serviços de assistência social e de assistência médica. E presumo que há uma fase híbrida e mista, no sentido em que as pessoas vivem um tempo em Portugal e um tempo no estrangeiro, em função das suas afinidades familiares.
Eu vejo isso como um processo inevitável de uma evolução e de uma mudança social do próprio fenómeno das migrações. Repare, nós temos hoje um facto novo importante, a proximidade, a acessibilidade, a mobilidade. Temos os voos low-cost! Isso facilita mais do que nunca a conexão entre uma família que já não é portuguesa ou francesa ou alemã mas que podemos dizer que é uma família europeia.
OEm - É, digamos assim, a reprodução, à escala europeia, das migrações internas...
JA - Exactamente! Nós estamos a falar agora, não de migrações internas, mas entre Estados que fazem parte da mesma união política, do mesmo espaço! Repare, se as ligações e os contactos com o Brasil, com os EUA eram extremamente dificultosas há uns anos atrás, hoje as viagens são relativamente baratas...
OEm - Até a própria comunicação, as pessoas podem ver-se todos os dias, mesmo à distância...
JA - Até a comunicação! Eu vejo isso como um processo normal de mudança, sobretudo em função deste sentir que é o sentir europeu.
OEm - Isso não deveria também ajudar a desmistificar aquela imagem da emigração de que falávamos há instantes? O facto de estarmos num espaço mais aberto não levará necessariamente a que a emigração aumente em Portugal da mesma forma que aumentará noutros países, mesmo que haja outras razões específicas a cada espaço nacional que o possam justificar?
JA - Em termos oficiais não podemos deixar de falar de emigração. Sempre que há uma deslocação por razões de trabalho, por um período determinado e ultrapassando uma fronteira política é certo que há um movimento e/imigratório. Agora, se nós quisermos, no âmbito das relações internacionais ou das relações políticas, esbater essa fronteira política - dizendo que há um conjunto de Estados que fazem parte de uma federação de Estados - deixámos de falar de e/imigração e passamos a falar de migrações internas como fazem os alemães entre os lander ou mesmo os suíços entre os cantões ou os americanos entre os seus estados. Portanto, eu vejo aí uma fronteira política mais do que um outro tipo de limite. Mas admito perfeitamente a existência dessa mobilidade acrescida do ponto de vista geográfico, até do ponto de vista económico, com transferências, etc.
OEm - A academia e os media consideraram Portugal país de imigração desde os anos 1990, e tenderam a esquecer a emigração, para a qual tornaram a voltar-se. Como investigador, como se posiciona em relação a esta dinâmica do padrão migratório português?
JA - Há pouco, falámos da emigração como uma constante estrutural da sociedade portuguesa. Eu tenho muita dificuldade, do ponto de vista epistemológico até, tendo por referência o conceito das Nações Unidas que associa emigração a um espaço político, em definir o país em relação à emigração, e em saber quando é que deixamos de ser colonizadores e passámos a ser emigrantes - a velha questão colocada pelo professor Joel Serrão. Tenho andado, aliás, a procurar alguma literatura a esse respeito. De acordo com este conceito que liga a emigração a um movimento de pessoas entre estados soberanos do ponto de vista formal, só há emigração para o Brasil depois da independência do Estado brasileiro. Mas o que há antes da sua independência e a partir do momento em que há a exploração das minas de ouro? É uma emigração económica ou não é? Aceito a prevalência das razões económicas, das razões políticas, das razões religiosas - que nós não temos bem exploradas. Mas se quisermos olhar a imigração, há um versejo do velho cronista Garcia de Resende que recordo: "Vemos no Reino meter/ tantos cativos crescer, / e irem-se os naturais, / Que, se assim for, serão mais/ Eles que nós, a meu ver". Nós temos uma entrada de pessoas "estranhas" que começou há muito tempo com os escravos, com os judeus, com os espanhóis que para cá vieram quando perdemos a independência, com os refugiados da guerra, com franceses em determinado momento, com os austríacos, com os judeus de diversas nacionalidades... Ao longo da nossa história, já não com o pendor estrutural da emigração mas em momentos conjunturais, nós temos também em Portugal entrada, admissão e acolhimento de pessoas "estranhas". Estrangeiros ou nacionais, como acontecia com os cabo-verdianos que desde os anos 1950 vinham para Portugal trabalhar em anos de crise e seca em Cabo Verde. E continuamos a ser, não digo com grande orgulho mas com grande aceitação, um país de emigração. Continuamos a sê-lo! Faz parte agora de um processo diferente do que era há vinte ou trinta anos atrás, aceito-o perfeitamente. Durante um período determinado reforçaram-se as componentes da imigração, em que esta foi muito significativa e relevante, por razões políticas que tiveram a ver com a descolonização e por razões da nossa integração europeia e no espaço Schengen, etc.
Em relação ao futuro, presumo que Portugal tem de ser e tem de aceitar ser nos próximos anos um país de imigração. Do ponto de vista demográfico, tendo presente o nosso envelhecimento etário, os nossos índices sintéticos de fecundidade não estão a permitir a renovação da população autóctone e da população portuguesa. Portanto, se nós quisermos continuar a manter um certo ritmo de crescimento ou mesmo de estabilização da população portuguesa, nós temos de o fazer à custa de uma população imigrante. Mas atenção, uma população imigrante que não seja adulta ou de idade avançada, mas que seja uma população que garanta, como aconteceu no Luxemburgo ou em França, um certo rejuvenescimento da espécie.
No contexto da União Europeia, a Europa, do ponto de vista demográfico, tem de passar a ser vista como um todo em que haverá necessariamente regiões envelhecidas e rejuvenescidas - umas mais do que outras, devendo naturalmente as de maior pujança económica ser as mais rejuvenescidas. E certamente iremos também assistir ao acentuar de uma redistribuição da população portuguesa - os censos de 2011 já o demonstram. Eu gostaria, aliás, de fazer uma reflexão mais aprofundada sobre esta questão da geografia do despovoamento de Portugal. O recenseamento de 2011 mostra cabalmente que as coisas se estão a concentrar em centros, em sedes de concelho, em áreas de emprego, em áreas metropolitanas, no fundo em duas grandes áreas. Tudo o resto perde [população]! Repare, na região centro, onde nos situamos, há três NUTS apenas que aumentaram a sua população [entre 2001 e 2011]: o Oeste, o Pinhal Litoral e o Baixo Vouga. Tudo o resto na região centro perde população de uma forma assustadora! Portanto, em relação a estas questões da e/imigração, temos de estar atentos não só ao Estado Português mas à Europa no seu conjunto.
Depois, temos de ter atenção, no domínio das políticas demográficas e sociais àquilo que se passa na Europa, com os seus centros de maior pujança, os seus centros de despovoamento, os seus centros intermédios, tendo em conta todo o arco mediterrânico, em que as populações subsarianas têm índices de crescimento muito mais elevados do que nós. A Europa deve ter em atenção os contrastes civilizacionais, os contrastes económicos e ter em atenção as próprias migrações que operam neste contexto. Deve ter o cuidado de olhar para dentro de si como um todo mas também o cuidado de olhar para os seus limites, para os fenómenos que operam na África subsariana e depois na sua transição para o território asiático, com as suas cargas demográficas que são relevantes, em termos da nossa leitura da e/imigração.
OEm - Para concluir, poderia dizer-nos quais os seus projectos no presente?
JA - Uma vez já aposentado, queria concretizar dois projectos. Um deles é a biblioteca digital sobre a emigração portuguesa, modesta mas que é uma iniciativa que não exige ser levada a cabo nem por grandes centros de investigação, nem nas grandes cidades. Um museu local, com as suas limitações e as suas vantagens, pode perfeitamente fazer isso. E agora, estou a preparar-me para retomar, noutra perspectiva, algumas coisas que fiz e outras conexas naquilo que considero que vai ser o meu "memorial da emigração portuguesa". Trata-se de um trabalho de reflexão e de síntese que está a ser paulatinamente construído.
Cite as Ribeiro, Pedro (2011), "Evolução e modalidades da emigração portuguesa. Entrevista a Jorge Arroteia", Observatório da Emigração, 3 de Agosto de 2011. http://observatorioemigracao.pt/np4EN/4691.html