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Even on their return, the Portuguese continue to feel as emigrants
[Mesmo no regresso, os portugueses continuam a sentir-se emigrantes]
João Sardinha
João Sardinha has a PhD in migration studies from the University of Sussex, with previous training in geography. His research interests are the return of the second generation emigrant, associativism in a migratory context, transnationalism and social space and migration to rural areas. Since completing his PhD in 2008 he has held various positions as a scientific researcher in various research centres in Portugal, among them: CES-Universidade de Coimbra, CEMRI-Universidade Aberta, IGOT-Universidade de Lisboa, ICS-Universidade de Lisboa, CICSNOVA-Universidade Nova de Lisboa.

 

Interview held in Lisbon, on January 24th, 2011, by Cláudia Pereira.
Also available as PDF in the series OEm Conversations With.

 


Observatório da Emigração (OEm) - Talvez possa falar do que é que, no seu percurso pessoal ou académico, o levou a estudar a emigração portuguesa...

João Sardinha (JS) - Eu não posso falar da parte académica sem falar da pessoal. Tinha 7 anos quando fui para o Canadá com os meus pais. Estive lá 18 anos. O meu interesse pela emigração em si começou lá, já na altura da minha licenciatura...

 

OEm - É licenciado em...

JS - Geografia.

 

OEm - E de que modo apareceu o seu interesse pela emigração durante a licenciatura?

JS - Por acaso, foi um pouco inspirado num professor que tive no Canadá (Greg Halseth) que era e é ainda hoje um grande amigo. O meu pai era um líder associativo, na Associação Portuguesa de Prince George, que é a cidade onde eu vivia. Na altura em que o meu pai liderava a associação, eu era um pouco obrigado também a participar em algumas actividades da associação, como muitos filhos de emigrantes são quando os pais estão envolvidos nas associações. Entretanto, no meu último ano da licenciatura, surgiu a oportunidade de escrever um capítulo para um livro sobre etnicidade nessa cidade. Eu fui convidado por esse professor, sabendo que havia um interesse. E pronto, foi por aí que tudo começou, basicamente. Entretanto, sempre existiu aquele "bichinho" cá dentro de qualquer dia "experimentar" viver em Portugal. E surgiu a oportunidade, depois da minha licenciatura, de vir para cá fazer o mestrado. Houve alguns problemas de equivalências (muitos jovens passam por estes problemas, é uma das coisas que encontro no trabalho de campo quando coloco perguntas sobre as dificuldades de integração) e então vim para cá em 1997 e fiz o mestrado em "Geografia e Planeamento Regional" na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Na altura, o meu interesse não era tanto a emigração portuguesa, era mais o associativismo. A minha tese de mestrado foi sobre o associativismo cabo-verdiano na área metropolitana de Lisboa, tal como depois a minha tese de doutoramento foi também sobre o associativismo em três comunidades diferentes, um estudo comparativo sobre as comunidades de leste, brasileira e angolana...

 

OEm - Disse-me que escreveu durante a licenciatura um capítulo de livro...

JS - Sim, tinha como título "A etnicidade em Prince George" [Ethnicity in Prince George].

 

OEm - Nesse capítulo, abordou os portugueses em particular ou também outros grupos?

JS - Prince George não é uma cidade grande, é uma cidade média canadiana, com cerca de 75 mil pessoas. Eu abordei as comunidades na cidade, principalmente através do associativismo. Na altura, se não me engano, havia à volta de 12 ou 13 associações de diferentes nacionalidades. Fiz algum trabalho de campo, algumas entrevistas a líderes mas, como o meu conhecimento era maior em relação à comunidade portuguesa, eu foquei sobretudo esta, como case study.

 

OEm - Depois do mestrado e doutoramento, como é que parte para projectos sobre o retorno dos emigrantes?

JS - Quando estava a terminar o doutoramento, o meu orientador na Inglaterra, que era o Russel King, diz-me: "eu tenho um projecto com a Anastasia Cristou (uma colega da Universidade de Sussex) sobre o regresso de gregos, greco-descendentes à Grécia, que compara três países de origem". Então, um pouco por influência dele, decidi fazer algo semelhante cá. Entretanto, fui para Coimbra onde fiz um pós-doutoramento, mas onde estive apenas um ano e meio até surgir este trabalho na Universidade Aberta, no CEMRI, no âmbito dos concursos "Ciência 2008". Comecei a trabalhar com a professora Maria Baganha sobre o regresso da segunda geração dos descendentes a Portugal, comparando três países de origem: França, Canadá e Alemanha. O título do projecto é "O retorno da segunda geração portuguesa para Portugal: identidade, pertença e vidas transnacionais" e começou em Janeiro de 2008.

 

OEm - Quando mudou para Lisboa, continuou o projecto?

JS - Sim, o projecto transitou comigo. Em 2008 e 2009 fiz bastantes entrevistas. Neste último ano de 2010, concentrei-me num caso específico de uma jovem luso-descendente de Montreal, que voltou para Portugal para seguir um sonho, o de ser fadista cá. Então, segui esse estudo de caso e acabei por fazer um filme sobre ela com um colega de Antropologia Visual, do CEMRI, o António Saraiva. Seguimos os seus últimos meses antes de ela decidir regressar a Montreal. Acabou por ser um regresso falhado a Portugal e aí está a parte interessante. Aqueles dois últimos meses foram passados a tentar descobrir o que correu mal, porque é que ela estava a tomar a decisão de desinvestir do seu sonho e voltar a Montreal... Está agora na fase de montagem.

 

OEm - Que aspectos gostaria de salientar da investigação que já fez no âmbito do seu pós-doutoramento?

JS - A investigação em si tem várias vertentes que abordo nas questões que coloco e análise que faço. A identidade é um ponto principal. Os jovens vêm para cá... Bem, alguns já não são propriamente jovens, o retorno também acaba por ter diferentes características: há aqueles que voltam com os pais, alguns até forçados a voltar; outros voltam individualmente, deixando lá os pais e com as suas razões por trás do seu retorno, como o caso da Marta fadista que voltou à procura de um sonho. Há muitos jovens que voltam à procura de um sonho, como para jogar futebol, por exemplo.... Já fiz algumas entrevistas com casos desses. E depois ainda há aqueles que voltam já com a família constituída porque, por exemplo, casaram com um(a) português(a), luso-descendente, e já têm filhos e que voltam porque vêem uma oportunidade cá. Ou simplesmente porque procuram trabalho cá e conseguem. Isto já tem contornos de projecto de retorno. Se for um casal que já tinha esse projecto, sendo os dois portugueses... Talvez já namorassem, voltavam à aldeia em conjunto e sempre tiveram esse projecto... E transmitem-no também aos seus filhos. Isto passa-se de segunda para a terceira geração mas também existe da primeira para a segunda. Depois também há os conflitos familiares, quando os pais querem regressar e os filhos não querem, mas também o contrário, quando estes querem e os pais não.

 

OEm - E acabou por encontrar todos esses casos...

JS - Sim, sim. Existem muitos casos de os filhos regressarem e os pais não...

 

OEm - O retorno dos filhos para Portugal tem por base algum projecto de vida dos pais? Ou seja, será que esses pais transmitiram aos filhos que queriam voltar e depois isso, por qualquer razão, acabou por não acontecer e...

JS - Exactamente. Os sonhos dos pais acabam por não se realizar porque com a passagem do tempo o país de origem modificou-se e já não é aquele país para onde se desejava regressar. Os filhos, que já não vêem as coisas da mesma maneira, acabam por fazer esse retorno, completando o sonho dos pais. Também acontece isso, tenho encontrado essas histórias.

 

OEm - Há alguma idade mais comum para o retorno?

JS - Da minha própria experiência, tenho encontrado pessoas mais jovens, na casa dos 20-30 anos. Mas tudo depende. Quem vem de França, comparando com o Canadá, é um retorno completamente diferente. Quem vem de França tem acesso a Portugal muito mais facilmente. O retorno pode ser anual... "o meu querido mês de Agosto"... Mas por exemplo, olhando para um país como a Canadá, também há grandes diferenças. Quem vem de Montreal ou de Toronto apanha um avião e está cá em oito horas. Quem vem de Vancouver, por exemplo, já é diferente. E quem vem dos espaços rurais ou mais remotos do Canadá, ainda menos acesso tem a Portugal. No que diz respeito aos luso-descendentes que vêm de França e que têm um contacto muito mais privilegiado com Portugal, também esses têm acesso aos programas Erasmus. Por isso, podem optar por "experimentar" Portugal, enquanto alguém que vem dos EUA e Canadá não tem essa possibilidade. O mesmo se passa, aliás, com quem vem da Alemanha ou de qualquer outro país da UE, com acordos Erasmus com Portugal.

 

OEm - Então tem encontrado diferentes motivações para as pessoas retornarem?

JS - Sim, de todo o tipo. Há aqueles que vêm à procura de realizar um sonho, há aqueles que voltam a pensar que podem contribuir para o desenvolvimento local, da sua aldeia... Estavam habituados a voltar à sua aldeia quando jovens e a estarem ali aborrecidos porque não há um bar, uma discoteca, ou qualquer coisa... Por isso, há quem volte para investir com o intuito de contribuir para o desenvolvimento local. Há quem volte simplesmente em nome da aventura, a ver se dá ou não dá, para experimentar. E depois há aqueles que voltam com os pais, um bocado forçados e que, quando são entrevistados, dizem mal. Esses têm o seu projecto de regressar ao seu "país de origem".

 

OEm - Quais as semelhanças e diferenças que encontrou entre os que retornam de França, Alemanha e Canadá?

JS - Há algumas semelhanças no que diz respeito à sua integração. A língua acaba por ser uma barreira principal quando vêm para Portugal. Os filhos não falam bem o português ou, se falam bem, há sempre a questão do sotaque, em que a visibilidade se torna mais evidente. E depois há as "burocracias à moda portuguesa"... Por exemplo, quem vem do Canadá, mesmo da Alemanha ou de França, nota uma diferença. Estão habituados a uma sociedade mais organizada. Encontram aqui dificuldades que se queixam não encontrar no país de onde vieram. Mas, curiosamente, perguntando-se a essas mesmas pessoas se trocariam viver em Portugal pelo país de onde vieram, tomando em consideração essas dificuldades, muitos deles dizem que não o fariam, mesmo assim. O sol, a praia [risos] acabam por valer mais... A saudade, o sentimento de pertença acabam por valer mais do que as queixas, pequenas ou grandes, que têm sobre Portugal.

 

OEm - Mas notou diferenças entre quem voltou de França, Alemanha ou Canadá, ou as questões eram bastante comuns?

JS - Diferenças em termos de integração, de aceitação pela sociedade, sim. Principalmente em termos de aceitação, há uma grande diferença. Principalmente, em relação aos franceses, são muito mais alvo de troça... Existe uma maior tendência para formar um estereótipo em relação ao emigrante francês. É interessante: em França, em relação à mulher portuguesa existe o estereótipo desta ter bigode, etc., e os portugueses cá sabem dessa característica. Por isso, há a tendência, cá em Portugal, de apropriar essas mesmas características que são atribuídas pela sociedade francesa às mulheres portugueses emigrantes! É um bocado irónico! Nós, portugueses em Portugal, se fôssemos para França também seríamos portugueses em França! As características que são atribuídas aos portugueses em França ser-nos-iam também a nós. Quem está cá dentro acaba por colocar estereótipos àqueles que estiveram lá fora e que voltam para cá! E assim, mesmo após o regresso continuam a sentir-se emigrantes.

 

OEm - Eles sentem isso?

JS - Sim, sim, sentem isso. E depois há estereótipos que são atribuídos à primeira geração que passam para a segunda. Por exemplo, os pais chegarem a um café e pagarem um café com uma nota de cem euros, só para mostrarem que estão bem em França e ganham bastante dinheiro... E são estes estereótipos que acabam por ser atribuídos aos filhos. E depois, continuando com quem vem de França (e que também se aplica a quem vem da Suíça ou do Luxemburgo, por exemplo), existe uma maior associação àquilo que em Portugal é considerado piroso: um português mais antiquado, mais rural, uma imagem se calhar transmitida pelos pais, pelas comunidades portuguesas lá fora. Muitos deles voltam ao meio rural quando vêm de férias e durante o mês de Agosto é a música do Tony Carreira e a música "pimba" que eles acabam por consumir, e cá em Portugal não é bem esse tipo de música que os jovens da mesma idade procuram. E assim se cria uma imagem negativa destes jovens que não estão bem a par daquilo que Portugal é. Agora, no que diz respeito a quem vem do Canadá, é frequentemente colocada a pergunta a quem regressa: "voltar a Portugal para quê?"... Voltar de um país mais avançado, reputação reconhecida... "Porque saíste do Canadá e vieste para Portugal!? Isso não faz sentido!?"

 

OEm - Nesse aspecto, o estereótipo é um pouco o inverso do da França...

JS - Exactamente! Acaba por ser assim...

 

OEm - De alguma forma isso dificultou a integração dos portugueses que voltaram do Canadá?

JS - Não. Eu acho que em termos de lhes ser associada uma qualquer conotação não é tanto como para quem vem de França. Talvez a grande diferença seja que quem vem da América (EUA ou Canadá), acaba por encontrar diferenças maiores por não ter um contacto mais regular... Diferenças maiores entre as sociedades em si, entre estilos de vida... Isso acaba por dificultar um bocadinho mais a sua integração. No que diz respeito a quem vem dos EUA ou do Canadá, há que ter em conta as diferenças entre quem regressa para o Continente e quem regressa aos Açores. Há uma grande diferença!

 

OEm - Que diferenças nota, por exemplo?

JS - Já fiz trabalho de campo no Canadá sobre isto, sobre os luso-descendentes no Canadá e a potencialidade de regresso, e existe uma maior tendência para querer voltar entre os que têm origem no Continente do que aqueles cujos pais são originários dos Açores. Isto, ao nível do desejo! Existe um maior desejo de voltar entre aqueles cujos pais são do Continente do que entre aqueles cujos pais são dos Açores.

 

OEm - Porque é que acha que isso acontece?

JS - Isso também tem a ver com o contacto, novamente. Quem vem do Continente, tem maior tendência a voltar a Portugal, passar as suas férias; os açorianos não têm tanto esse contacto. Os pais emigraram e fixaram-se mais na terra de imigração e não existe a tendência de "transmitir Portugal" aos filhos... E como esse contacto também é mínimo, acaba por não existir o desejo de regressar aos Açores. E depois, há a questão socioeconómica, pelo facto de os Açores terem uma reputação de território "atrasado", porque os pais saíram de lá para escaparem à pobreza, em muitos casos, e os filhos sabem muito bem disso. Isso é transmitido aos filhos e claro que estes não têm interesse em voltar para um local que vêem como pouco desenvolvido.

 

OEm - E em termos geográficos é mais limitado...

JS - Sim, exactamente, um bocado fechado e isolado...E, por isso, enquanto quem vem para o Continente já não vê Portugal como um país "atrasado", um filho de um açoriano poderá ver os Açores desta forma ainda.

 

OEm - E em relação, por exemplo, aos que retornam da Alemanha? Alguma característica que os diferencie?

JS - Boa pergunta! [risos] Verdade se diga, não tenho feito tanto trabalho de campo com "alemães" [portugueses na Alemanha*] como com "franceses" ou "canadianos" [portugueses em França ou no Canadá*]. Agora, dos portugueses que regressaram da Alemanha, há uma característica que tenho encontrado nas minhas entrevistas, é a tendência de terem trabalhos em empresas alemãs. Tenho encontrado pessoas que trabalham na Siemens, em Lisboa... Há gerentes do Lidl que são luso-descendentes...

 

OEm - Isso significa que tem encontrado menos pessoas que retornam da Alemanha?

JS - Sim, tenho encontrado menos, para já. Mas atenção, é que eu também gostava de começar a analisar outras comunidades em que o retorno da segunda geração tem sido mais visível, digamos. Por exemplo, o caso dos "venezuelanos". Há histórias interessantíssimas...

 

OEm - Tem havido um retorno significativo de portugueses que estavam na Venezuela?

JS - Exactamente... Em muitos casos, quando vêm os pais vêm os filhos... Há muitos núcleos. A Madeira é um núcleo de retorno de "venezuelanos" [portugueses na Venezuela*]. Também há um pequeno núcleo no Continente que é a zona entre Aveiro, Espinho, Porto, aquela zona do litoral. Mas o impacto dos luso-venezuelanos na Madeira está a ser importante... Eu dou um exemplo de um case study. A seguir ao futebol, o basebol é o desporto mais popular na Venezuela e os luso-descendentes que têm voltado da Venezuela criaram uma liga de basebol. Também já há uma liga de basebol no Continente mas, na Madeira, [os luso-venezuelanos*] criaram uma pequena liga com jogadores suficientes para cinco equipas! Por isso, já há um campo de basebol que foi construído para esta comunidade. Se não fosse o regresso desta comunidade de luso-venezuelanos não havia esta vertente do desporto de basebol na Madeira. Lá está, visibilidade em termos do impacto na paisagem da ilha. É um caso muito interessante!

 

OEm - O retorno de emigrantes e descendentes que tem investigado tem um foco em alguma área específica de Portugal (por exemplo, Lisboa, Açores) ou tem entrado em contacto com o retorno de emigrantes em outras zonas?

JS - O meu objectivo é chegar aos locais onde a emigração é expressiva para perceber se o regresso da segunda geração também é expressivo nessas zonas. Ainda não tive oportunidade de fazer trabalho de campo nos Açores mas adorava e vou fazer por isso. Também no Minho, nas Beiras de onde tradicionalmente os portugueses saíam para França, tenciono fazer ainda algum trabalho... Mas dou um exemplo, tenho feito muito trabalho de campo na região de Peniche-Lourinhã porque é uma zona de saída para o Canadá e onde há muito regresso de luso-descendentes. Eu tenho encontrado muita gente mesmo através das minhas próprias redes, encontrei esta comunidade através de redes pessoais: pessoas que conhecia do Canadá, que têm vindo para cá, e, através deles, tenho conhecido outros descendentes que também regressaram.

 

OEm - Então tem feito entrevistas em várias zonas do país?

JS - Exacto. Mas tenho feito mais na Grande Lisboa, Porto e Minho.

 

OEm - Começou pelas redes pessoais que conhecia e depois foi alargando...

JS - Agora estou a alargar para os sítios onde a emigração tem sido mais tradicional, para ver se existe essa tendência de regresso [aos sítios de onde os pais saíram de Portugal*]. E o que tenho encontrado, neste caso e é interessante, são as próprias migrações internas após o regresso.

 

OEm - Ou seja?

JS - Ou seja, alguém que vem de França, da Alemanha, do Canadá ou de outro país qualquer vem para a aldeia de origem dos pais mas, depois de algum tempo aí instalado, sai para vir para Lisboa ou para o Porto.

 

OEm - Ou seja, há uma mobilidade interna, da aldeia para a cidade.

JS - Exactamente. A tendência de deslocamento depois do regresso é muito comum. É interessante observar esta tendência em quem vem para estudar, por exemplo: regressam para a terra mas depois vão estudar para a universidade mais próxima. Isso é comum, por exemplo, entre os luso-franceses no Minho, que vão estudar para Braga, os do Centro vão para Coimbra... O regresso de luso-descendentes para residirem definitivamente na aldeia não é tão comum como um luso-descendente vir para a aldeia e depois ir para outro sítio, seja porque arranja um trabalho ou simplesmente opta por ir viver para uma cidade.

 

OEm - Da sua investigação, tem notado algum acréscimo do retorno dos emigrantes?

JS - Nota-se um aumento, embora, em termos estatísticos, isso seja difícil de provar nesta altura. Para o censo de 2011, estava-se a trabalhar para isso. O Observatório dos Luso-descendentes tem feito bastantes esforços nesse sentido. A intenção era tentar colocar perguntas nos censos a esse respeito para tentar saber quantos são.

 

OEm - É difícil contabilizar o número de luso-descendentes...

JS - Exacto. Eu pessoalmente tenha alguma dificuldade com essas questões, tenho algum problema com a definição de luso-descendente. Mesmo em termos de literatura, existe o termo segunda geração, mas também há a geração entre a primeira e a segunda que é a geração 1.5 que se define por pessoas como eu, que fui para o Canadá quando tinha sete anos!

 

OEm - Em termos estatísticos, é um emigrante...

JS - Sim, na realidade. Nasceram cá e emigraram com os pais, são emigrantes. Mas em termos da literatura, cada investigador nesta área define a geração 1.5 com diferentes idades: há aqueles que definem a idade escolar como limiar, se emigraram depois da idade escolar já é primeira geração, já não é 1.5. Há aqueles que dizem que é até aos teens, até aos 12...

 

OEm - Qual é que faz sentido para si?

JS - Eu considero a adolescência como limiar, até aos teens, até aos 12 anos. É esse o meu critério na minha investigação.

 

OEm - Ou seja, até aos doze anos são considerados...

JS - Se nasceram no país de imigração dos pais, considero segunda geração; se nasceram em Portugal, mas foram até aos 12 anos eu defino como 1.5. Aqueles que já foram com 13 ou mais anos, já considero como fazendo parte da primeira geração. Eu utilizo este critério mas cada investigador tem o seu...

 

OEm - Mas como define luso-descendente?

JS - Pois... eu tenho alguma dificuldade em definir o que é um luso-descendente. Tenho alguma dificuldade em perceber como se vai definir em termos de uma estatística obtida a partir de uma pergunta colocada [num inquérito*].

 

OEm - Em princípio seriam os filhos dos emigrantes portugueses...

JS - Sim. Mas vamos só considerar um exemplo: imaginemos que os pais estiveram emigrados 10, 12 anos. Durante esse período de emigração, tiveram um filho, após o que estiveram lá mais dois ou três anos e voltaram para Portugal. O filho veio para Portugal com dois anos, imaginemos, e nunca mais voltou àquele país. Ele sabe que nasceu em França ou no Canadá ou na Alemanha, mas não tem ligação nenhuma com o país de nascimento.

 

OEm - Em termos puramente estatísticos é imigrante em Portugal, mas não se sente como imigrante...

JS - Sim, exactamente. E se eu tenho nacionalidade portuguesa e nunca tive outra nacionalidade e nasci lá fora? Por exemplo, alguém que esteve anos e anos em França, nunca optou pela nacionalidade francesa e que com vinte e tal anos regressa, é português, sempre foi português, só que esteve durante os primeiros vinte e tal anos da sua vida em França...

 

OEm - É difícil classificar...

JS - Eu acho que é um pouco difícil de classificar. Estabelecem-se regras de pesquisa ou de levantamento em função do que se pretende... Mas em termos estatísticos, acho que é difícil.

 

OEm - Que houve um aumento do retorno nos últimos anos, mas que não é algo se consegue provar, é o que tem sentido nas entrevistas?

JS - Sim, sobretudo.

 

OEm - Últimos anos, quer dizer o quê, dois ou três anos?

JS - Acho que isto tem vindo a crescer pouco a pouco de acordo com o desenvolvimento em Portugal. Eu próprio coloco esta pergunta: houve eventos específicos que levaram a tornar Portugal mais atraente para os luso-descendentes? Em função das entrevistas que já realizei, acho que sim. Por exemplo, a Expo 98 e o Euro 2004...

 

OEm - Funcionaram como um chamariz...

JS - Exacto... E ajudaram a promover Portugal junto desses luso-descendentes. Depois, também acho que a situação de Portugal em si (o que a vida cá pode proporcionar) é muito importante nesta questão, no que diz respeito aos luso-descendentes e ao que os pode atrair a vir para cá. Acho que a Internet é um espaço importantíssimo para divulgar Portugal. A Internet também tem tido um papel fundamental, principalmente para quem procura, para quem quer saber coisas sobre Portugal.

 

OEm - Em termos de qualificações dos luso-descendentes que retornam a Portugal, há alguma qualificação ou escolaridade mais comum?

JS - Voltamos à questão da língua. Quem domina bem o inglês ou o francês, tem muito mais facilidade em arranjar emprego em trabalhos em que a língua é muito importante. Por exemplo, quem fala inglês encontra-se com grande facilidade a dar aulas de inglês em escolas de línguas. O mesmo acontece com os alemães que vêm para as multinacionais, também com os franceses, luso-descendentes em instituições que têm ligações muito fortes com a França, cá. A língua é uma mais-valia, sobretudo no emprego.

 

OEm - Em termos de qualificações escolares propriamente ditas, tem havido alguma predominância de determinado grau escolar? É mais comum encontrar pessoas com qualificações idênticas às que partiram (como a quarta classe, por exemplo) ou com mais qualificações (secundário, licenciatura)?

JS - Voltando com a quarta classe, apenas os pais. Entre aqueles que regressam com os pais, depende das idades. Tenho feito algumas entrevistas com alguns jovens que regressam e vão para o secundário que ainda não terminaram, por exemplo. Também há quem, uma vez terminado o secundário lá, venha para cá para a universidade (há quem tenha esse objectivo, que queira mesmo vir para cá fazer isso).

 

OEm - Há alguns que já voltam licenciados?

JS - Sim, sim, também! Tenho encontrado pessoas que vêm para cá pensando que vão conseguir um emprego mais facilmente do que no seu país de origem. Pensam que têm armas mais adequadas para o trabalho realizado em Portugal do que os licenciados cá, seja porque têm uma licenciatura numa universidade estrangeira, se calhar mais valorizada aqui, seja por saberem uma segunda língua. Com essas armas, muitos pensam que têm uma vantagem sobre os que são de cá, que nunca saíram de Portugal... Mas depois, quando se lhes pergunta, como eu faço, "e desde que está cá, isso tem-se revelado verdadeiro?", respondem sempre "não". Aquilo que pensavam que seria fácil, antes de virem para cá, revela-se o contrário. Questionados porquê, eles começam logo a falar dos padrinhos, das cunhas, da forma como as coisas funcionam em Portugal, começam a descobrir esse lado. Confrontados com essa realidade, começam a perceber que isto não é exactamente o que eles pensavam antes de virem para cá. E aí surge a desilusão de muitos sonhos. E aqui voltamos à história da nossa fadista, Marta, do filme que referi... Cantar na associação local, onde toda a gente a adora, é muito mais fácil do que vir para Portugal e, no mundo do fado, tentar ser alguém.

 

OEm - Não sei se quer realçar mais algum aspecto deste projecto que ainda continua...

JS - No início desta conversa, eu ia falar sobre identidades e entretanto falámos de tudo menos isso [risos]. A identidade é um aspecto que eu acho muito interessante na análise de como os luso-descendentes acabam por se identificar no pós-regresso. No que respeita à identidade pré-regresso, para aqueles que têm o desejo de regressar, a sua vertente portuguesa é mais forte. Para um luso-candadiano, um luso-francês ou um luso-alemão, o português é o lado mais forte do hífen quando estão lá fora e, por isso, é que eles querem regressar também.

 

OEm - É mais vivida essa pertença identitária apesar de não estarem em Portugal, do que a do país onde vivem...

JS - Exacto. Quando regressam, passa a ver-se o contrário. Começam a dar mais valor ao país de onde vieram. E o valor que não era dado lá passa a ser dado cá. É isso que tenho encontrado. A sua identidade, que já é dupla, assume diferentes pesos, mas opostos em relação ao país onde se está! E porquê? Provavelmente pela ausência mas também pela discriminação, pelo facto de se sentirem diferentes. Qualquer luso-descendente é identificado como português no país onde nasceu (ou para onde foi quando criança) e quando regressa a Portugal acaba por ser identificado como francês, alemão... Daí essa proximidade entre o que a pessoa (luso-descendente) sente e a forma como os outros o definem. Relacionada encontra-se a questão do transnacionalismo, que tem a ver com os contactos. Aqueles que têm desejo de regressar quando estão lá fora dão tudo por tudo para manter viva essa chama do regresso. Novamente a Internet torna-se uma peça chave. Fazer downloads de música portuguesa, ver vídeos de artistas portugueses através do Youtube, ver filmes, ver a RTP Internacional (muito importante!) são pequenos hábitos que ajudam a manter a chama viva. Chegam a Portugal e é o contrário. Os amigos de infância são amigos na mesma, e passam a manter esse contacto com os que deixaram lá do mesmo modo que, quando vinham cá de férias, quando eram mais novos, também criavam cá as suas relações, sobretudo com a família. Essa ligação com a família, quando estão lá fora, é muito importante. Depois do regresso, estão cá e procuram saber o que se passa no país de onde saíram. Há sempre dois fluxos. Acabam por não estar nem num país nem noutro e acabam por estar em ambos: podem estar em Portugal fisicamente mas em termos emocionais um pedaço de si continua "lá".

 

OEm - Está envolvido num outro projecto, Place, Identity and Belonging: Returning to Portugal and the Transnational Lives of Portuguese-Canadian Emigrant Descendents...

JS - Isso aconteceu no ano passado através de uma bolsa concedida pela embaixada do Canadá para fazer trabalho de campo no Canadá, durante cinco semanas, com luso-descendentes, analisando questões como a identidade, a pertença e o desejo de regressar (ou não) a Portugal. Novamente aí, foi muito importante distinguir o "açoriano" do "continental", porque as respostas também eram muito diferentes. Novamente existe uma tendência maior para os açorianos não se identificarem com Portugal. A sua inserção na sociedade canadiana é para que se definam como canadianos, abandonando a vertente açoriana basicamente por causa do passado: dos pais, da ignorância, da educação transmitida aos filhos. Os que vêm do Continente têm uma maior ligação, existe uma maior tendência para virem a Portugal, também um maior contacto familiar.

 

OEm - Também colabora com o projecto Diasbola.

JS - Exacto, tenho colaborado com a vertente do futebol no Canadá. O que tenho feito nesse projecto, e que aliás tenho adorado, é uma análise específica sobre o impacto do futebol português e do hóquei no gelo canadiano sobre os portugueses no Canadá, sobretudo os luso-descendentes, em termos identitários, ou seja, como é que é a "negociação" entre os dois desportos. É interessante: o Euro e o Mundial e o sucesso da selecção portuguesa têm contribuído para colocar Portugal num patamar mais alto neste campo do desporto. No que diz respeito ao Canadá, da mesma maneira que o Cristiano Ronaldo (tal como o Mourinho) é um símbolo e dá "popularidade" ao luso-descendente (é um ponto de referência positivo para o luso-descendente), o mesmo se vive no Canadá em relação à Nelly Furtado. Aliás, a Nelly Furtado tem dado uma imagem muito positiva no Canadá, no que diz respeito às raparigas luso-descendentes, de um certo "sex-appeal". Em relação à questão hóquei-futebol, vêem-se agora jovens luso-descendentes a tornarem-se profissionais de hóquei no gelo. Neste momento, há um jogador luso-descendente, o John Tavares, que joga na equipa de Nova Iorque (os Islanders). Começou a jogar profissionalmente na época passada com 18 anos e todos acreditam que ele tem a possibilidade de se tornar num dos melhores jogadores da sua geração. Isto, para os luso-descendentes, também é muito importante, é prestígio.

 

OEm - Estas dinâmicas acabam por influenciar a identidade...

JS - Exacto. Por um lado, o hóquei no gelo é o desporto-rei no Canadá... Por outro, é bom ter o Cristiano Ronaldo no "nosso" lado... Como o Canadá é um país multicultural, existe competitividade entre os jovens de diferentes etnias e no caso dos portugueses existe uma grande rivalidade com a comunidade italiana. Sempre existiu. Enquanto, por exemplo, os jovens descendentes de italianos têm grandes referências no futebol italiano, com selecções que já ganharam mundiais, isso é motivo para menorizar os jovens portugueses que têm as suas origens num país que nunca ganhou nada e que, quando joga com a Itália, perde. Só que agora, há as referências individuais e é muito comum andar por Toronto ou por Montreal e ver jovens com a camisola do Cristiano Ronaldo, mostrando ser português e remetendo para uma referência que coloca Portugal num patamar mais elevado. Mas também o futebol sempre foi um símbolo de reconhecimento na diáspora. Quando estive no Canadá a fazer trabalho de campo falei com algumas pessoas da primeira geração que emigraram para lá no final da década de 1960, ou de 1970 e que, quando chegavam ao Canadá e diziam ser portugueses, a grande referência era: "ah, portugueses: Eusébio!". Já naquela altura o futebol era algo que dava reconhecimento aos portugueses. E isso continua.

 

* Editing note.

 

Cite as  Pereira, Cláudia (2011), "Mesmo no regresso, os portugueses continuam a sentir-se emigrantes. Entrevista a João Sardinha", Observatório da Emigração, 24 de Janeiro de 2011. http://observatorioemigracao.pt/np4EN/4697.html

 

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